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Capítulo III Metodologia

2. Desenvolvimento do questionário

O questionário é um instrumento que se caracteriza pela sua capacidade de sondar um grande número de participantes e proporcionar uma visão geral da frequência do uso das LLS de um indivíduo ou de um grupo, de forma mais objetiva do que os outros métodos de

90 investigação (Griffiths, 2003a; R. L. Oxford, Cho, Leung, & Kim, 2004). É fácil e rápido de administrar, economicamente eficiente e pouco intimidador, através do qual os inquiridos podem imediatamente receber um feedback (R. L. Oxford, 1996). Dörnyei (2010, p. xiii) reconhece que os questionários são largamente utilizados na investigação sobre língua estrangeira, dado que «they are easy to construct, extremely versatile, and uniquely capable of gathering a large amount of information quickly in a form that is readily processable».

Assim, a fim de responder às questões de investigação, foi desenvolvido, com base no SILL, um questionário, intitulado «Inventário das Estratégias dos Aprendentes de Português Língua Estrangeira» (IEAPLE). Foram os seguintes os aspetos tidos em consideração no seu desenvolvimento.

Pretendemos que o ato da investigação não fique reduzido a algo meramente teórico, mas sim contribua diretamente para a prática do ensino-aprendizagem do PLE, até mesmo com a administração do questionário. Deste modo, como foi referido, uma vez que a formação em LLS passa pela sensibilização sobre o perfil estratégico (Cohen, 1990; O’Malley & Chamot, 1990; R. L. Oxford, 1990; Chamot & O’Malley, 1994; Chamot, Barnhardt, El-Dinary, & Robbins, 1999), decidimos incluir uma mensagem de feedback, através da qual o inquirido será informado do resultado do inquérito. Ao submeterem a resposta, os inquiridos receberão uma mensagem, apresentando a soma dos valores das respostas, o correspondente nível de frequência e a tradução para a língua chinesa da seguinte sugestão:

«A frequência do emprego das estratégias não está diretamente relacionada com o desempenho. De acordo com estudos, esse nível não decide o resultado da aprendizagem. O importante é encontrar estratégias que lhe sejam adequadas e sejam utilizadas de forma judiciosa e flexível. Sendo assim, sugerimos que experimente outras estratégias desconhecidas, para enriquecer a sua combinação estratégica.»

O valor prático do presente estudo também se revela através do envio do resultado de análise e das sugestões aos respetivos interlocutores dos diversos cursos. Sendo um diagnóstico preliminar, este relatório (Apêndice B) permite aos professores um melhor conhecimento do perfil estratégico dos seus alunos e da importância das LLS no ensino-aprendizagem do PLE, para que possam eventualmente introduzir ou reforçar a formação em LLS nas atividades pedagógicas.

Além disso, para garantir a compreensão por parte dos inquiridos e, por conseguinte, a validade das respostas, o IEAPLE foi administrado em chinês, cuja equivalência com a

91 versão portuguesa e a naturalidade foram testadas e confirmadas por profissionais da área da tradução.

O IEAPLE é composto por três partes. Na primeira, são apresentadas aos inquiridos as instruções de preenchimento, destacando a garantia de anonimato e confidencialidade, por forma a evitar o social desirability bias e o efeito intimidador. Os participantes são expressamente informados de que os dados recolhidos através do questionário se destinam exclusivamente a investigação científica e não afetam de forma alguma a avaliação no curso. Faz-se uma chamada de atenção no sentido de responder às perguntas de acordo com a prática habitual, recordando que as respostas não são consideradas corretas ou erradas.

A segunda parte do IEAPLE é constituída por perguntas relativas à identificação e caracterização dos inquiridos, da qual se extrairão dados sobre as variáveis a ser analisadas, a saber: sexo, ano de nascimento, ano do curso, classificação da prova de inglês no exame nacional para o acesso ao ensino superior e frequência com que mantêm o contacto com a língua portuguesa. Não se encontra no questionário a pergunta sobre a instituição vinculada, dado que o questionário é administrado separadamente em diferentes universidades, por forma a evitar riscos de erro na escolha ou preenchimento do nome da instituição.

Os enunciados sobre as LLS encontram-se na terceira parte do questionário. De acordo com a taxonomia acima referida, defendida por Oxford (1990), enquanto base do IEAPLE, as 50 LLS originais são categorizadas da seguinte forma:

EMM: E1-E9; ECG: E10-E23; ECP: E24-29; EMC: E30-E38; EAF: E39-E44; ESC: E45-E50.

Apesar de o IEAPLE ter por base o SILL, foram introduzidas algumas alterações, merecedoras de explicação.

