• Nenhum resultado encontrado

3 ARTIGO 2 – DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E

3.2 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO

3.2.1 Desenvolvimento Social enquanto dimensão do Desenvolvimento Sustentável

De acordo com Sousa (2011), o conceito de desenvolvimento sustentável foi firmado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) em 1992, realizada no Rio de Janeiro. O evento, também conhecido como Rio 92, conseguiu elevar os conceitos de desenvolvimento sustentável a nível internacional através da elaboração de três acordos não vinculativos, conhecidos como Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21 e a Declaração de Princípios para a Administração Sustentável das Florestas.

Wackernagel e Rees (1996) argumentam que o modelo padrão de desenvolvimento tem enfatizado o crescimento econômico enquanto negligencia as limitações ecológicas e o bem- estar social. Os pesquisadores afirmam que o progresso deve ser redefinido e mensurado nos indicadores de qualidade de vida, tais como acesso à educação, alimentos e saúde comparados aos indicadores anteriores centrados apenas no aumento de capital.

Para a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, o DS tem quatro aspectos principais e relativamente independentes: social, econômico, ecológico e institucional. Já outros teóricos preferem uma abordagem mais ampla e detalhada sobre o desenvolvimento sustentável, incluindo a análise de nove aspectos: natural, material, ecológico, social, econômico, legal, cultural, político e psicológico. O objetivo desses detalhes é mostrar aspectos separados do termo, sua independência relativa e importância e a interação dos mecanismos do

desenvolvimento sustentável (SACHS, 2004; GECHEV, 2005). No entanto, normalmente as ideologias sobre desenvolvimento sustentável incorporam a integração de três aspectos-chave: o ambiente, a sociedade e a economia. Assim, em termos gerais, o desenvolvimento sustentável requer a análise balanceada e integrada de três perspectivas principais: social, econômica e ambiental.

A visão econômica do DS é voltada para a melhoria do bem-estar humano, através, principalmente, do aumento no consumo de bens e serviços. O domínio ambiental tem como foco a proteção da integridade e resiliência dos sistemas ecológicos. Já o domínio social diz respeito tanto ao enriquecimento das relações humanas, como a questões de justiça social.

Pode-se inferir que o domínio social do DS apresenta relação direta com o domínio econômico, uma vez que também fazem parte da sustentabilidade social questões como qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos. Nesse sentido, pode-se entender a sustentabilidade social como “[...] um paralelo à sustentabilidade ambiental. A redução da vulnerabilidade e a manutenção da capacidade de sistemas socioculturais resistirem a choques também são importantes” (SOUSA, 2011, p.11). De acordo com Sachs (2004), a sustentabilidade social está ligada ao objetivo de constituir uma civilização com maior equidade em termos de oportunidades e distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos pobres e dos ricos, em busca da qualidade de vida.

Sendo assim, preservar o capital cultural e a diversidade em todo mundo, fortalecer a coesão social e reduzir os conflitos destrutivos são elementos integrais desta abordagem. Outro aspecto importante envolve capacitação e participação mais amplas através da subsidiariedade, isto é, da descentralização da tomada de decisão para o nível mais baixo (ou mais local) em que ainda é eficaz. Este aspecto comunga em sua totalidade com a visão da economia solidária no que diz respeito à autogestão, onde a participação dos trabalhadores nos espaços de decisão e discussão é fator essencial para a caracterização do empreendimento como econômico solidário. Tendo em vista o exposto, infere-se a importância da sustentabilidade social na discussão do DS. Assim sendo, os demais tópicos do presente ensaio destacam o papel da economia solidária no desenvolvimento social, demonstrando tanto a confluência da abordagem da ES quanto a esse domínio com abordagem do DS, além de dar luz ao nível de incidência de pobreza multidimensional dos indivíduos inseridos em contextos de solidariedade e, por conseguinte, ao nível de bem-estar material, físico e social proporcionado pelos EES aos seus cooperados.

Nessa perspectiva, a seguir é tratada a abordagem de Sen, destacando o que se pode entender como pobreza e quais seriam os critérios que uma metodologia de medição de pobreza deveria adotar de modo a torna-se eficaz nessa mensuração.

3.2.2 Amartya Sen e a Abordagem das Capacitações

A pobreza é reconhecidamente um fenômeno de múltiplas dimensões. Desde o final dos anos 1970, é notável a busca pela ampliação do entendimento da pobreza e de suas causas, com o objetivo de fundamentar ações que contribuam para melhorar a vida das pessoas que sofrem as maiores privações. Neste sentido, torna-se evidente a necessidade de outras medidas além da renda, dada a compreensão da pobreza enquanto privação de capacitações.

Na abordagem das capacitações de Amartya Sen, a pobreza é entendida como um conjunto de privações em realizações consideradas como um nível mínimo aceitável para ter uma vida decente em sociedade. O conceito mais amplo das capacitações (capabilities) de Sen (2000) está baseado nos funcionamentos (functionings) que uma pessoa pode alcançar. Os funcionamentos se referem a tudo o que uma pessoa valoriza ser ou fazer – por exemplo, ser saudável, saber ler e escrever – e as capacitações representam a liberdade de alcançar um determinado conjunto e funcionamentos. Portanto, funcionamentos e capacitações representam, respectivamente, os espaços das realizações e das liberdades. Sob esta ótica, a pobreza é a ausência de capacitações básicas para viver em sociedade, isto é, a privação de oportunidades para alcançar níveis minimamente aceitáveis de funcionamentos (HAUGHTON; KHANDKER, 2009; SEN, 2000; UNDP, 1997; WORLD BANK, 2001).

