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Desenvolvimento do neopentecostalismo no Brasil

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3 O CAMPO RELIGIOSO NEOPENTECOSTAL

3.1 Breve histórico do neopentecostalismo

3.1.1 Desenvolvimento do neopentecostalismo no Brasil

Um dos pesquisadores proeminentes sobre a ação pentecostal no Brasil é Mariano (2014). Ele divide o que chama de ondas do pentecostalismo com base na ideologia e periodização histórica de cada uma. Embora alguns autores tendam a fazer apenas duas divisões – a onda clássica e a deuteropentecostal – e as mantenham juntas, existe a necessidade, segundo ele, de uma separação devido a diferenças em relação ao modo de evangelização, bem como à distância temporal. Dessa forma, inclui-se nessa análise, também, a terceira onda, o neopentecostalismo. Conforme o autor, o pentecostalismo clássico foi introduzido no Brasil em 1910 e no início do século XX, por missionários americanos, com a fundação da Congregação

Cristã no Brasil, em São Paulo, seguida da Assembleia de Deus, em 1911, em Belém, no Pará. Ambas as igrejas atraiam as camadas populares, pobres e de baixa escolaridade, rejeitadas por protestantes históricos e perseguidas por católicos. Tinham por características o anticatolicismo, o dom das línguas, a crença no paraíso divino dado pela salvação em Cristo e o total ascetismo mundano. Essa onda implantada por missionários estrangeiros reinou absoluta até 1950.

A segunda onda, o deuteropentecostalismo, teve início em 1950, em São Paulo, com o trabalho dos americanos Harold Williams e Raymond Boatright, vinculados à International Church of The Foursquare Gospel, na Cruzada Nacional de Evangelização, um braço da Igreja do Evangelho Quadrangular. O movimento era inovador na massificação do trabalho evangelístico, com mensagens de cura divina e difusão do discurso via rádio, uso considerado mundano pela primeira onda. A segunda onda foi responsável pela primeira fragmentação denominacional, por seu discurso sedutor e por inovações em seus métodos, o que atraiu fiéis e pastores de outras denominações. Com a Cruzada da Cura Divina, surgiram as igrejas Brasil Para Cristo (São Paulo, 1950), Deus é Amor (São Paulo, 1962), Casa da Bênção (Belo Horizonte, 1964) entre outras.

A terceira onda, ainda segundo Mariano, o neopentecostalismo, iniciou-se nos anos 1970 e cresceu nas décadas de 1980 e 1990. A Igreja Nova Vida, fundada em 1960 por um missionário canadense, deu origem aos líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (fundada no Rio de Janeiro, em 1977), à Igreja Internacional da Graça de Deus (Rio de Janeiro, 1980) e à Igreja Cristo Vive (Rio de Janeiro, 1986). Além delas, surgiram também a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976), a Comunidade da Graça (São Paulo, 1979), a Renascer em Cristo (São Paulo, 1986) e a Igreja Nacional do Senhor Jesus (São Paulo, 1994). Todas compõem, atualmente, o grupo das principais denominações neopentecostais.

As duas primeiras ondas, o pentecostalismo clássico e o deuteropentecostalismo, por vezes, são reunidas em um só movimento. Segundo Mariano (2014), a principal diferença entre elas consiste em como o Espírito Santo atua. Para o pentecostalismo clássico, ele é responsável pelo dom das línguas, e para os neopentecostais, pela cura. Separadas por quatro décadas, são próximas em teologia e distintas no trabalho evangelístico: as clássicas, a princípio alheias a meios de comunicação mundanos – rádios –, utilizavam folhetos para comunicar suas ideias e realizavam a evangelização itinerante; já as neopentecostais voltavam seus

esforços para a massificação da evangelização e, assim, adentraram as redes de rádio.

A terceira onda, o neopentecostalismo, distancia-se das outras duas por travar uma constante luta contra o mal. Esta batalha é cotidianamente voltada contra o diabo e seus demônios e ela prega que tudo o que ocorre de ruim é produto de uma intervenção maligna, por isso, o combate não termina. Outra característica reside na ênfase da prosperidade ainda no mundo terreno.

Além dessas duas particularidades, Mariano (2014) ainda enfatiza como características da última onda a liberalização de estereótipos de santidade e a organização de modo empresarial. A exemplo, citamos a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que age de modo franqueado e possui uma direção centralizada e um discurso unificado em todas as igrejas. O autor ressalta que nem todas as igrejas que surgem pós-década de 1970 podem ser consideradas neopentecostais, mas somente aquelas que apresentam os traços já destacados (MARIANO, 2014).

