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2. NSP: CONTEXTO TEÓRICO-SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.2. Enquadramento sociopolítico das substâncias psicoativas – a perspetiva dos

2.3.3. Desde 2007 até à atualidade

Para além de todos os novos significados que foram sendo atribuídos ao consumo de drogas e às próprias substâncias em si, também as organizações foram sofrendo algumas alterações, sejam elas pela alteração do seu plano de ação ou pela reconfiguração da sua

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estrutura, tal como aconteceu em 2012 com a publicação da nova orgânica do Ministério da Saúde. Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro, o Governo procede à criação do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), extinguindo, em consequência, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, I. P., cometendo às Administrações Regionais de Saúde, I. P. a componente de operacionalização das políticas de saúde. Porém, este não foi o acontecimento com especial destaque e impacto na forma como olhamos para o fenómeno das drogas, nem tão pouco a grande transformação que se assinalou já nesta fase.

Sendo progressivamente debatido em vários países e organizações de todo o mundo, o assunto Novas Substâncias Psicoativas (NSP) entra fortemente na realidade portuguesa a partir 2007, introduzindo novos desafios a qualquer instância, seja ela nacional ou internacional. Embora com maior destaque a partir de 2011, a vasta proliferação de espaços físicos e virtuais voltados exclusivamente para a venda de NSP (através das smartshops ou lojas online) foram um marco determinante para a história das drogas no país e, por isso, o tema central do presente trabalho de investigação.

Desde o início de 2007 até abril de 2013, as NSP apresentaram-se sob diversas formas no mercado, destacando-se sempre pela sua capacidade criativa, inovadora e de rápido surgimento. A sua rotulagem, muitas vezes falsa e inadequada, foi abrindo igualmente espaço para novas oportunidades, capazes de contornar leis, perceções, hábitos e até formas de consumo de substâncias. Entre patrocínios a artistas, organização de eventos para um público específico (jovens) e festas noturnas temáticas forte e minuciosamente publicitadas, a atenção e o debate públicos foram-se voltando para o tema das NSP. Estendendo-se a todos os níveis e idades, foi considerado um tema emergente e uma ameaça para a saúde pública, especialmente entre os mais jovens (DGS, 2012; Eurobarómetro, 2014).

Em Portugal, a RAM foi a primeira região a debater mais profundamente este tema. Notícias locais foram dando conta acerca da forma como este fenómeno entrou na região: responsáveis por quatro mortes e cerca de 190 hospitalizações até outubro de 2012, foram os dados facultados em 2013. Assim, o debate parlamentar na RAM teve, desde cedo, uma forte expressão, antecipando assim a implementação do Decreto-legislativo regional Nº 28/2012M de 25 de outubro. Este diploma, ao proibir a venda e o uso de NSP, limitou o seu comércio na região e fez diminuir drasticamente o número de problemas de saúde relacionados com o uso e abuso destas drogas entra a população da ilha.

Ao longo da última década, o fenómeno das NSP tornou-se assim uma das preocupações centrais dos organismos nacionais e internacionais responsáveis pela monitorização, controlo e

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implementação de leis da droga. Neste sentido, no dia 17 de janeiro de 2012, a Associação Piaget para o Desenvolvimento (APDES), trabalhando ativamente para o desenvolvimento e proteção de comunidades vulneráveis e em risco, publicou uma recomendação ao governo solicitando a sua atenção para o impacto do fenómeno das NSP no país e sugerindo novas formas de ação e intervenção nesta área (APDES, 2012). No entanto, a primeira resposta com impacto nacional e com vista à regulamentação deste fenómeno só se assinalou com a entrada em vigor do Decreto-Lei Nº 13/2012 de 26 de março, já que o mesmo acrescentou a mefedrona e o tapentadol às tabelas de substâncias ilegais do país.

Considerando este diploma insuficiente, no dia 4 de setembro de 2012, também a Juventude Social Democrata da Madeira (JSD-M) publica uma carta aberta ao Primeiro Ministro da época, Cavaco Silva, onde descrevia e sugeria uma apreciação do fenómeno das NSP e a sua regulamentação. Um pouco depois, em dezembro de 2012, o Partido Social Democrata (PSD) introduz ainda o projeto de resolução 520/XII, com vista à monitorização das NSP em Portugal, acabando por ser debatido no parlamento no dia 3 de janeiro de 2013.

O rápido aparecimento destas substâncias, tanto a nível nacional como global, bem como a sua forte capacidade de contornar as leis vigentes, fez com que estes diplomas se revelassem pouco eficazes no combate a este fenómeno. Estávamos, portanto, a enfrentar uma época de fortes desafios sociais e políticos, onde o que era anteriormente regulatório das ações se revelava agora vantajoso para o crescimento e perpetuação destas drogas no mercado.