2.1. Alguns problemas do SILL

Como referimos, o SILL foi desenvolvido na década de 1990 e tem sido alvo de críticas em relação a vários aspetos, relacionados, por exemplo, com a categorização das LLS. De facto, Green e Oxford (1995) reconhecem que os subgrupos do SILL nem sempre

92 correspondem a análises fatoriais a posteriori. Face à impossibilidade de uma divisão mutuamente exclusiva, Griffiths (2008a, 2013) sugere, em vez de uma classificação a priori, agrupar as LLS conforme a análise post hoc. Tendo em consideração o problema, decidimos apresentar a parte da inventariação das LLS do nosso questionário como um conjunto integral, sem ser dividido em subgrupos. No entanto, para manter a comparabilidade com os estudos congéneres e a viabilidade dos testes estatísticos, continuamos a adotar, na fase da análise dos dados, a taxonomia baseada no SILL que propomos (vide Capítulo I, subsecção 2.5).

Um outro problema prende-se com as EMM. Lee e Oxford (2008) admitem que aquelas elencadas no SILL são relacionadas, na sua maioria, com o vocabulário. Além disso, como foi estruturado para contemplar mais estratégias associadas a modalidades visuais, auditivas e cinéticas, não se encontram incluídas as de memória mecânica (rote memory) e de repetição, preferidas por muitos aprendentes eficientes asiáticos. Face às críticas, Oxford sugere aos utilizadores do SILL fazer adaptações conforme os diferentes contextos culturais e reavaliar a fidedignidade e a validade do questionário, por exemplo substituir as LLS pouco usadas em determinadas culturas (fazer diário, usar flash cards e conversar sobre o sentimento relativo à aprendizagem) por outras mais frequentes (R. L. Oxford, 2011a), como já foi referido no capítulo anterior.

2.1.1. LLS pouco frequentes

De acordo com os nossos trabalhos experimentais anteriores (Liu, 2012a, 2012b), algumas estratégias inventariadas no SILL são pouco empregadas pelos respondentes. Delas é exemplo o recurso a flash cards e a diário dedicado à aprendizagem.

Quanto ao uso de flash cards, Cohen (1990) considera-o sempre um método eficaz para aprender vocabulário. No entanto, o estudo de Takeuchi (1993) revela que o seu emprego pode encontrar-se negativamente relacionado com a proficiência. O autor afirma que a eficácia desta estratégia é possivelmente determinada pela cultura, ou pelo menos mediada culturalmente. Considera-se, portanto, que o recurso a flash cards pode funcionar para alguns alunos, mas não para os outros, por não ser uma forma segura de promover a proficiência em todas as culturas, nem apropriada para todos os estilos de aprendizagem.

Porém, na nossa opinião, o que contribui para a sua pouca frequência de uso talvez não seja o facto de a estratégia ser inadequada em certas culturas, mas sim o seu suporte físico. Segundo os nossos estudos anteriores, a estratégia tem uma média de 2.33 junto dos estudantes de LMC (Liu, 2012a) e de 2.20 em relação aos aprendentes portugueses (Liu,

93 2012b). A baixa frequência registada em ambos os grupos amostrais leva a questionar o carácter cultural desta estratégia.

Com base na amostra dos estudantes de LMC, os testes de alfa de Cronbach demonstram que a consistência interna da categoria de EMM é de .764, sendo um valor aceitável no que diz respeito à fidedignidade. No entanto, se se excluir esta LLS, é de esperar que esse valor suba para .778. Em termos gerais, o questionário composto por 50 itens exibe um alfa de Cronbach de .939 e uma ligeira melhoria para .940 sem a LLS em causa. O mesmo se verifica com a amostra dos aprendentes de LM portuguesa, sendo que com esta LLS o alfa de Cronbach global é de .920 e de .922 sem esta estratégia. Porém, esta melhoria já não se observa na categoria de EMM com o mesmo conjunto amostral, uma vez que sem a referida estratégia, o valor diminui de .658 para .632. Contudo, de forma geral, verifica-se uma tendência positiva na consistência interna se a referida LLS for eliminada.

Apesar disso, acreditamos que a memorização do vocabulário continua a ser uma componente crucial da aprendizagem de LE. Assim, o desuso da estratégia prende-se, muito provavelmente, com o facto de os flash cards serem algo obsoleto para a geração Net. No entanto, a essência da estratégia, isto é, a memorização de palavras, não desapareceu, mas ganhou outra forma nesta era digital, transformando-se em suportes eletrónicos, nomeadamente aplicações de smartphone e tablet. Para testar esta hipótese, no nosso questionário IEAPLE, decidimos manter a afirmação original E6 (Uso flash cards para lembrar as palavras novas em português) e acrescentar uma estratégia alternativa, nomeadamente a E55 (Uso programas informáticos ou aplicações de smartphone ou tablet para memorizar palavras novas).