A mundialização, igualmente, é um fenômeno intrínseco às igrejas neopentecostais. Estamos diante de um sistema que incessantemente redesenha as sociedades. Conforme Souza (2006), a religião é, antes de tudo, uma construção sociocultural, de forma que ao discutir religião, necessariamente adentraremos os terrenos das transformações sociais, das relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia, contemplando um complexo sistema de trocas simbólicas, de jogos de interesse, regulada, também, por uma dinâmica de oferta e procura. No caso do neopentecostalismo, não seria diferente.

Mariano (1999, p. 8) aponta que os neopentecostais brasileiros realizaram profundas adequações sociais, “abandonando vários traços sectários, hábitos ascéticos e o velho estereótipo pelo qual os devotos pentecostais eram reconhecidos e implacavelmente estigmatizados”. Na verdade, as igrejas neopentecostais, além de abolir diversas marcas tradicionais, propuseram novos ritos, crenças e práticas, “relaxaram costumes e comportamentos e estabeleceram inusitadas formas de se relacionar com a sociedade” (MARIANO, 1999, p. 8). A principal mudança foi o fato de passarem a priorizar a vida aqui e agora, diferentemente das denominações mais antigas, que tinham como fim a salvação das almas.

Mariano (1999, p. 9) comenta que a expansão do pentecostalismo constitui um fenômeno de amplitude mundial. “Trata-se de um autêntico processo de

globalização ou transnacionalização em forma de protestantismo popular”. Em sua opinião, para os neopentecostais, estes são os meios que permitem aquele que se converte seja bem sucedido na vida, no âmbito espiritual e material financeiro (MARIANO, 1999).

Outra característica marcante do neopentecostalismo é a baixa renda econômica da maior parte de seus membros. O crescimento pentecostal ocorre de forma desigual entre as diferentes classes sociais, mas concentra-se nos estratos desprovidos da população (MARIANO, 1999, p. 12). Com o propósito de superar precárias condições da existência, organizar a vida, encontrar sentido, alento e esperança diante da situação tão desesperadora da privação material, os estratos pobres, sofridos e menos escolarizados da população, isto é, os marginalizados – distantes do catolicismo oficial, alheios a sindicatos, desconfiados de partidos e abandonados à própria sorte pelo poder público –, têm optado voluntária e preferencialmente pelas igrejas pentecostais e neopentecostais.

Fernandes (1994) afirma que quanto mais pobres são os membros de uma igreja, maior ímpeto organizativo ela possui. Mas foi justamente pela pobreza e pela baixa escolaridade que os neopentecostais foram discriminados pelos protestantes históricos e perseguidos pelos católicos. Atualmente, esse perfil mudou, e mesmo que as igrejas da terceira onda continuem recebendo em maior número as camadas pobres, já possuem membros de classe média e alta.

Enfim, o pentecostalismo “nunca foi homogêneo” (MARIANO, 1999, p. 23), desde o início houve inúmeras diferenças entre as denominações e até dentro delas mesmas. Para Mariano (1999, p. 110), é assim que o pentecostalismo se instala, fazendo uso de mitos, crenças e rituais notavelmente mágicos: “Pastores e fiéis enxergam a ação divina e demoníaca nos acontecimentos insignificantes do cotidiano”, porque, para eles, nada é por acaso, tudo encontra resposta nos desígnios de Deus.

A outra hipótese para a intensidade da conversão neopentecostal refere-se à tese dos “males da modernização”. Com disseminação dos meios de comunicação de massa, as devastações do desenvolvimento, do comércio e do consumismo e, de modo geral, a confusão moral da vida contemporânea, as pessoas passaram a buscar ideias e valores familiares profundamente enraizados no tradicionalismo. Para não serem contaminados e corrompidos pelos produtos, paixões e interesses próprios ao mundano, os líderes pentecostais procuram, desde a conversão, imprimir à conduta

dos fiéis normas e tabus comportamentais, valores morais, usos e costumes de santificação (MARIANO, 1999, p. 190).

A tendência, segundo defende Mariano (1999), é de que as igrejas pentecostais clássicas percam seu caráter sectário e conservador para que, mediante a flexibilidade dos costumes, consigam continuar sendo alvos de adesão e conversão de fiéis. Porém, como essas mudanças ainda desenvolvem-se de maneira relativamente lenta quando se trata dos neopentecostais, os membros antigos insistem em educar as crianças e os jovens à “moda antiga”.

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