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3 DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

3.5 DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO

A experiência histórica dos países colonizados e subdesenvolvidos dos séculos XX e XXI foi muito diferente dos países ricos e desenvolvidos. Parte significativa dos estudos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento não tinham em conta as relações econômicas e de outros tipos entre as metrópoles e suas colônias econômicas no decorrer da história da expansão e do desenvolvimento mundial do sistema mercantilista e capitalista.

Habitualmente se afirma que o desenvolvimento econômico se produz em uma sucessão de estágios capitalistas e que os países subdesenvolvidos de hoje estão ainda em um estágio, que às vezes se descreve como estágio original da história, pelo qual os países atualmente desenvolvidos passaram há muito tempo. Porém, basta um moderado conhecimento da história para ver que o subdesenvolvimento não é original nem tradicional e que nem o passado nem o presente dos países subdesenvolvidos se parece em qualquer aspecto relevante com o passado dos países hoje desenvolvidos. Estes nunca estiveram subdesenvolvidos, ainda que possam ter sido não- desenvolvidos. Geralmente, se pensa também que o subdesenvolvimento atual de um país pode ser entendido como produto ou reflexo exclusivamente de suas próprias características ou estruturas econômicas, sociais e culturais. No entanto, a investigação histórica demonstra que o subdesenvolvimento contemporâneo é em grande medida o produto histórico de relações econômicas e de outros tipos, passadas e atuais, que o país satélite subdesenvolvido manteve e mantém com os países metropolitanos hoje desenvolvidos. (FRANK, 1966, p. 1)

A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) era uma das cinco comissões econômicas da Organização das Nações Unidas, criada em 1948, com o objetivo de coordenar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos e, posteriormente, do Caribe. Dois dos principais autores foram o economista argentino Raúl Prebisch, que lançou em 1949, o estudo intitulado “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”, e o brasileiro Celso Furtado.

A estrutura social predominante na América Latina opõe um sério obstáculo ao progresso técnico e, por conseguinte, ao desenvolvimento econômico e social. São três as manifestações deste fator: a) Uma tal estrutura entorpece consideravelmente a mobilidade social, isto é, a origem e o crescimento dos elementos dinâmicos da sociedade, dos homens com iniciativa e energia, capazes de assumir riscos e responsabilidades, tanto na técnica e na economia quanto nos outros aspectos da vida coletiva; b) A estrutura social se caracteriza em grande parte pelo privilégio na distribuição da riqueza e, assim, da renda; o privilégio debilita ou elimina o incentivo à atividade econômica, em detrimento do emprego eficaz dos homens, das terras e das máquinas; c) Esse privilégio distributivo não se traduz em forte ritmo de acumulação de capital, a não ser em formas exageradas do consumo nas camadas superiores da sociedade em contraste com a precária existência das massas populares. (PREBISCH, 1963, p. 12).

As teorias sobre o desenvolvimento econômico, segundo Celso Furtado, são “esquemas explicativos dos processos sociais em que a assimilação de novas técnicas e o consequente aumento de produtividade conduz à melhoria do bem estar de uma população com crescente homogeneização social” (FURTADO, 1992, p. 39). Para Furtado (2000), o desenvolvimento possui pelo menos três dimensões: a do incremento da eficácia do sistema social de produção, a da satisfação de necessidades elementares da população e a da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos. O subdesenvolvimento seria um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, essencialmente, atravessado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento, sendo que o subdesenvolvimento não é uma fase inevitável do processo de formação das economias capitalistas, constituindo, antes, na realidade, uma “deformação”. Além disso, o subdesenvolvimento é o resultado de uma conexão, surgida em certas condições históricas, entre um processo interno concentrador e um processo externo de dependência, onde se instalaria uma parte dos sistemas industriais dos países do centro da economia mundial, detentores de um alto grau de acumulação de capital.

