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DESENTENDIMENTOS IDEOLÓGICOS ENTRE O CPC E O CINEMA NOVO

O cinema na concepção do Centro Popular de Cultura

DESENTENDIMENTOS IDEOLÓGICOS ENTRE O CPC E O CINEMA NOVO

O engajamento artístico proposto por Carlos Estevam Martins como diretriz para o Centro Popular de Cultura tinha a finalidade principal de promover a conscientização das camadas populares a partir de um método, originalmente desenvolvido pelo Partido Bolchevique russo, na década de 1910211, de agitação das massas e de propaganda dos ideais revolucionários. No agitprop, conceito que sintetiza esse projeto de organizar o povo como classe oposta à elite econômica, a promover transformações na sociedade, o primordial é a busca por meios massivos de comunicação com o objetivo de transmitir mensagens de caráter político212. No CPC, grupo que incorporou essa preocupação às suas práticas de militância, um dos maiores esforços foi procurar formas para

estabelecer uma comunicação dinâmica com o maior número de pessoas: o agitprop, como procedimento, era verificável nos comícios, nos folhetos distribuídos em praça pública, nas apresentações teatrais e musicais com a “carreta do povo”, nas publicações impressas213, nos discos ou na produção de filmes, caso de Cinco vezes favela, longa-

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“A Rússia pré-revolucionária de 1917 era o país de maior extensão territorial do mundo e com grande índice de analfabetismo nas classes populares. Para poder organizar os trabalhadores urbanos,

camponeses e soldados (que estavam nas frentes de batalha), o Partido Bolchevique organizava duplas e brigadas de agitadores e propagandistas (...) Com a tomada do poder em Outubro de 1917 o

acontecimento da revolução tinha que ser informado por todo o território, e era fundamental combater a contra-revolução. Com estes objetivos, grupos de soldados do exército vermelho, de estudantes e de artistas se empenharam na invenção, desenvolvimento ou aprimoramento de uma série de técnicas de agitprop, fazendo uso das mais diversas linguagens – como o cinema, o teatro, a música, o jornalismo, a retórica, as artes plásticas – e meios, como o trem de agitprop, que levava em cada vagão uma forma distinta de agitação e propaganda: banda de música, grupo de teatro, equipamento de cinema para exibição e filmagem, militantes para fazer discursos políticos, vagão biblioteca, etc.”. COLETIVO de cultura do MST. Agitprop no processo de transformação social. 2007.

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Vale ressaltar que o conceito de massivo muda de acordo com o período histórico: o teatro de rua, considerado pelo CPC como manifestação artística eficiente para atingir um grande número de pessoas, hoje, com o desenvolvimento de meios digitais de comunicação, dificilmente será lido nessa mesma chave.

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O CPC publicou, por exemplo, uma coleção de quatro livros chamada Reportagem. Em formato de bolso, escrito em linguagem simples e com tiragem de 10 mil exemplares para cada um dos volumes, tinha como objetivo, de acordo com nota editoral, levar ao leitor “reportagens proibidas, escritas com o objetivo de romper a cortina de silêncio que impede o grande público de tomar conhecimento de problemas e de fatos relacionados com a independência econômica e política do país”. Na linha do agitprop, decerto inspirados na edição dos Cadernos do povo brasileiro, os títulos dos livros foram, em

metragem que gerou grandes expectativas entre os cepecistas por o cinema ter sido considerado um dos meios mais efetivos para a multiplicação de uma ideologia.

No agitprop defendido por Estevam, quando uma manifestação artística era escolhida para difundir conhecimento às massas, o fundamental não era sua

contribuição como experiência estética, mas a eficiência pragmática que possuía para a transmissão de valores políticos. Desse ponto de vista, a produção cinematográfica teria como objetivo a criação de peças ficcionais ou documentais de propaganda, feitas com uma linguagem acessível à maioria dos espectadores e destinadas a intervir diretamente nos rumos da sociedade. Tendo em vista que a motivação central na realização de um filme seria dar suporte à militância, existindo apenas para atuar na imediatez de uma campanha ideológica, pouco importava seu valor como obra de arte ou sua permanência como expressão de uma vanguarda no campo formal: tratava-se de uma produção funcional, efêmera e útil apenas como instrumento de agitação.

