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Este projeto foi desenhado como um ensaio randomizado, duplo-cego, placebo- controlado (http://clinicaltrials.gov/NCT02914769). Metade dos voluntários bebeu ayahuas- ca, e a outra metade, placebo. A ordem do tratamento foi definida de maneira aleatória, uti- lizando-se a técnica de permutação em blocos (www.randomization.com). Os sujeitos de cada grupo (controle e paciente) foram numerados por ordem de participação e randomizados por blocos de 10 indivíduos.

Os voluntários foram recrutados a partir de propaganda boca a boca entre psiquia- tras, clínicas e consultórios de atendimento psiquiátrico, e pela divulgação do projeto na mí- dia e redes sociais. Para seleção dos voluntários e acompanhamento dos pacientes, foi criado um ambulatório semanal no serviço de psiquiatria do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). Os interessados foram primeiramente triados por telefone/e-mail. Uma vez pré- selecionados, os voluntários foram encaminhados ao ambulatório de psiquiatria para triagem final pela equipe de psiquiatria e verificação dos critérios de inclusão/exclusão.

38 Os pacientes selecionados passaram por um período sem uso de medicação antidepres- siva (Figura 1). Esse procedimento, conhecido por washout, é comum durante a troca de me- dicação, a fim de evitar interação medicamentosa. O período de washout depende do tempo de meia vida da medicação em uso (Grunebaum et al. 2003). Por exemplo, para a fluoxetina, um inibidor seletivo da receptação de serotonina, esse período é de 2 semanas. Somente ao final do período de washout é que os pacientes participaram do experimento, e na semana seguinte, iniciaram novo esquema de tratamento.

O projeto foi desenhado de modo a permitir avaliar efeitos agudos, subagudos e anti- depressivos da ayahuasca. Os efeitos antidepressivos foram acessados pela HAM-D e MADRS em vários instantes (descritos adiante) antes, durante e ao longo de seis meses, após a sessão de tratamento. Durante os efeitos agudos da ayahuasca os voluntários foram monitorados por eletroencefalografia (EEG), escalas psiquiátricas, questionários, e coleta de saliva, para avali- ação de cortisol. Os efeitos subagudos da ayahuasca foram acessados por um conjunto de me- didas realizadas 24h antes e 24h após as sessões de tratamento. Essas medidas incluíram EEG durante o sono, imagem por ressonância magnética (estrutural e fMRI), escalas psiquiá- tricas, testes neuropsicológicos, questionários e medidas bioquímicas (cortisol, BDNF, TNF-α, IL-4, IL-6, IL-10).

Figura 1. Cronograma da coleta de dados para cada voluntário. A primeira etapa consistia em passar por uma triagem. Apenas os pacientes passaram por um período de washout (retirada da medicação). A etapa de cole- ta de dados tinha duração de quatro dias. Após essa fase, os pacientes continuaram sendo acompanhados por seis meses.

A Figura 1 mostra o cronograma da coleta de dados para cada um dos voluntários. Um dia antes da sessão de tratamento (D-1), sempre às terças-feiras por volta das 14h, os

voluntários foram recebidos por um membro da equipe, quando deveriam ler os termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE), de autorização para gravação de voz e imagem, e assiná-los, caso estivessem de acordo. Após preenchimento do questionário epidemiológico, eles foram submetidos, sequencialmente e ao longo da tarde, às avaliações de linha de base, que incluíam, exame clínico e aplicação de escalas psiquiátricas (HAM-D e MADRS), avalia- ção neuropsicológicas, imagem funcional por ressonância magnética (fMRI, functional Magne-

tic Resonance Imaging), e registro do discurso.

As avaliações neuropsicológicas foram selecionadas e aplicadas por equipe coordenada pelo prof. João Carlos Alchieri, do Departamento de Psicologia da UFRN. Nas duas avalia- ções (antes e após tratamento) foram aplicados três testes. O teste do relógio, para avaliar alguns aspectos de funções cognitivas, motoras, e executivas (Colombo et al. 2009), o teste de trilhas, para explorar aspectos de atenção sustentada, o rastreamento visual, destreza motora e memória operacional (da Mota 2008), e o teste de dígitos, que se propõe a avaliar atenção e memória de trabalho (Wechsler 2004).

O protocolo de imagem por ressonância magnética será descrito em mais detalhes adi- ante. Em resumo, nas duas sessões (antes e após tratamento) de MRI (Magnetic Resonance

Imaging) os indivíduos realizaram dois protocolos experimentais: (i) uma tarefa de regulação

emocional e (ii) um protocolo de resting-state.

