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3 SUPERENDIVIDAMENTO: ORIGEM E EXPANSÃO

3.1 DESENVOLVIMENTO E CONSUMO EXAGERADO: UMA CONEXÃO

PERVERSA

O ato de consumir, no que se refere à atividade de fruir de algo material (bem) ou imaterial (serviço), com total ou parcial destruição, é uma das necessidades humanas básicas e, a um só tempo, pressuposto e resultado permanentes da continuidade da espécie. No dizer de Zygmunt Bauman (2008, p. 37) trata-se de “uma condição e um aspecto irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos vivos”. Há, por outro lado, o consumo institucionalizado, aquele que se refere à fase final do processo de produção, precedido por etapas de fabricação e comercialização. Estas duas modalidades de consumo são sintetizadas por Cristina Petersen Cypriano (2008, p. 10): “consumo se divide entre uma atividade de suprimento e outra de dispêndio, numa referência tanto àquilo que nutre e alimenta quanto àquilo que exaure e destrói”.

Sob uma perspectiva econômica e conforme o paradigma liberal, o consumo institucionalizado é um dos fatores determinantes para o desenvolvimento humano. Suas origens sociológicas emergem da antiguidade, tendo surgido contemporaneamente ao processo civilizatório, dele sendo parte integrante.

Com efeito, os padrões da vida civilizada, baseados na produção de excedentes e estocagem, foram moldados ainda nos primórdios da humanidade, na chamada Revolução Neolítica (BAUMAN, 2008), quando as pessoas substituíram o modo de vida nômade, rústico e precário das primeiras civilizações - cujas necessidades de consumo eram supridas pela coleta - por um estilo que promovia atividades direta ou indiretamente relacionadas à produção e ao consumo.

Evoluindo gradativamente, esse modelo estabelecido trouxe, em dado momento da história recente, outra drástica alteração às relações de mercado, fazendo surgir a chamada sociedade de consumo, composição mercantilista caracterizada pela existência de relações de compra e venda massificadas onde a oferta excede a procura. No dizer de Grant Mccracken (2003, p. 25), “o aparecimento da “revolução do consumo” rivaliza apenas com a revolução neolítica no que toca à profundidade com que ambas mudaram a sociedade”.

É fato que a produção e o consumo vêm, indistintamente, se revelando o motor propulsor das riquezas das nações, não importando que sistema econômico esteja sob análise, interferindo na classificação do nível de evolução de um país e no conceito político de desenvolvimento, determinante das políticas públicas implantadas nas nações.

Com efeito, a análise do que se entende por desenvolvimento se torna essencial para a compreensão da expansão do consumo. Ao longo de Século XX, com ênfase no pós-Segunda Grande Guerra, teorias clássicas e neoclássicas desenvolvimentistas, amplamente difundidas nas economias de mercado norte americana e europeias, debateram-se com teorias modernas, de inspiração keynesiana, num esforço para delimitar o conceito de desenvolvimento.

Conforme as primeiras, a ideia desse termo está restrita a elementos meramente monetários, representados pelo cálculo do poderio econômico de um determinado lugar, em determinada época. Esse cálculo se traduz na soma dos valores do chamado Produto Interno Bruto – PIB que, em sua fórmula, considera elementos da produção interna de bens e serviços relativos a grupos específicos da atividade econômica, conforme explicitado por F. B. Meneguin e F. S. Vera (2012, p. 85).

O Produto Interno Bruto (PIB) é o principal indicador da riqueza de um país, representando a soma dos bens e serviços produzidos por uma nação.

Essa medida leva em conta três grupos principais de atividades: Indústria, que engloba Extrativismo Mineral, Transformação, Serviços Industriais de Utilidade Pública e Construção Civil; Serviços, que incluem Comércio, Transporte, Comunicação, Serviços da Administração Pública e outros serviços.

A importância do PIB consiste no fato de que existem padrões internacionais sobre a forma pela qual ele deve ser computado, permitindo comparações entre os países.

Observe-se que essa modalidade de aferição surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial em razão do interesse premente das nações em medir e comparar suas riquezas. Embora eficaz para calcular a abundância de dinheiro e propriedades de um país, é inviável para avaliar a qualidade de vida de um povo, conforme pondera seu idealizador Simon Kuznets, em prelação no Congresso dos Estados Unidos em 1932, “o bem-estar de um país dificilmente pode ser inferido de uma medição da renda nacional”, segundo informa Hazel Henderson (2007).

