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Capítulo 2. Metodologia da pesquisa: Caminhos percorridos

2.3 O Desenho da Pesquisa

Antes de passarmos à análise “per si” do desenho da pesquisa, algumas questões metodológicas devem ser ainda consideradas. Partindo do princípio de que toda metodologia pressupõe uma concepção de realidade, esse trabalho, está fundamentado teórica e epistemologicamente no método de abordagem dialética da realidade. Está assentado na ideia fundante de que toda formação social12 é suficientemente contraditória, e portanto pode ser historicamente superável (DEMO, 1987).

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Formação social é compreendida como a realidade que se forma processualmente na história, seja ela mais ou menos organizada ou institucionalizada, macro ou microssociológica. Ver DEMO, 1983;1987.; 1995;

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Optei pelo método dialético que tem como objetivo compreender o processo histórico de transformação social. Compreendo que a dialética dá prerrogativas ao fenômeno da transição histórica, da historicidade da realidade, que significa a superação de uma fase por outra. Isso significa afirmar o predomínio de certos fenômenos históricos sobre outros, os quais na fase posterior da transição histórica prevalecem mais os elementos históricos novos do que repetições possíveis da fase primeira (DEMO, 1995).

Atentando sempre que a dialética não vê nem explica tudo, nem resolve tudo, porquanto, nenhuma metodologia consegue esse feito. Ela é apenas uma interpretação da realidade, e está diametralmente ligada ao fenômeno da contradição ou em outros termos, do conflito. Tais contradições não precisam necessariamente ser externas, exógenas, impostas à realidade pesquisada. A contradição na metodologia dialética mora dentro da realidade e prevalece em relação a harmonias e consensos.

A partir dessa reflexão DEMO reflete ainda sobre a dialética afirmando que a realidade é suficientemente contraditória no sentido de que não existem somente contradições leves, superficiais, passageiras, mas também aquelas que não conseguimos solucionar, ou seja, de profundidade tal que levam a formação social a se superar. (apud, 1987). Para Marx as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver suas próprias contradições (1983).

Marx afirma ainda em “Contribuição À Critica da Economia Política” que “nunca

relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições gerais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade(...)”(MARX, op

Cit p. 24-25).

A dialética é um modo de compreensão, de interpretação da realidade que fornece as bases para uma compreensão dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de seus múltiplos condicionamentos políticos, econômicos, culturais, históricos, éticos, estéticos, ecológicos, etc. (GIL, 2007).

Em complementariedade à concepção dialética da realidade apresenta-se Morin e a Teoria da Complexidade. O pensamento do autor parte de uma superação do marxismo e, segundo ele, foi ultrapassado por integração. Em uma passagem na ‘Obra em Busca dos Fundamentos Perdidos’, Morin ressalta que transpôs o marxismo por complementariedade:

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“Ultrapassei Marx integrando-o e não desintegrando-o, ainda que esta integração necessitasse de um certo deslocamento da estrutura de conjunto que assegurasse a coerência do sistema. “Completei Marx onde julguei que havia carência e insuficiência, mas além de um neo ou pós marxismo: precisava elaborar aquilo que, a partir de 1980, pude chamar de “pensamento complexo”. A “ultrapassagem do Marxismo continua a ser uma das vias para chegar ao pensamento complexo. Hoje, mais que nunca considero fundamental duas ideias em Marx... A primeira é a do homem genérico. É a aptidão de que aquém e além das especializações, dos fechamentos, das compartimentalizações constitui a fonte geradora e regeneradora do humano. O homem genérico em Marx era destituído de subjetividade, de afetividade, de amor, de loucura, de poesia. É preciso enriquecer o genérico. A segunda ideia chave encontra-se no diagnóstico premonitório de Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo, que confirma a globalização atual, nascida da extensão do mercado mundial. O Marxismo acreditou poder reduzir tão somente ao capitalismo todos os males que atingem a humanidade. Não viu que a hidra tinha muitas cabeças. É verdade, contudo que Marx percebeu a necessidade de uma segunda mundialização, aquela que foi pré figurada nas internacionais socialistas. (MORIN in RODRIGUES E CARVALHO 2004 orgs. p. 23-24)

Morin, parte de uma perspectiva marxista de análise do mundo, embora faça críticas ao socialismo real. Ele conviveu com marxistas como Claude Lefort e Roger Garaudy, e nos anos 60, envolveu- se na criação das revistas “Socialismo ou Bárbarie” e “L’Argument”, onde se desenvolveram críticas sistemáticas ao totalitarismo. Apesar das críticas, considerava a importância de Marx na construção de uma nova visão de homem e de relação entre conhecimento e transformação social e continua considerando a si mesmo representante da esquerda intelectual, continua acreditando na possibilidade de revolução como transformação social. (DANSA, 2008)

Pode-se dizer que o que é complexo aqui diz respeito, por um lado, ao mundo empírico, à incerteza, à incapacidade de ter certeza de tudo, de formular uma lei, de conhecer uma ordem absoluta. Por outro lado diz respeito a alguma coisa de lógico isto é, à incapacidade de evitar contradições (MORIN, 2005).