Nesse sentido, na visão de Estevam, o CPC não era o local mais indicado àqueles que desejassem realizar um filme como experimentação estética ou

manifestação de anseios individuais. Para ele, um homem com formação sociológica e sem ambição de seguir uma carreira artística214, a produção cinematográfica do CPC sequer deveria ser considerada arte, no sentido usual do termo: seria, sim, um artifício pedagógico para produzir conscientização política:

[No CPC], o problema que havia era o da carreira artística dos que eram mais talentosos. Havia falta de espaço para a criação artística propriamente dita. Aqueles que tinham talento, e continuaram depois o trabalho artístico, mantinham a ilusão, e eu alimentei esta ilusão, de que era possível fazer arte ali dentro. Eu dizia que o problema estava na falta de talento deles, em não terem ainda descoberto um jeito de fazer alguma coisa que fosse popular e, ao mesmo tempo, com valor artístico (...) Mas eu estava careca de saber que não ia dar nunca. Que a tendência era cada vez mais baixar o nível, e eu lutei para que cada vez mais se baixasse o nível, não do conteúdo, mas da forma215.

Para o Cinema Novo, especialmente Glauber Rocha, soava absurda a posição de Carlos Estevam em relação ao cinema. Embora ambos considerassem a atividade cinematográfica um meio de promover transformações sociais, Glauber sempre se posicionou contrário a quaisquer formas de cerceamento da criação artística, fossem

ordem de lançamento: Como o Brasil ajudou os EEUU, de Arnaldo Ramos, A terceira guerra, de Lúcio Machado, Em agosto Getúlio ficou só, de Almir Matos, e Inflação: arma dos ricos, de Fausto Cupertino.

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elas consideradas industriais ou dogmáticas de esquerda. No livro Revisão crítica do

cinema brasileiro, publicado pelo cineasta em 1963, a realização de filmes como

produtos de comercialização é o grande adversário de um cinema pensado como livre expressão do artista: a indústria, organizada em um sistema de estúdios216, além de limitar a criatividade de um cineasta, produzia uma falsificação da realidade responsável por reforçar o processo de alienação política dos espectadores.

Assim, na concepção de Glauber, tratava-se de romper com essas estruturas comerciais da produção cinematográfica com o intuito não apenas de garantir liberdade ao artista, mas também de permitir o surgimento de um cinema moderno capaz de promover a conscientização política. Nesse sentido, pareceu pertinente a Glauber importar o conceito francês de “cinema autoral” e adaptá-lo à experiência brasileira: o autor, distante das amarras industriais, que para produzir um filme “necessita apenas de um operador, uma câmera, alguma película e o indispensável para o laboratório”217, é o único que consegue realmente se posicionar contra o mundo capitalista ao realizar um cinema independente:

O autor é o maior responsável pela verdade: sua estética é uma ética, sua mise-en-scène é uma política. Como pode então, um autor, olhar o mundo enfeitiçado com maquillage, iludido com refletores

gongorizantes, falsificado em cenografia de papelão (...) sistematizado em convenções dramáticas que informam uma moral burguesa e conservadora? (...) A política do autor é uma visão livre,

anticonformista, rebelde, violenta, insolente (...) o cinema não é um instrumento, o cinema é uma ontologia. O que lança o autor no grande conflito é que seu instrumento para esta ontologia pertence ao mundo- objeto contra o qual ele intenciona sua crítica. O cinema é uma cultura da superestrutura capitalista. O autor é inimigo desta cultura218.

No caso do Brasil, além de renegar a indústria, e por extensão o próprio capitalismo, o cineasta autoral também deveria se posicionar contra uma esquerda, avaliada como dogmática e que desejava estabelecer diretrizes ao processo de criação219. Para os cinemanovistas em geral, as propostas defendidas por Carlos

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Entrevista realizada em 23 de outubro de 1978 para o CEAC (Centro de Estudos de Arte Contemporânea), da USP.

216

Sobre o assunto, ver SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema: a era dos estúdios em Hollywood. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

217

ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro, 1963, p. 35.

218

ROCHA, Glauber. op. cit., p. 36.