As teorias modernas, cientes da precariedade na conceituação de desenvolvimento do modelo liberal, defendem a ampliação de sua abrangência para incluir fatores sociais, levando em conta as três dimensões básicas da evolução humana: renda, educação e saúde. Assim, em termos ampliados, desenvolvido é o país que apresenta um valor razoável referente ao PIB, que garanta uma boa qualidade de vida para seu povo, traduzida numa vida longa e confortável, no acesso ao conhecimento e num bom padrão de bem estar mental, físico e

psicológico. Para tal aferição o PIB é inservível como indicativo, considerado isoladamente, e deve ser substituído por outro índice mais abrangente e igualmente comparável entre países.

Com este objetivo em mente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), criou em 1990, a partir do trabalho realizado por Mahbub ul Haq e Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH que, por incluir medidas reveladoras da qualidade de vida do povo, logo foi amplamente assimilado pelas atuais correntes desenvolvimentistas, como se constata do dizer de F. B. Meneguin e F. S. Vera (2012, p. 88),

Apesar de sua importância como medida da atividade econômica, há que se enfatizar que o PIB não pode ser tomado como forma de se aferir bem-estar.

Dessa maneira, estudiosos do mundo todo vêm discutindo intensamente a substituição do PIB por um novo indicador que contemple o desenvolvimento sustentável e, a par das variáveis econômicas, incorpore também as sociais e as ambientais.

O que mais se aproxima disso em escala global é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de índice que serve para comparação entre os países, com o objetivo de medir o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população.

Pondere-se que os idealizadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igualmente não o consideram definitivo para medir todos os elementos componentes do pleno desenvolvimento de um país, mas apenas útil sobretudo a promover a discussão sobre o assunto, conforme informativo do PNUD (2013).

Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver". Democracia, participação, equidade, sustentabilidade são outros dos muitos aspectos do desenvolvimento humano que não são contemplados no IDH. O IDH tem o grande mérito de sintetizar a compreensão do tema e ampliar e fomentar o debate.

Insuficiente para medir completamente o desenvolvimento de uma nação, considerando sobretudo a dignidade da vida humana, o IDH é, entretanto, eficaz em promover o exame do tema e, por isso, foi legitimado internacionalmente no lançamento do Relatório Anual do PNUD – em 1990, sendo este o primeiro documento oficial a mencioná-lo. Sua consagração veio na Conferência das Nações Unidas, conhecida como Rio’92, quando restou definitivamente associado ao desenvolvimento sustentável. Atualmente possui indicadores complementares, como o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade (IDHAD), o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM).

Embora ganhem força, as teorias modernas ainda não prevalecem. Atualmente o PIB permanece como principal fator a ser observado na classificação de desenvolvimento dos países, imbuído de significativo prestígio. Apesar de compartir influência com o IDH, ele é o ínice mais utilizado na macroeconomia para medir a atividade econômica de uma nação. Sua fórmula simples é rapidamente absorvida pelos Governos em geral e determinante das políticas internas, tornando-se uma tarefa prevalente prosperar seus resultados. Neste propósito, o sistema econômico que o utiliza exige do mercado produção e consumo progressivos, ignorando os limites da razoabilidade para a geração de lucro diante da escassez de matéria prima.

Esse paradigma, de onde se extrai a definição política prevalente para o termo desenvolvimento, cria distorções tanto no âmbito externo, nas relações entre nações (por exemplo, promovendo exploração de riquezas naturais dos países centrais face aos periféricos); como internamente, desequilibrando forças entre as instituições (nas relações do mercado de crédito, por exemplo, entre consumidores e fornecedores).

Efetivamente, quando os resultados da produção passam a ser os mais representativos do grau de desenvolvimento de uma nação, cujos elevados índices de crescimento econômico geram prestígio no cenário internacional, produzir passa a ser a principal meta em detrimento das necessidades socioambientais do povo. Neste diapasão, produção prodigiosa requer demanda equivalente, sob pena de recessão. A consequência natural desse enredo é o consumo exagerado.

Destarte, esse procedimento é observado na maioria as nações ocidentais, gerando um ritmo eufórico de compra e venda que traz consigo problemas manifestos no âmbito social com nefastas consequências, como a impossibilidade de adimplir dívidas e o consequente superendividamento. Por outro lado, nota-se que em razão do perene desequilíbrio existente entre a quantidade de recursos utilizáveis na produção de bens/serviços e a profusão das necessidades humanas para deles fruir, conceitos como meio ambiente, cidadania e sustentabilidade tornam-se incompatíveis e, obviamente, desprezados pelas políticas públicas. Com efeito, eis que se pode afirmar que a conexão existente entre consumo exagerado e desenvolvimento é fruto de um conceito perverso e ultrapassado deste termo, traduzindo-o como elemento justificante do consumismo e do superendividamento, devendo ser superado.