No geral, nas pesquisas clássicas quando nos deparamos com uma contradição num raciocínio é um sinal de erro. Em uma visão complexa da realidade quando se chega por vias empírico-racionais a contradições isso não significa erro, mas a aproximação a uma camada mais profunda da realidade e por ser um encontro mais aprofundado não encontra expressão em nossa lógica habitual (MORIN, op Cit).

A intenção não é buscar conhecer a totalidade de um fenômeno, não é ter uma visão completa da realidade, mas perceber esse fenômeno de forma multidimensional, de forma complexa, de forma não isolada. Uma realidade econômica de um lado é uma realidade ambiental de outro, uma realidade demográfica em um polo pode ser uma realidade

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psicológica de outro. Desta feita, uma realidade tem minimamente dois lados, podendo segundo uma visão complexa ter muitos outros, e embutida nelas várias dimensões.

A consciência multidimensional nos conduz a ideia de que toda visão unidimensional, especializada e parcelada é pobre. É necessário que ela esteja vinculada a outras dimensões. Nessa perspectiva integradora o caminho metodológico está alicerçado no enfoque da pesquisa qualitativa bem como parte dos dados foram coletados e sistematizados para serem apresentados quantitativamente.

Partindo do pressuposto de que o desenho da pesquisa foi alicerçado preliminarmente neste contexto de relações complexas, dialéticas e dinâmicas, o desenho do estudo também por uma questão didática deveria permitir uma abordagem que integrasse as várias dimensões e temporalidades do objeto tanto num plano analítico quanto sintético. Assim a pesquisa foi dividida em três dimensões, que de forma alguma foram investigadas isoladamente. Todas elas essenciais para a compreensão da realidade estudada.

O desenho metodológico da pesquisa buscou refletir uma coerência interna sendo organizado conforme Figura 03. Apresentando os momentos pelos quais passou a transição agroecológica, em concordância com as dimensões de pesquisa criadas para auxiliar na compreensão didática do estudo do Colônia I:

A) A primeira dimensão de pesquisa: chamada de Memória do Passado, na qual apresentamos o contexto sociohistórico de formação do assentamento, sua caracterização ambiental nos primeiros anos na terra e as relações sociais constituídas.

B) A segunda dimensão de pesquisa: O Tempo Presente, chamada de Transição Agroecológica: toda a caracterização do presente e do próprio processo de transição e suas dimensões (ético-econômica, técnico-ecológica, socioeducativa e político-organizativa), eventos desencadeantes desse processo, estágio evolutivos, seus ciclos de desenvolvimento, relações de cooperação e solidariedade.

C) A terceira dimensão de pesquisa: O tempo futuro, chamada de Memória do Futuro - o Horizonte Utópico: teve seus dados coletados, porém não apresentados e discutidos ao longo dessa tese, serão trabalhados em artigos futuros; em que apresenta a resistência dos assentados para viverem e produzirem na terra, as alternativas de desenvolvimento

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comunitário, a construção política, educativa e local, as perspectivas de futuro e sonhos. É possível sonhar?

Figura 03 – Desenho da Pesquisa

Como uma prerrogativa para a construção desse desenho de estudo está a necessidade permanente de diálogo e alimentação recíproca entre as dimensões de Pesquisa: Memória do Passado, Presente-Transição Agroecológica, Memória do Futuro, seja na demanda de produção de informações e conhecimentos gerada em cada dimensão seja no pensar integrador e articulador do todo do assentamento.

O conceito de dimensão nesta pesquisa é usada como tradução da palavra inglesa domain, que significa campos ou áreas de enfoque, de análise ou de mensuração em relação a um objeto. Os trabalhos publicados por autores portugueses traduzem domain como domínio. Cada dimensão é avaliada por um conjunto de subitens (variáveis) que têm a função de melhor caracterizá-la. A escolha das variáveis está diretamente relacionada com conhecimento, prévio e seguro, do que é importante para a população que está sendo estudada e qual o enfoque que se pretende no estudo da transição agroecológica.

