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Desenvolvimento sintáctico e morfo-sintáctico

No documento Relatório final de PIS Ana Sousa (páginas 31-34)

Qualquer pessoa que domine uma determinada língua tem que compreender e produzir palavras pertencentes ao léxico da mesma. Contudo, tal facto não basta para o seu domínio, pois tão importantes como as palavras são as regras que permitem a sua organização em frases.

No caso concreto da língua portuguesa, nas frases declarativas simples a ordem básica das palavras é caracteristicamente do género Sujeito Verbo Objecto (SVO) (por exemplo, A Joana come a sopa). Porém, as frases não seguem todas a mesma ordem, como é, por exemplo, o caso das frases interrogativas, cuja organização é tipicamente Objecto Verbo Sujeito (OVS) (por exemplo, O que comeu a Joana?).

Estas regras fazem parte integrante do conhecimento sintáctico da língua portuguesa, sendo que as mesmas não são regras de combinação de “palavras específicas”, mas sim regras de combinação de classes de palavras (Sim-Sim, 1998).

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Antes de falarmos concretamente do desenvolvimento sintáctico, é impreterível referir que as regras morfológicas (regras que determinam a estrutura interna das palavras8) estão intimamente relacionadas com a construção sintáctica, uma vez que a estrutura de uma frase implica a relação das palavras que a constitui.

O processo de desenvolvimento sintáctico, o qual leva ao conhecimento sintáctico, é o “percurso percorrido pela criança na identificação e extracção das regras de organização frásica da sua língua materna” (Sim-Sim, 1998: 154), sendo que durante este caminho a criança aperfeiçoa as estratégias para reconhecer estímulos verbais, apreende as regras da língua por via da informação que ouve e generaliza as regras detectadas a novas situações (Sim-Sim, 1998).

O desenvolvimento sintáctico é marcado por quatro períodos, sendo que o primeiro deles ocorre, aproximadamente, entre os nove e os quinze meses e é denominado por período holofrásico, o qual se caracteriza por ser a fase em que a criança produz palavras isoladas que representam frases, estando o significado das palavras dependente do contexto em que foram produzidas (a comunicação está circunscrita ao “aqui e agora”). Estas palavras são simples de articular (monossílabos ou reduplicação de sílabas, por exemplo, bo, mamã, piu-piu, oó) e são usadas pela criança para fazer pedidos, chamar a atenção ou identificar uma pessoa ou objecto, sendo que, devido ao facto de surgirem acompanhadas por gestos e/ou elementos prosódicos, permitem que as crianças sejam compreendidas muito facilmente (Rigolet, 2000).

Com o aumento gradual do conhecimento lexical por parte da criança, a mesma deixa, progressivamente, de produzir palavras isoladas e começa a combiná-las na frase segundo as regras sintácticas da sua língua materna.

Entre, aproximadamente, os quinze meses e os dois anos, surge a associação, por parte da criança, de duas palavras (são essencialmente nomes e verbos; não estão presentes artigos, preposições, conjunções e verbos auxiliares) segundo a ordem “básica” das palavras na frase SVO9 (ainda que de uma forma elementar), o que manifesta visivelmente o aparecimento de produções frásicas. A este período dá-se a denominação de período telegráfico.

8Na estrutura interna das palavras estão presentes unidades designadas por morfemas. Morfemas são “unidades

mínimas com significado e forma fónica” (Duarte, 2000: 77). Por exemplo, infelizmente é constituída por três morfemas: um radial (feliz) e dois afixos (o prefixo in- e o sufixo -mente).

Existem ainda morfemas, designados por sufixos flexionais, que codificam conceitos gramaticais como os de número, género, pessoa e tempo (Duarte, 2000). Por exemplo várias combinações de número e género, gato (masculino, singular), gata (feminino, singular), gatos (masculino, plural), gatas (feminino, plural).

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Após o período telegráfico, a criança começa, gradualmente, a produzir um maior número de palavras por frase e a utilizar marcas flexionais nas palavras, o que evidencia um aumento do conhecimento sintáctico e o início da aquisição das regras morfológicas. Especifique-se que aos três anos as crianças já adquiriram a estrutura básica da frase, sendo que aos cinco/seis anos já possuem um conhecimento sintáctico significativo, o qual lhes possibilita compreender e produzir frases simples e frases complexas10 (as orações coordenadas copulativas e adversativas são as primeiras a serem adquiridas) (Sim-Sim et al., 2008). Contudo, o desenvolvimento sintáctico não está concluído aos cinco/seis anos, dado que se prolonga até à adolescência, pois a criança ainda terá de adquirir as estruturas sintácticas de desenvolvimento tardio, por exemplo, as frases passivas, orações coordenadas disjuntivas, conclusivas e explicativas, orações subordinadas adverbiais.

Refira-se que a mestria das estruturas sintácticas, por parte da criança, está dependente da complexidade dessas mesmas estruturas e da frequência com que as crianças contactam com as mesmas.

Neste seguimento, importa mencionar que “A referência às estruturas sintácticas que emergem mais tardiamente tem em conta, sobretudo, a vertente da produção, embora se saiba que algumas das referidas estruturas apresentam dificuldades também ao nível da compreensão, até relativamente tarde no processo de desenvolvimento linguístico” (Gonçalves et al., 2011: 32).

No que concerne às regras morfológicas, como já foi referido, as mesmas são fundamentais para que as palavras se relacionem entre si dentro de uma frase, ou seja, para que as palavras estejam em concordância11.

De acordo com o que já foi mencionado, durante o período holofrásico e o período telegráfico, as palavras pronunciadas pelas crianças (maioritariamente nomes e verbos) não possuem qualquer marca de flexão, sendo que estas marcas só aparecem no final do período telegráfico, o qual se caracteriza “pelo aparecimento de marcas flexionais de género e número para as categorias nominais e por desinências verbais que marcam pessoa, número, tempo e modo” (Sim-Sim et al., 2008: 21).

10 Frases que possuem mais do que uma oração. “A combinação de orações pode ocorrer através de dois

processos distintos: a coordenação e a subordinação” (Gonçalves et al., 2011: 35).

11“Processo gramatical em que duas ou mais palavras partilham traços flexionais de pessoa, género ou número

por se encontrarem numa determinada configuração sintáctica. Existe concordância obrigatória nos seguintes contextos: entre sujeito e verbo flexionado no predicado (i); entre determinante e nome (ii); entre quantificador e nome (iii); entre nome e adjectivo (iv); entre sujeito e predicativo do sujeito (adjectival ou nominal) (v); entre complemento directo e predicativo do complemento directo (adjectival) (vi); entre sujeito e particípio passado em construções passivas (vii)” (Ministério da Educação, 2009).

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O período que decorre entre os três os seis anos da criança é extremamente rico na aquisição e na estabilização das regras morfológicas, processo que acompanha a produção de frases cada vez mais complexas por parte das crianças. Saliente-se que durante este período as crianças cometem alguns erros de sobregeneralização (não ocorre só nas designações erradas de rótulos lexicais, já referido no desenvolvimento lexical) a nível das regularizações morfológicas, os quais ocorrem devido ao facto de as crianças aplicarem regras morfológicas a situações de excepção, por exemplo, fazi, cãos. Ao realizarem este tipo de produções, as crianças demonstram que conseguiram assimilar as regras e, consequentemente, generalizá-las.

Aquando da entrada para o 1.º ciclo de escolaridade, as crianças já adquiriram as estruturas sintácticas básicas, assim como as regras morfológicas essenciais.

No documento Relatório final de PIS Ana Sousa (páginas 31-34)