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V. 1 1 A Família como Dispositivo Técnico-científico

V. 5. Desenvolvimento Humano

No documento, a série desenvolvimento humano apresenta-se mais diretamente articulada com outras duas séries, quais sejam: saúde e sexualidade. Estas por sua vez, articulam-se com as séries risco, políticas públicas, drogas, dentre outras. A série desenvolvimento humano foi recortada e analisada nesta pesquisa, e nesta seção em particular, manteve-se como aparece no documento, que tem como subtítulo: desafio

para a valorização da vida, para o desenvolvimento da saúde e da sexualidade.

Desta forma, a análise se deu a partir da articulação das séries inicialmente citadas, que de tão imbricadas, são descritas no relatório como “saúde sexual”.

Segundo César (2008) os registros discursivos, desde o início do século XIX, tinham a preocupação, de compreender o adolescente como uma fase da vida e, dessa forma, pensar maneiras de prevenir os desvios e anormalidades, negligenciando a história da constituição deste ou daquele sujeito adolescente, posto que estes eram tidos como objeto universal. Com base nestas concepções e tendo estas preocupações, os estudos em Psicologia do Desenvolvimento, ancorados nas práticas médicas e psicopedagógicas, vão ser direcionados para esse segmento da população, identificado como adolescente.

Quando a autora aborda o que chama de invenção da adolescência no discurso psicopedagógico (2008), além de situar historicamente a emergência desse objeto, aborda também a constituição de “problemas” como a delinquência juvenil produzida como uma das características próprias da adolescência. Temática esta, abordada por

muitos autores no período pós Segunda Guerra Mundial, e que associavam esse fenômeno aos problemas advindos da industrialização, das grandes cidades, além de acreditarem e defenderem a existência de uma natureza intrinsicamente rebelde nesta “fase”.

César (2008) destaca que no Brasil com os intercâmbios de informações, os tratados sobre a adolescência começaram a ser traduzidos e publicados e que houve uma ampla circulação de textos americanos, europeus e principalmente argentinos. Foi na década de 1930 que estas publicações passaram a ser traduzidas e também começaram a surgir as primeiras publicações nacionais sobre a psicologia do desenvolvimento, nos moldes epistemológicos dos manuais estrangeiros.

A partir do inicio da década de 1950 começaram a aparecer os textos nacionais específicos sobre a psicologia da adolescência, configurados no discurso hegemônico da psicopedagogia, isto é, retratando-a como um período de crise. [...]. Permaneciam também as ideias de Hall que associavam a adolescência a uma etapa da vida marcada por tempestades e tormentas, além da noção de um ‘entusiasmo’ responsável pelas possibilidades criadoras da ‘força’ adolescente (CÉSAR, 2008, p. 82).

Havia, nestes estudos/manuais, uma espécie de classificação da adolescência, como a proposta por estudiosos como Debesse (apud, CÉSAR, 2008), que datam da década de 1965, com o objetivo de identificar o chamado comportamento transgressor. Esta classificação contemplava o tipo “revolucionário”, passando pelo tipo “retilíneo”, até o “gregarismo”, dentre outros. “A partir do instante em que a delinquência juvenil foi afirmada como uma das características da adolescência, veio à tona toda uma tipologia para os comportamentos transgressores dos adolescentes” (CÉSAR, 2008, 128)62.

Esses estudos não se esgotaram, nem tão pouco foram abandonados. Essas teses produzidas nas primeiras décadas do século XX permanecem e se atualizam, e continuam a relacionar a adolescência ora a uma fase, a um estágio ou uma etapa da vida, marcada por crises orgânicas, psíquicas e sociais e demarcada por essencialismos,

62 O tipo revolucionário “apresentaria um comportamento de revolta passageira e uma busca de excentricidade no vestuário e linguagem, acabando por determinar um comportamento futuro de artista ou pioneiro. Já o tipo retilíneo seria aquele com um comportamento sem grandes perturbações. [...] Debesse, assim como outros especialistas, também demarcou o gregarismo como uma caraterística-padrão do adolescente, gregarismo para ele se manifestava em experiências positivas de grupo, como o escotismo, e nas negativas, como as gangues”. (DEBESSE, apud CÉSAR, 2008, p. 128).

e dicotomias que apontam para uma imagem ideal do que se considera como adolescência e a maturidade.

O duplo aspecto da adolescência, de ser ao mesmo tempo limite e período, determina a organização do que se pode chamar de crise formal da adolescência: um limite entre dois estatutos, um regendo a criança que brinca e aprende, outro o adulto que trabalha e participa da reprodução da espécie; um período de indecisão subjetiva e de incerteza social, durante o qual a família e as instituições exigem, segundo as circunstâncias, que o sujeito se reconheça como criança ou como adulto (RUSSIAL, 1999, p. 58)

Para o UNICEF (2002, p. 61) “a adolescência não é apenas o processo de desprendimento dos laços infantis. É também o encontro do ser humano com uma cultura e uma civilização, seus valores e sua ética”.

Importante ressaltar que as concepções sobre desenvolvimento humano identificadas no documento estudado, além dos já citados por Cézar (2008), também têm como fundamentação teórica, manuais de Psicologia da adolescência63, Desenvolvimento do Adolescente64 e Psicologia do Desenvolvimento: Infância e Adolescência65, das décadas de 1970 e 1980, baseados em princípios, sobretudo, evolucionistas, universais e de adaptabilidade às variáveis ambientais. Pfromm Netto (1976) advoga que

o estudo do desenvolvimento humano e dos fatores que o determinam interesse não apenas aos cientistas que se empenham em descobrir leis e princípios, como também aos pais, professores, médicos, assistentes sociais, sacerdotes, etc., com a responsabilidade de guiar o desenvolvimento das crianças e jovens pelas vias mais adequadas (PFROMM NETTO, 1976, p. 34)

Para este autor, “cada período da vida apresenta características que lhe são próprias, implica em certas ocorrências essenciais e impõe exigências que devem ser atendidas, para que o desenvolvimento se processe de forma adequada”. (p. 35). Para o UNICEF,

[...] o ponto de partida para a construção de um conceito de adolescência é a sua abordagem como fase especifica do desenvolvimento humano caracterizada por mudanças e transformações múltiplas e fundamentais para que o ser humano possa atingir a maturidade e se inserir na sociedade no papel de adulto. (UNICEF, 2002, p. 9)

63 PFROMM NETO (1976). 64 HURLOCK (1979). 65 TERRY (1981).

V. 5.1- A Sexualidade como ponto de articulação entre a infância, a adolescência e