Em sua construção teórica, Sen procura demonstrar que o desenvolvimento pode vir a ser um processo intimamente atrelado à expansão e à garantia de liberdade para todos os indivíduos. Em face disso, o desenvolvimento só terá sentido se significar melhores condições para a expansão das liberdades individuais. É por meio do desenvolvimento “que se renovam as principais fontes de privações de liberdade: pobreza e tirania, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” (SEN, 2000, p.18).

A abordagem de Sen carrega a ideia de que desenvolvimento está relacionado a uma série de componentes interligados, como facilidades econômicas, liberdade política, oportunidades sociais, garantias de transparências e segurança protetora (SEN, 2000). Nesse sentido, além de proporcionar aumentos na produção e na renda, o desenvolvimento deve também remover os principais obstáculos à privação de liberdade, principalmente: a fome, o

acesso à saúde, ao trabalho, ao saneamento básico, a oportunidade de se vestir e morar em local adequado, entre outras.

Stiglitz, Sen e Fitoussi (2009) ressaltam a multidimensionalidade do bem-estar, o que exige outros indicadores além do PIB ou da renda per capita como medidas do progresso social. Entendendo a pobreza como privação de bem-estar, os caminhos apontados pelos autores reforçam a necessidade de mensuração da pobreza em várias dimensões. Entre elas, pelo menos devem ser consideradas, simultaneamente: condições materiais de vida (renda, consumo e riqueza); saúde; educação; atividades pessoais incluindo o trabalho; participação política e governança; relacionamentos e conexões sociais; meio ambiente (condições presentes e futuras); e insegurança, tanto de natureza econômica, quanto física.

Claramente, as medidas tradicionais baseadas na renda ou no consumo não são capazes de refletir todas essas dimensões. Portanto, uma mensuração do nível de bem-estar dos indivíduos que esteja em consonância com os aportes teóricos de Sen requer o uso de metodologias que levem em conta indicadores multidimensionais, que consigam versar para além do uso exclusivo da componente renda, de modo a propiciar uma leitura mais abrangente das condições de vida dos indivíduos, na mensuração de seu bem-estar. Entende-se que esse é o caso da metodologia criada por Alkire e Foster (2009).

Nesse sentido, o trabalho de Serra (2017), que analisou as mudanças na pobreza multidimensional no Brasil de 2000 a 2010, comparando áreas rurais e urbanas, é um bom exemplo de esforço de mensuração da pobreza a partir de uma abordagem multidimensional. A aplicação empírica da autora se desenvolveu em duas etapas principais: a construção de um índice de pobreza multidimensional para o Brasil e a análise espacial da pobreza no país, tendo o município como unidade de análise. Para isto, o estudo fez uso do método Alkire-Foster (AF) e do modelo hierárquico de Permanyer, que identifica os pobres em uma população por meio de um perfil de pobreza, ao invés da simples contagem de privações ponderadas pelos pesos adotada no método AF.

Os resultados obtidos por Serra (2017) demonstraram que as disparidades em termos de privações entre as áreas rurais e urbanas já eram elevadas e assim continuaram apesar da melhora em todos os indicadores avaliados de 2000 a 2010. Evidenciou também a ocorrência de avanços substanciais no acesso à eletricidade e a bens de consumo duráveis nas áreas rurais, entretanto, houve a observância de graves carências em saneamento e em educação básica entre a população de 15 anos ou mais de idade.

Além do trabalho citado acima, a pesquisa de Vieira (2016) é outra experiência bem- sucedida de mensuração multidimensional da pobreza a partir dos aportes teóricos de Sen e da aplicação da metodologia Alkire-Foster. Nesse trabalho, a autora analisou a incidência de pobreza multidimensional em todos os municípios gaúchos nos anos 2000 e 2010. Os resultados encontrados pela pesquisa indicaram que, entre os anos analisados, a pobreza multidimensional tem diminuído no Rio Grande do Sul. Constatou-se maiores privações nos indicadores “tipo de escoadouro das instalações sanitárias” e “anos de estudo”, e foi observada uma queda na porcentagem de privações entre 2000 e 2010, havendo ainda uma grande parcela da população que se encontrava privada neste critério analítico.

Através da análise dos trabalhos acima, observa-se a emergência da temática da pobreza. Entretanto, ainda existem lacunas no que se refere a investigações nesses moldes para o contexto da economia solidária. Dessa forma, as contribuições teóricas e metodológicas dos trabalhos analisados servirão de alicerce para a ampliação desse debate, de modo a evidenciar ações que, de fato, consigam trazer respostas ao problema da pobreza. Uma vez que um dos princípios da economia solidária é a justiça social, dar luz a esse movimento e às soluções propostas por ele vai ao encontro do referido debate sobre pobreza.

Assim, dado o recorte do presente trabalho, na tentativa de analisar as convergências das abordagens já citadas com a economia solidária, o seguinte tópico versa sobre a noção de desenvolvimento social contida na ES, além de demonstrar como os princípios da ES podem ser promotores de desenvolvimento social e combate à pobreza, entendida na sua forma multidimensional.

3.2.3 Economia Solidária: promoção de desenvolvimento social e combate à pobreza no