A coleta dos discursos ocorreu logo após as sessões de MRI (antes e após tratamento). Os registros foram realizados por gravador do tipo MP3, para serem em seguida transcritos pela empresa Audiotext (Curitiba – PR). Em cada uma das sessões fizemos cinco registros de discurso. Quatro deles se referiam a histórias que deveriam ser criadas a partir de imagens afetivas extraídas do banco de dados IAPS (International Affective Picture System) (Lang, Bradley, and Cuthbert 2008). Os indivíduos criavam e contavam duas histórias de imagens negativas, e duas de imagens neutras. O quinto relato se referia à descrição dos pensamentos que recordavam ter tido durante o protocolo de resting state.

Após o registro dos discursos, já era noite e os indivíduos seguiam para o jantar. Em seguida, dava-se início à montagem e preparação do sistema de EEG. Os registros foram rea- lizados em um ambiente do laboratório de neuroimagem funcional (NeuroImago), projetado para ser um quarto de dormir confortável. Utilizamos um sistema de 32 canais (Brain Pro-

40 ducts, EasyCap, Herrsching-Breitbrunn, Alemanha), com frequência de amostragem 1kHz e o eletrodo FCz como referência. Durante toda noite foi feito registro contínuo de eletroencefa- lograma (EEG, 25 canais), eletroculograma (EOG, 2 canais), eletrocardiograma (ECG, 2 ca- nais), e eletromiograma (EMG, 3 canais). Os voluntários foram acompanhados durante toda noite por dois profissionais, pelo menos um deles com formação em enfermagem. Além desse registro, as escalas de sonolência de Epworth (Johns 1991), e o índice de qualidade de sono de Pittsburg (Buysse et al. 1989) foram aplicados para avaliar características de sono dos volun- tários.

Às 6h da manhã do dia seguinte (4a feira), despertávamos os voluntários para realizar coleta de saliva e sangue, em jejum. As coletas de saliva foram feitas pelo próprio voluntário por meio de material específico (Salivette®, da Sarstedt, Alemanha). Coletamos, ainda, 30 ml de sangue que serviram para avaliar (i) os seguintes dados clínicos de rotina: hemograma completo, glicemia de jejum, triglicerídeos, LDL, HDL e colesterol total, sódio e potássio plasmáticos, ureia e creatinina, proteína c-reativa, TGO, TGP e beta-HCG para mulheres em idade fértil, e (ii) enviado para o laboratório de Medidas Hormonais do departamento de fisi- ologia da UFRN, coordenado pela Profa. Nicole Galvão-Coelho, para dosagem de citocinas pró-inflamatórias incluindo interleucinas-4 (IL-4), IL-6 e IL-10, de cortisol plasmático, de fa- tor de necrose tumoral alfa (TNF-α), de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF).

Após leve café da manhã5, os voluntários eram preparados para a sessão de tratamen-

to, durante a qual receberiam ayahuasca ou placebo. Cada sessão durava aproximadamente 8 horas, indo geralmente das 8h às 16h. Durante esse período, os voluntários foram monitora- dos por eletroencefalografia (EEG), acessados por escalas psiquiátricas (MADRS, BPRS, CADSS, YMRS), e feitas coletas de saliva, para medida de cortisol. Ao final da sessão de tra- tamento, os voluntários preencheram a HRS, foram entrevistados, quando deveriam contar livremente a experiência, e em seguida, avaliados pela equipe de psiquiatria e liberados quan- do estivessem se sentindo confortáveis.

Na tarde do dia seguinte (D1, 5a feira) os voluntários retornavam ao HUOL, quando realizavam nova bateria de exames, para acessar mudanças subagudas. Novamente, os volun- tários realizavam avaliação psiquiátrica (MADRS), neuropsicológica, exame de imagem por

ressonância magnética (estrutural e funcional), e registro do discurso. Dormiam mais uma noite no laboratório para realização do EEG durante o sono, e na manhã do dia seguinte rea- lizavam nova coleta de sangue e saliva (Fig. 1).

Por volta das 7h30 da 6a feira (D2) os voluntários respondiam a dois outros questio- nários (MEQ30 e ARSQ), descreviam novamente a experiência que tiveram durante a sessão de tratamento, e relatavam eventuais mudanças percebidas nos dias que se seguiram a sessão de tratamento. Por volta das 9h, eram avaliados pela equipe de psiquiatria (MADRS), e libe- rados em seguida.

Os pacientes foram acompanhados no ambulatório de depressão do HUOL para avali- armos os efeitos antidepressivos de mais longo prazo. Foram agendados retornos nos seguin- tes momentos pós sessão de tratamento: 7 dias (D7), 14 dias (D14), e a partir daí, a cada mês, por 6 meses. Durante as consultas era realizada avaliação clínica e aplicadas as escalas HAM-D e MADRS. No primeiro retorno do paciente (D7) foi introduzido o novo esquema de tratamento medicamentoso.

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