O baixo valor também se verifica com a E43 (Registo num diário o que vou sentindo relativamente à aprendizagem da língua). De acordo com os resultados dos nossos dois estudos supracitados, a sua média oscila entre 1.70 dos estudantes chineses e 1.23 dos aprendentes portugueses, fazendo com que seja a estratégia mais rejeitada pelos dois grupos amostrais. Tal como acontece à E6, a presença da E43 faz diferença em termos da consistência interna. No cômputo geral, a ausência da estratégia faz subir o alfa de Conbach de .939 para .940 na amostra dos alunos de LMC e de .694 para .722 em termos da categoria de EAF. Já com os dados recolhidos junto dos estudantes portugueses, o retirar da E43 não causa nenhuma melhoria no conjunto do questionário (α = .920), mas sim na categoria de EAF, de .661 para .670.

Devido à consideração de comparabilidade, resolvemos manter a estratégia no IEAPLE e testar a hipótese de a substituir por outra EAF, nomeadamente a E54 (Presto

94 atenção aos pormenores circunstanciais (por exemplo a iluminação, a música de fundo e o conforto da cadeira), por forma a garantir o bom estado psicológico quando estudo).

2.1.2. LLS equívocas

Existem enunciados sobre LLS obscuros na versão original do SILL, por exemplo, a E7 (I physically act out new English words) e a E22 (I try not to translate word-for-word). No caso da E7, consideramos limitadora a caracterização, dada a impossibilidade de a prática funcionar para vocábulos de significado mais abstrato. Sendo assim, decidimos substituí-la por uma descrição mais abrangente, a saber, «Associo palavras novas às diferentes sensações para as memorizar».

Quanto à E22, a equivocidade resulta da falta de especificação situacional, nomeadamente em que tipo de atividades (compreensão ou expressão, oral ou escrita) e para que finalidade (tradução, ou leitura para enriquecer o vocabulário ou por prazer). Desta forma, resolvemos substituir o enunciado por outro mais genérico, nomeadamente «Presto atenção aos diferentes significados de determinada palavra em diferentes contextos».

Na estratégia E15, foi acrescentado um outro meio de comunicação social importante, nomeadamente a radiodifusão. No entanto, é muito provável que os aprendentes da era digital recorram mais aos materiais disponíveis online, nomeadamente os ficheiros de vídeo e áudio.

Em relação à E19, as diferenças linguísticas fazem com que a estratégia original (I

look for words in my own language that are similar to new words in English) seja pouco

viável para o par linguístico em causa, sobretudo quando se fala da comparação a nível lexical. Neste caso, optámos por uma descrição mais genérica, «Comparo as semelhanças e as diferenças entre o português e o chinês, ou entre o português e o inglês», tendo em consideração que o inglês constitui a primeira língua estrangeira no currículo dos aprendentes chineses, sendo provável que tenha comparabilidade com a língua portuguesa.

2.1.3. LLST

Foram introduzidas no nosso questionário seis estratégias tecnológicas (LLST), nomeadamente as E55-E60. Trata-se de LLS observadas ao longo da nossa experiência de docência de PLE a aprendentes de LMC, em várias instituições de ensino superior. É necessário recordar que as LLST podem não constituir uma nova categoria das LLS, mas inserem-se na taxonomia que propusemos. A sua possível correspondência encontra-se ilustrada na seguinte tabela.

95 Tabela 4. Categorização das LLST

Número Enunciado Categoria Obs.

E55 Uso programas informáticos ou aplicações de smartphone ou

tablet para memorizar palavras novas.

EMM Alternativa à E6 E56 Presto atenção aos novos produtos tecnológicos, de forma a

auxiliar a aprendizagem. EMC

E57 Uso dicionários eletrónicos. ECG

E58 Comunico com o meu parceiro tandem (falante nativo) através da Internet.

ESC E59 Adiro a grupos em redes sociais sobre a aprendizagem do

português. ESC

E60 Seleciono o português como língua predefinida do sistema operativo dos meus produtos eletrónicos.

EMC

Na fase da análise dos dados, a consistência interna das respetivas categorias é testada e será descrita no Capítulo IV, juntamente com a análise detalhada.

2.1.4. LLS alternativas

Foram ainda introduzidas quatro estratégias alternativas, também resultantes da nossa experiência profissional. São as E51-E54, categorizadas da seguinte forma.

Tabela 5. Categorização das estratégias alternativas

Número Enunciado Categoria Obs.

E51 Ao procurar palavras novas, consulto não só dicionários de

português-chinês, mas também os monolingues. ECG E52 Uso construções sintáticas simples em vez das complexas, para

evitar erros. ECP

E53 Organizo as palavras novas em glossários temáticos. EMC E54 Presto atenção aos pormenores circunstanciais (por exemplo a

iluminação, a música de fundo e o conforto da cadeira), por forma a garantir o bom estado psicológico quando estudo.

EAF Alternativa à E43

Semelhante às LLST, estas estratégias são sujeitas a testes de alfa de Cronbach, no intuito de estudar a consistência interna das categorias propostas, cujos resultados, bem como a análise aprofundada, serão apresentados no Capítulo IV.

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