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DESENVOLVIMENTO DE FERRAMENTAS COMPUTACIONAIS PARA AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO AUDITIVA DE SONS DE FALA

Luisa Barzaghi Mário Madureira Fontes Lilian Cristina Kuhn Pereira

Resumo

O uso de instrumentos que subsidie a prática de avaliações sistemáticas e ações terapêuticas para delimitar como as pessoas com deficiência auditiva percebem e produzem sons da fala é imprescindível na clínica fonoaudiológica. Neste sentido, esta pesquisa objetivou contribuir para a construção de um game para a avaliação da percepção de fala por esses sujeitos, considerando os sons do Português Brasileiro (PB). Para tanto, utilizou-se o programa de avaliação da percepção de plosivas proposto por Barzaghi e Madureira (2005), que sofreu reestruturação, tornando-o uma interface intuitiva e flexível, que proporcionará uma melhor experiência para o usuário e mais dados clínicos ao profissional.

Introdução

A deficiência auditiva é uma patologia que causa grande impacto no desenvolvimento da criança. Nesta, comumente são vistas alterações na linguagem oral e escrita, decorrentes da alteração na percepção do sinal acústico de fala. Entretanto, há variações nas alterações de percepção e produção de fala entre os sujeitos com deficiência de audição e estas não estão relacionadas apenas ao grau e/ou ao tipo de perda auditiva, mas também ao tipo de amplificação utilizada, tempo de diagnóstico e terapia fonoaudiológica e às experiências linguísticas às quais a criança foi exposta. Portanto, para determinar a extensão em que é afetada a percepção dos sons da fala são necessários testes e procedimentos que avaliem tal aspecto de forma específica (MENDES; BARZAGHI, 2015). Nesse sentido, a pesquisa em Fonética Acústica pode contribuir para o processo terapêutico fonoaudiológico de crianças com deficiência de audição, principalmente considerando o acesso às pistas acústicas dos sons de fala e o desenvolvimento da linguagem oral. A tarefa do ouvinte é extrair do complexo sinal de fala o significado. Para tanto, é necessária a associação desse sinal às funções de ordem linguísticas e culturais. O sinal acústico é que faz a intermediação entre a produção e percepção de fala. A percepção de fala exerce papel fundamental sobre a produção, e esta relação, embora ainda não totalmente conhecida, fica muito evidente nos casos de deficiências de audição que ocorrem antes ou durante a primeira infância, ou seja, antes da aquisição da linguagem.

De acordo com Boothroyd (1986), a deficiência de audição afeta a percepção de fala e esta, em geral, diminui com o aumento do grau de perda auditiva: os padrões suprassegmentais são os mais preservados e o ponto de articulação das consoantes é o menos acessível. É importante lembrar que o grau de perda isoladamente não representa a variabilidade encontrada entre os sujeitos quanto às habilidades de discriminar e identificar sons de fala. Além das diferenças decorrentes da lesão no sistema auditivo, outros fatores são determinantes na percepção auditiva: idade do aparecimento da perda auditiva, participação da família no processo terapêutico, tipo de amplificação, entre outros. É fundamental que seja feita a avaliação da percepção de fala individualmente, sem perder de vista os limites dos testes de fala, que dificilmente irão refletir as habilidades em perceber a linguagem falada.

Neste estudo pretende-se contribuir para o aperfeiçoamento de uma ferramenta computacional já desenvolvida para Avaliação da Percepção Auditiva das Consoantes do Português Brasileiro (PB). Este teste de avaliação de percepção auditiva foi inicialmente desenvolvido para ser usado em pesquisas sobre a produção e percepção dos sons da fala por crianças com deficiência auditiva (BARZAGHI; MADUREIRA, 2005; BARZAGHI, BARBOSA; MALT, 2007; PEREIRA; MADUREIRA, 2011).

O teste foi baseado em um software que possibilita a apresentação de arquivos de áudio e de imagem simultaneamente e o registro das respostas para cada item testado. A resposta consiste na seleção de uma das figuras entre as quatro que aparecem na tela,

As respostas obtidas são gravadas e disponibilizadas na forma de um relatório. O programa contém módulos de demonstração (das figuras e do manuseio), de calibração do sinal para realização do teste por meio do audiômetro e de identificação do paciente.

Por ser um teste de escolha forçada, é necessário que seja apresentado um grande número de itens, com a finalidade de descartar o acerto casual. A primeira versão (2005) permitia apenas uma forma de apresentação: quatro itens por tela, num total de 120 apresentações. Na segunda versão, o software foi aberto para a parametrização do número de itens, de apresentações, além de inclusão de novos itens.

O teste foi inicialmente aplicado em crianças com audição normal que não apresentaram dificuldades na execução da tarefa. Considerando todos os itens do teste, a maioria das crianças sem queixas auditivas (70%), obteve porcentagem de acerto superior a 98%, o que corresponde a dois itens errados, e 100% das crianças avaliadas obtiveram porcentagem de acerto igual ou superior a 95%, o que correspondeu a seis erros em 120. Quando aplicado a um grupo de sujeitos com diferentes graus de perda auditiva, os resultados mostraram uma tendência de maior dificuldade na percepção do contraste de ponto de articulação e vozeamento na medida em que o grau de perda auditiva aumenta, como demonstrado nos gráficos das Figuras 1 e 2. Embora exista uma forte relação entre os limiares audiométricos e as habilidades de percepção da fala, sabe-se que a configuração do audiograma e o grau da perda auditiva não são suficientes para prever as habilidades de percepção auditiva da fala uma vez que reflete apenas uma medida de audibilidade dos sons nas várias frequências. Assim, a percepção auditiva da fala com uso de amplificação não pode ser prevista apenas com base no audiograma, pois as deficiências auditivas podem interferir também na resolução temporal, de frequência e de intensidade, o que explica a variabilidade encontrada entre os sujeitos com o mesmo grau de perda auditiva.

Figura 1. Gráfico representativo da distribuição das porcentagens de acerto para os

diferentes graus de perda auditiva por contraste de ponto de articulação nas três oposições apresentadas (Ponto Bilabial versus Alveolar – PT_BXA; Ponto Bilabial versus Velar – PT_ BXV; Ponto Alveolar versus Velar – PT_AxV).

Figura 2. Gráfico representativo da distribuição das porcentagens de acerto para os

diferentes graus de perda auditiva por contraste de vozeamento.

(Fonte: próprio autor)

Estes resultados sugerem que tal ferramenta, se aplicada na avaliação das habilidades auditivas de crianças com deficiência de audição, pode trazer contribuições para a clínica fonoaudiológica, tanto para nortear ajustes nos dispositivos eletrônicos de acessibilidade auditiva – aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) e implante coclear (IC), quanto para acompanhar o desenvolvimento da função auditiva e os progressos na reabilitação.

Até o momento trabalhamos com as palavras que iniciam com as seis plosivas do PB: /pata/, /bata/, /tata/, /data/, /cata/ /gata/, uma vez que o software foi elaborado para a realização de pesquisa sobre produção e percepção dos sons plosivos do PB. Na nova versão que se pretende elaborar, outras palavras serão introduzidas para avaliação da identificação auditiva de outros sons consonantais (/nata/, /mata/, /chata/, /rata/ e /lata/), além da percepção de vogais e extensão vocabular.