Em 2012, o Ministro da Saúde começa a trabalhar com o parlamento no sentido da criação de legislação mais eficaz no combate ao fenómeno das NSP. Com vista à fiscalização deste tipo de estabelecimento e controlo da entrada e venda de NSP em Portugal. Foi também nesta altura que a Direção-Geral da Saúde apresenta um relatório com dados relacionados ao uso e abuso de NSP, identificando 34 casos graves associados ao consumo de NSP, principalmente entre os menores de idade (DGS, 2012).

Mesmo que as medidas enumeradas até agora possam, de certa forma, parecer contrariar os princípios do modelo da descriminalização do consumo em vigor desde 2001, em 2013 foi introduzido o Decreto-Lei Nº 54/2013 de 17 de abril e a Portaria 154/2013 da mesma data. Estes documentos, ilegalizando 159 novas drogas e limitando a proliferação das smartshops que chegaram a ser cerca de 60 por todo o país, foram a grande força motriz para o fim do debate aceso verificado entre 2007 e 2013.

Definindo Novas Substâncias Psicoativas como substâncias que, não especificamente enquadradas e controladas ao abrigo de legislação própria, em estado puro ou numa preparação, podem constituir uma ameaça para a saúde pública comparável à das substâncias já ilegalizadas,

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este diploma veio tornar possível a sua identificação e, desta forma, proibir a sua venda, produção, importação ou exportação, publicidade, distribuição, posse ou disponibilidade em Portugal. Associado a si vinha também a proibição da venda deste tipo de drogas, por catálogo ou por internet, exceto no caso de se tratar de substâncias reconhecidas pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED, IP.).

Para fins de monitorização do fenómeno das NSP e Portugal, a ASAE, IP. (Autoridade nacional especializada no âmbito da segurança alimentar e da fiscalização) foi também mobilizada como responsável pelo controlo do cumprimento da lei e da promoção de ações de fiscalização sobre as cadeias comerciais destes produtos, colaborando em permanência com outras autoridades competentes nesta matéria.

Quanto às entidades responsáveis pela realização e desenvolvimento de análises e conhecimento específico acerca das NSP, para além do INFARMED, a responsabilidade foi também atribuída ao Laboratório de Polícia Científica (LPC, IP.) e ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF, IP.). Paralelamente, se alguma substância identificada puder ser considerada uma ameaça para a saúde pública, a informação deverá ser igualmente reportada ao Serviço de Intervenção nos Comportamentos e nas Dependências (SICAD, IP.). É, por sua vez, este serviço que está incumbido de avaliar e confirmar o risco associado ao consumo da substância, determinando posteriormente a respetiva coima aplicável ao sujeito ou empresa detentora de tais produtos.

Em novembro de 2013, seis meses após a implementação do Decreto-Lei Nº 54/2013 de 17 de abril, o Presidente do SICAD, na altura ainda Diretor do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, veio confirmar, em entrevista, o sucesso e o balanço positivo conseguido desde a implementação do diploma acima mencionado. Atualmente, tal como mencionado anteriormente, a designação “novas substâncias psicoativas” é pouco conhecida entre os sujeitos consumidores de drogas em geral, parece ter pouca expressão nos contextos festivos e mais associados ao consumo destas substâncias (Calado et al, 2016; Calado et al., 2017; Ribeiro et al., 2014), embora isto também pareça ser discutível para certos profissionais e regiões do país. De acordo com um estudo levado a cabo por Susana Henriques e pela autora do presente estudo, em 2017, embora se reconheça a baixa prevalência do consumo de NSP entre a população portuguesa, há questões mais profundas associadas que merecem a nossa especial atenção, tais como a adulteração das substâncias (Martins et al.,2015) e a sua diferente propagação nos mercados e nas mais diversas regiões de Portugal (Henriques et al, 2018).

Tal como apresentado acima, para além das políticas regionais diferenciadas ao longo do país, também os hábitos de consumo e as tendências associadas ao consumo de NSP parecem

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variar de região para região. Se por um lado falamos de diferenças geográficas (ex.: as ilhas da Madeira e dos Açores), por outro sabemos que os próprios mercados diferem entre si, fazendo variar o preço das substâncias de uso e abuso e a sua respetiva qualidade, podendo influenciar assim, ou não, a sua disponibilidade no mercado e prevalência de consumo entre a população ou determinados grupos de indivíduos (Henriques et al., 2018).

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