A controvérsia brasileira é a disputa do projeto de uma nação soberana e independente com a perpetuação do modelo colonial brasileiro, desde a chegada dos portugueses, ao domínio inglês do século XIX e meados do século XX, à submissão ao imperialismo estadunidense nos séculos XX e XXI, com pontuais interrupções, letrada na “Canção do Subdesenvolvido” de Carlos Lyra e Chico de Assis:

Canção do Subdesenvolvido

O Brasil é uma terra de amores Alcatifada de flores

Onde a brisa fala amores Em lindas tardes de abril Correi pras bandas do sul Debaixo de um céu de anil Encontrareis um gigante deitado Santa Cruz...hoje o Brasil Mas um dia o gigante despertou Deixou de ser gigante adormecido E dele um anão se levantou Era um país subdesenvolvido

Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão) E passado o período colonial

O país passou a ser um bom quintal E depois de dar as contas a Portugal

Instaurou-se o latifúndio nacional, ai!(refrão) Então o bravo povo brasileiro

Em perigos e guerras esforçado Mas que prometia a força humana Plantou couve, colheu banana... Bravo esforço do povo brasileiro

Mas não vi o capital lá do estrangeiro (refrão) As nações do mundo para cá mandaram Os seus capitais tão "desinteressados" As nações, coitadas, queriam ajudar E aquela "Ilha Velha" não roubou ninguém País de pouca terra, só nos fez um bem Um "big" bem, un "big" bem, bom, bem, bom Nos deu luz, ah! Tirou ouro, oh!

Nos deu trem, ahhh! Mas levou o nosso tesouro(refrão) Mas data houve que se acabaram

Os tempos duros e sofridos

Pois um dia aqui chegaram os capitais dos... Países amigos

País amigo desenvolvido País amigo, país amigo. Amigo do subdesenvolvido País amigo, país amigo E nossos amigos americanos Com muita fé, com muita fé Nos deram dinheiro e nós plantamos Só café!

É uma terra em que plantando tudo dá Pode-se plantar tudo que quiser

Mas eles resolveram que nós iríamos plantar SÓ CAFÉ! SÓ CAFÉ!

Bento que bento é o frade - frade! Na boca do forno - forno! Tirai um bolo - bolo!

Fareis tudo que seu mestre mandar? Faremos todos, faremos todos... Começaram a nos vender e nos comprar Comprar borracha - vender pneu Comprar madeira - vender navio Pra nossa vela - vender pavio Só mandaram o que sobrou de lá Matéria plástica,

Que entusiástica Que coisa elástica, Que coisa drástica

Rock-balada, filme de mocinho Ar refrigerado e chiclet de bola E coca-cola...! (refrão)

O povo brasileiro tem personalidade Não se impressiona com facilidade Embora pense como americano Embora dance como americano Embora cante como americano Lá, lá, la, la, la, la

Êh, roçado bão

O meior do meu sertão, thu, thu, thu Comeram o boi...

O povo brasileiro embora pense, dance e cante como americano Não come como americano Não bebe como americano Vive menos, sofre mais Isso é muito importante Muito mais do que importante Pois difere os brasileiros dos demais Personalidade, personalidade Personalidade sem igual

Porém... subdesenvolvida, subdesenvolvida E essa é que é a vida nacional!

O caso brasileiro é bastante ilustrativo dessa contradição desenvolvimento x subdesenvolvimento, herdada do sistema colonial em que metrópoles regozijaram-se com as riquezas nacionais e o trabalho secular de gerações de indígenas, negros, imigrantes e mestiços. Com a Revolução de 1930, desencadearam-se novas perspectivas, de intenso desenvolvimento econômico baseado na industrialização e na distribuição de renda com direitos sociais, numa união do Estado, capital nacional e dos trabalhadores.

Tais perspectivas ainda são, contudo, no fundamental, obstadas pelos remanescentes do velho sistema. Encontram-se aí as raízes das dificuldades e perturbações econômicas que atingem tão profundamente, na atualidade (1970), a vida do país e de seu povo. (PRADO JR, 2008, p. 341)

Como já demonstrara Celso Furtado, a questão ideológica é fundamental para a compreensão da problemática desenvolvimentista e a superação do subdesenvolvimento. A sociedade brasileira caracteriza-se por uma crônica vulnerabilidade externa com facetas econômica, política, tecnológica, militar e ideológica. A mais importante, pois influencia todas as políticas do Estado e da sociedade brasileira e agrava as outras facetas da vulnerabilidade externa, é a de natureza ideológica. (Guimarães, 2005)