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Carlos Estevam escreveu no Manifesto: “Desejando acima de tudo que sua arte seja eficaz, o artista popular não pode jamais ir além do limite que lhe é imposto pela capacidade que tenha o espectador para traduzir, em termos de sua própria experiência, aquilo que lhe pretende transmitir o fator simbólico do artista. A quem nos disser que isso representa um cerceamento da liberdade criadora, responderemos

Estevam no Anteprojeto do manifesto do CPC, exigindo do artista um

comprometimento com o método do agitprop, com a instrumentalização ideológica da arte, eram também uma forma de imposição a ser combatida. O verdadeiro cinema político surgiria da expressão individual liberta, em um processo de reflexão dialética sobre a realidade objetiva.

Para Glauber, era impensável concordar com o projeto de militância de Estevam. Ao considerar fundamental, em uma arte de engajamento, rechear com “conteúdos revolucionários” as estéticas convencionais, consagradas pelo público e, portanto, supostamente eficientes para estabelecer uma comunicação massiva com as camadas populares, o sociólogo indicava uma direção contrária ao pensamento do Cinema Novo. Nesse movimento, cujo discurso, nos primeiros anos, era radicalmente oposto à

linguagem industrial, apropriar-se de formas comerciais estava fora de cogitação: o cineasta autoral deveria se esforçar em pesquisar uma estética nova, que rompesse com as tradições cinematográficas reconhecidas pelo espectador como de entretenimento, pois apenas esse choque no olhar, a ausência de identificação com uma experiência formal já vivenciada, permitiria o desenvolvimento de um processo apropriado de reflexão política e cultural. Seria, portanto, uma militância a partir do estranhamento220.

À busca por uma nova linguagem, o Cinema Novo sugeria a possibilidade de o autor redefinir as representações da cultura brasileira a partir de seus trabalhos. De acordo com Glauber Rocha, em seu livro, até o início da década de 1960, com exceção de alguns cineastas como Humberto Mauro e Nelson Pereira dos Santos, nosso cinema desprezara a originalidade e a diversidade da cultura popular. Nos estúdios da Vera Cruz, por exemplo, praticara-se uma dramaturgia convencional, na tradição do cinema clássico, cuja característica perniciosa foi produzir uma série de filmes a representar exoticamente o nacional, com certo “olhar estrangeiro” seduzido pelo extravagante de nossas tradições. Tratava-se de uma contemplação folclórica e reducionista.

Com essa abordagem, um filme como O cangaceiro (1953), marco desse cinema não apenas pela excelente repercussão internacional, mas pela direção amadurecida de

que sim; a quem nos disser que não devia ser assim, responderemos igualmente que sim”. ESTEVAM, Carlos. op. cit. p. 76.

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Possivelmente se referindo à postura dos cepecistas, Glauber escreveu: “O desenvolvimento industrial do cinema brasileiro, atrasado de meio século, contará com uma estagnação cultural de trinta anos. Os equívocos incorporados à indústria, agenciados pelos intelectuais despidos de um conceito moderno de cinema, acrescem mais um dedo às garras do monstro. O intelectual equivocado imprime um falso selo artístico no cinema comercial e o impõe como verdade aceita sem discussão, antes com louvação, pela crítica que justifica o cinema comercial e dá ao público um falso conceito de cultura [negrito nosso]”. ROCHA, Glauber. op. cit., p. 38.

Lima Barreto, poderia ser lido como a mistificação do universo do sertão nordestino: a partir de uma dramaturgia a misturar elementos do gênero cinematográfico de faroeste com toques de exotismo tropical, um enredo teria sido escrito como peça de folclore, com um nacionalismo de fundo romântico, telúrico, no qual a figura do cangaceiro se fundia com a aridez do solo tornando-se símbolo da identidade brasileira. Havia um falseamento da realidade em uma cinematografia escapista e simplificadora de nossa cultura popular. Para Glauber, o movimento cinemanovista deveria renegar longas- metragens como Caiçara (1951) ou O cangaceiro, que

divulgam idéias nacionalistas com soluções evasivas, impõem um espírito de produção, envolvem as massas com estes temas, dominam as elites indecisas, prendem inocentes úteis e são facilmente utilizados pelas forças reacionárias que encontram, neste tipo de nacionalismo pseudo-revolucionário uma boa válvula de escape221.