Presente- Transição Agroecológica

Transição Agroecológica Memória do Passado Memória do Futuro Ético Sócio Político Organizativo

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Fazem parte constituinte desse desenho as múltiplas dimensões da transição agroecológicas que emergem das interações que se estabelecem na construção social dentro do Assentamento Colônia I são elas:

a) Socioeducativa b) Ético-Econômica c) Político-Organizativa d) Técnico-Ecológica

A escolha das dimensões e suas respectivas variáveis foi amparada em critérios baseados em uma revisão de literatura, de autores reconhecidos na área de Agroecologia Altieri (2009), Gliesmman (2000), Caporal (2002), Gonzalez & Molina(2009), Ortega, Pinheiro Machado, Sebastião Pinheiro (1998), Jalcione (1998) . Dentro de cada dimensão foram estudas variáveis objetivas expressas no quadro de organização da pesquisa em. Observa-se, a seguir, Dimensões com sua caracterização de variáveis por meio das técnicas de pesquisa desenvolvidas na pesquisa:

A pesquisa foi originalmente estabelecida com onze dimensões (ética, histórica, cultural, educativa, subjetiva, social econômica, político, organizativa, técnico, ecológica) . Durante a análise dos dados obtidos, quando o agricultor familiar assentado foi incentivado a discorrer sobre os temas de debate, observou-se que algumas dimensões estavam muito próximas de outras, sendo necessário aglutiná-las. Assim, dimensões do campo social passaram a compor com a dimensão educativa, a dimensão ética passou a incorporar- se na dimensão econômica, a dimensão política congregou- se com a dimensão organizativa e a dimensão técnica fundiu- se com a dimensão ecológica. Dessa forma foram caracterizadas somente as dimensões resultantes da composição resultante dos ajustes para a pesquisa:

1º) Socioeducativa: É uma das dimensões mais importantes para a pesquisa com uma análise subjetiva do processo. Compreende a formação sóciohistórica dos sujeitos, a construção do conhecimento agroecológico e a elaboração e veiculação de informações. Inclui a co- participação de instituições nos processos de construção de conhecimento em nível do saber formal, do saber tradicional (repassado pelas gerações anteriores que viveram no campo), bem como o conhecimento construído na experiência cotidiana – seja para conhecimento pontual de atualidades rurais, notícias de qualquer espécie ou capacitação técnica mais ampla. Outras variáveis observadas são as relações afetivas entre os agricultores

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e seus familiares, amigos e vizinhos. Inclui também a autoestima, o bem-estar pessoal, a religião, a estrutura familiar, a realização profissional e o lazer, etc.

2º) Ético- Econômica: Esta dimensão inclui variáveis que são o cultivo da propriedade, a questões relacionadas ao trabalho analisada, inicialmente, por meio das atividades exercidas para a manutenção da família – renda financeira do que é produzido e vendido, pelo que é produzido e consumido pela família e, quando presente, pelo trabalho pluriativo, investimento na produção. O acesso ao crédito rural e à assistência técnica.

3º) Político – Organizativa: as variáveis importantes analisadas nesta dimensão são o espaço de discussão político- organizativo, a formação associativa, o trabalho cooperativo, a ajuda mútua, as relações de solidariedade, o processo de gestão do GVP, suas relações com as instituições parceiras as reuniões internas e externas.

Técnico- Ecológica: Seu conteúdo circunscreve as variáveis: clima, solo, ruídos, qualidade do ar, vegetação, água e área-verde. A questão dos cuidados ambientais quanto a contaminação ambiental por vizinhos usuários de agrotóxicos também é incluída nesta dimensão. A saúde do respondente (e para o respondente) e de seus familiares, conforme a alimentação, as doenças, o abastecimento de água na moradia, a qualidade e tratamento da água, a disponibilidade e o acesso a serviços médicos e existência de escoamento sanitário segurança no trabalho, reeducação alimentar a partir da mudança de modelo de produção, segurança ambiental com a plantação ou criação.

Outros itens constitutivos do desenho da pesquisa que não aparecem representados graficamente, mas estão aí presentes são os ciclos de desenvolvimento. Esses ciclos puderam ser observados durante a pesquisa ao ser observada e estudada a trajetória da transição e suas dimensões. A partir desse conjunto de informações foi possível traçar o Mapa da Trajetória Comunitária - MTC - (em anexo) onde é possível visualizar o enlace entre as dimensões e os ciclos e em que medida existem interferências mútuas. A título de apresentação, seguem os ciclos que serão vastamente trabalhados no Capítulo 4:

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1. Primeiro Ciclo - A semente em solo fértil: A formação do Intelectual Orgânico, a pesquisa empírica e o trabalho da Universidade (1999 a 2001)

2. Segundo Ciclo - O Papel do Intelectual Orgânico na dimensão político organizativa, relativizando a lógica camponesa e construindo a lógica coletivista (2002 a 2004)

3. Terceiro Ciclo - A retomada da lógica camponesa, a cooperação e a solidariedade entre famílias, o mercado bate a porta (2005 a 2007).

4. Quarto Ciclo - A mão invisível do mercado: sobre determinação da comercialização (2008 e 2009)

5. Quinto Ciclo - A prova de fogo: uma revisão político – Organizativa e Técnico-Ecológica (2010).

6. Sexto Ciclo - A lógica camponesa resiste e se sobre põe a lógica do mercado (2011).

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