Essa dura crítica promovida contra as idealizações nos filmes brasileiros se estendeu, por parte do Cinema Novo, ao modo como Carlos Estevam enxergava a cultura popular, sugerindo ao artista apropriar-se dela com o intuito principal de transformá-la em instrumento de militância. No Anteprojeto do manifesto do CPC, e mesmo na prática do CPC, havia uma desconsideração em relação às manifestações originais do povo, analisadas apenas como um passatempo lúdico, e o papel do artista seria utilizá-las, combinando-as com conteúdos políticos, como forma de conscientizar ideologicamente as massas. Esse projeto, de reelaboração da cultura popular, também era visto pelos cinemanovistas como simplificador de nossa realidade, pois ocultava nossas contradições e diversidades para criar um artifício de engajamento222. Glauber Rocha considerava o Cinema Novo como uma expressão artística a questionar essas posturas reducionistas de nosso universo cultural: os filmes brasileiros, que deveriam se aventurar nas pesquisas formais, também deveriam retratar o povo em sua

complexidade, sem traços coloniais ou propostas como as cepecistas.

Esse conflito entre a concepção de engajamento cinematográfico para Carlos Estevam e para Glauber Rocha ganhou repercussão entre os militantes de esquerda quando, nas páginas do jornal O metropolitano, nos meses de setembro e outubro de

221

ROCHA, Glauber. op. cit.

222

Para uma análise mais apurada dessa questão, consultar BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita. Cinema: repercussões em caixa de eco ideológica. São Paulo: Brasiliense, 1983, capítulo três.

1962, os dois se enfrentaram na defesa de posturas divergentes223. Glauber Rocha, quando publicou Cinema Novo, fase morta (e crítica), no dia 26 de setembro, escreveu um texto com a intenção de reavaliar o projeto cinemanovista. O artista, após elogiar aqueles que considerava os responsáveis por iniciar um processo de renovação em nossa cinematografia, caso de Roberto Pires, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Cacá Diegues e Marcos Farias, identificara um problema a ser resolvido: em dois anos e meio de existência do Cinema Novo, muitos cineastas que nada tinham a ver com a essência do movimento foram nele incluídos, uma confusão provocada pela empolgação inicial em torno dos filmes brasileiros lançados entre 1960 e 1962. Tratava-se, portanto, de “separar o joio do trigo, separar o autor do artesão, separar o autor diletante do autor empenhado, separar o autor comercial do autor que se opõe a servir às maquinarias industriais dos teóricos que já levaram duas vezes este cinema à falência”224.

Havia, por parte de Glauber, um desejo de purificar o Cinema Novo a partir de algumas características caras à sua geração e que seriam, em 1963, compiladas e mais bem desenvolvidas em seu livro Revisão crítica do cinema brasileiro: a essência de um filme, como manifestação artística, não era se transformar em peça de entretenimento, mas provocar o debate, instigar os cineastas na busca de novas soluções estéticas em um projeto de conscientização política do espectador. A partir do cinema autoral, era a possibilidade de realizar um filme com liberdade e identidade criativa, sem as amarras impostas pela indústria, propondo uma experiência de inovação formal e de reflexão dialética sobre a sociedade brasileira.

Nesse sentido, Glauber recuperou boa parte dos filmes considerados de Cinema Novo para, em seu artigo, reposicioná-los em dois grupos. No primeiro, o do “cinema de espetáculo (...) que adjetiva a tradição do populismo brasileiro, exaltando o

romântico e as constantes de uma desastrosa mitologia popular”225, ou seja, daqueles que estavam inseridos em uma chave industrial e foram erroneamente confundidos com o espírito cinemanovista, ele inseriu Roberto Farias (Assalto ao trem pagador) e Anselmo Duarte (O pagador de promessas), dois dos cineastas que obtiveram destaque em 1962 pelas boas bilheterias de seus filmes e, no caso do segundo, pela premiação

223

Esses textos em torno da briga Carlos Estevam e Glauber Rocha, publicados em O metropolitano, foram analisados por Jean-Claude Bernardet em Cinema: repercussões em caixa de eco ideológica. Ao resgatá-los, sei que é inevitável reproduzir partes do estudo feito por esse pesquisador, mas tentarei contribuir com algumas reflexões novas.

224

ROCHA, Glauber. “Cinema novo: fase morta (e crítica)”. O metropolitano, 26 set. 1962. Para uma análise apurada desse artigo, BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita. op. cit., p. 151 - 154.

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internacional no Festival de Cannes. Glauber os considerava descompromissados com o verdadeiro cinema e os acusava de contribuir para o processo de alienação política. Por esses motivos, por realizarem longas-metragens comerciais, não poderiam pertencer ao Cinema Novo. Estavam expulsos de um movimento formado por Ruy Guerra, Miguel Torres, Alex Viany, Paulo César Saraceni, Nelson Pereira dos Santos e os diretores de

Cinco vezes favela, artistas conseqüentes, críticos do colonialismo e efetivamente

preocupados com o processo de transformação social226, que “enfrentam a violenta pobreza de nossa cultura de elite, mergulhando no complexo e na contradição de toda a cultura popular, situando-se como artistas responsáveis e entendendo o cinema como o próprio substantivo desta cultura”227.

O pesquisador Jean-Claude Bernardet, no livro Cinema: repercussões em caixa

de eco ideológica, ao avaliar essa separação feita por Glauber Rocha, percebeu como a

questão da cultura popular era central em suas preocupações:

temos, portanto, de um lado a tradição populista que se apóia nas constantes de uma “desastrosa” mitologia popular, e de outro o cinema que, assumindo a complexidade da “contradição” da cultura popular, é entendido como o “próprio substantivo” dessa cultura. De um lado o cinema “comercial”, em que o popular é exotismo e folclore, do outro o cinema “empenhado”, que comunica e “processa” a transformação da sociedade (...) O Cinema Novo, que é o “próprio substantivo” da cultura popular, é novo como “expressão substantiva” da cultura popular. O outro cinema, que meramente “adjetiva” a tradição popular, só expressa da cultura popular a superfície, porque não se propõe a analisá-la em profundidade228.

Após concretizar uma separação no cinema brasileiro, reavaliar a primeira fase do Cinema Novo – agora morta, como indicado no título de seu artigo –, Glauber projetou 1963 como um ano decisivo. Dado que o movimento começara a adquirir identidade própria e quando já não era mais necessário resistir às chanchadas, avaliadas como gênero em processo de decadência, um novo período tinha início: “o cinema experimental dos autores de agora enfrentará, para esmagar, o cinema de efeito fácil, a expressão contemplativa da miséria nacional transformada em fonte de renda pelos produtores a serviço de uma ideologia de entorpecimento”229. Os cinemanovistas, após a

226

No artigo, Glauber escreveu sobre os filmes excluídos do Cinema Novo: “Assalto ao trem pagador foi o sucesso do artesanato comercial que fez as pazes definitivas com o público; O pagador de promessas, na base do equívoco, serviu para arrebentar de vez o estado colonial que o mesmo Paulo Emílio Salles Gomes tinha denunciado”.

227

ROCHA, Glauber. op. cit.

228

BERNARDET, Jean-Claude; GALVÃO, Maria Rita. op. cit, p. 153 - 154.

229

vitória contra as comédias carnavalescas e a melhor definição de um programa estético e político, o que Glauber procurou fazer neste artigo, estavam prontos para lutar contra inimigos mais poderosos: o cinema de caráter industrial, o cinema de simplificação e mistificação da cultura popular brasileira.

Uma semana após a publicação do artigo Cinema Novo, fase morta (e crítica), no dia três de outubro de 1962, dois outros textos, um de adesão e outro de

questionamento à postura de Glauber, foram escritos para O metropolitano. O primeiro,

Cultura popular e cinema novo, redigido pelo cineasta Cacá Diegues, além de uma

demonstração de apoio à iniciativa de Glauber em distanciar os cinemanovistas das idealizações culturais promovidas pelos filmes de caráter comercial, como era o caso de

O pagador de promessas, foi também uma tentativa de contribuir para uma definição

mais apurada ainda da identidade desse movimento cinematográfico.

Diegues, que possuía uma relação estreita com grupos de engajamento político – fora presidente do Centro Acadêmico de direito da PUC, era integrante da Juventude