• Nenhum resultado encontrado

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

No documento Do empréstimo a não posse (páginas 104-108)

5 CENÁRIOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA

5.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Um dos termos que entrou de forma intensa nas discussões da sociedade contemporânea é “sustentabilidade”. Muitas vezes mal empregada em seu contexto, por estar apenas relacionada à moda de “produtos verdes”, ela tanto pode ser vista sendo usada de forma inadequada como uma forma de marketing, mas também passou a despertar a atenção de pesquisadores e consumidores comuns que perceberam que a forma com que evoluímos nossos hábitos de consumo nas últimas décadas está tornando a vida da sociedade desequilibrada. Segundo Manzini (2008, p.19), a proposta de uma sociedade sustentável:

[...] requer uma descontinuidade sistêmica: de uma sociedade que considera o crescimento contínuo de seus níveis de produção e consumo material como uma condição normal e salutar, devemos nos mover na direção de uma sociedade capaz de se desenvolver a partir da redução destes níveis, simultaneamente melhorando a qualidade de todo o ambiente social e físico.

O autor explica que a expressão ou o conceito da sustentabilidade não pode privilegiar o aspecto ambiental, deixando de lado o social, por exemplo. É uma condição sistêmica “[...] através das quais, seja em escala mundial ou regional, as atividades humanas não contradizem os princípios da justiça e da responsabilidade em relação ao futuro, considerando a atual distribuição e a futura disponibilidade de ‘espaço ambiental’” (MANZINI, 2008, p.23).

Esse espaço ambiental ao qual se refere o autor significa dizer quanto ambiente, ou quanto espaço ambiental uma pessoa, cidade ou nação precisa dispor para viver, produzir, e consumir sem desencadear fenômenos irreversíveis de deterioração. Os princípios de justiça que complementam declaram que cada indivíduo tem o mesmo direito de espaço ambiental tanto na geração atual quanto nas gerações futuras. Podemos entender que a visão social da sustentabilidade foca as atividades humanas do presente projetadas no futuro.

Assim, sustentabilidade não está relacionada apenas a ações de filantropia, gestão de resíduos ou plantio de árvores, mas a toda uma reorganização da visão de mundo. Requer uma revisão do que é considerado desenvolvimento e para onde esse desenvolvimento está nos levando. Berlim (2012, p.14) pontua: "O desenvolvimento sustentável, a manutenção dos ecossistemas e a responsabilidade perante os seres humanos e seus descendentes exigem uma abordagem diferenciada do paradigma do desenvolvimento". Para ela, a compreensão dessse conceito deve ser expandida valorizando e não procurando dominar os recursos naturais, a

mão-de-obra humana, a produção e consumo de bens materiais. Kazazian (2005, p.8) afirma que o desenvolvimento sustentável é "um desenvolvimento que concilia crescimento econômico, preservação do meio ambiente e melhora das condições sociais". O autor critica o tipo de crescimento e desenvolvimento que foi defendido nos últimos dois séculos e propõe um olhar diferente a respeito desse crescimento:

O crescimento econômico a qualquer preço, que hipnotiza obsessivamente numerosos peritos e decisores, está com os dias contados: […] de que crescimento estamos falando? Trata-se de um simples crescimento dos fluxos financeiros, que medem apenas as atividades que têm valor monetário? Ou trata-se de um crescimento da qualidade de vida, que se pode avaliar por uma maior satisfação das necessidades humanas fundamentais: necessidade de segurança material e de saúde, com certeza, mas igualmente necessidade de conhecimentos, liberdade, intercâmbios, beleza, rumo… (KAZAZIAN, 2005, p.8)

Desde os anos 60, um debate sobre o meio ambiente e uma crise ambiental vinha sendo realizado por pesquisadores e ambientalistas que identificaram a ocorrência de uma série de desastres e desequilíbrios de ecossistemas. A comunidade científica e governantes conscientes começaram e considerar essa questão um problema relevante de ordem mundial e assim, foi organizado em Estocolmo, em 1972, a primeira conferência voltada para essa questão (BERLIM, 2012). Em 1983, a Organização das Nações Unidas comanditou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento e publicou, em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum (Our Common Future), presidida por Gro Harlem Brundtland. O relatório "[...] descreve o estado do planeta e expõe a relação essencial entre o futuro das comunidades humanas e o das comunidades ecológicas" (KAZAZIAN, 2005, p.26) e introduziu, pela primeira, vez o conceito de desenvolvimento sustentável: ‘Um crescimento para todos, assegurando ao mesmo tempo a preservação dos recursos para as futuras gerações…” (idem).

Mesmo tendo uma grande importância como um todo, duas questões gerais apontadas podem ser destacadas do relatório: a incompatibilidade entre os padrões de produção industrial e consumo (na época bem menores do que os de hoje) e a possibilidade de um futuro digno para as gerações futuras; assim como um novo olhar sobre o conceito de desenvolvimento, definindo-o a partir do conceito de desenvolvimento sustentável (BERLIM, 2012). Em síntese, o desenvolvimento sustentável baseia-se em três pilares: justiça social, viabilidade econômica e preservação ambiental.

Para se ter uma ideia da evolução do consumo, Kazazian (2005, p.19) apresenta dados da França para enfatizar a importância do consumo. “A porcentagem de lares que têm geladeira passa de 9% para 88% entre 1954 e 1975; máquinas de lavar roupa, de 9% para 71%; e televisão, de 1% para 82%. Esses equipamentos todos não respondem à mesma

necessidade, mas a uma mesma lógica, que se apóia na exacerbação de um desejo apenas baseado no bem de consumo”. Segundo o autor, a sociedade de consumo vive envolvida pela renovação crescente e inconstante tornando o consumidor impaciente e ansioso um dos maiores envolvidos. “Nessa era da posse, a impaciência se tornou virtude […]” (idem, 2005, p. 19)

Podemos claramente perceber que a sustentabilidade deixa de ser somente uma bandeira verde, para ser uma questão social, em que devemos procurar trabalhar pelo desenvolvimento partindo da redução do consumo. Para muitos grupos e instituições, isso é considerado impossível, tendo em vista os hábitos e as condições que adotamos para viver, porém muitas atitudes começaram a surgir e a se apropriar do conceito de sustentabilidade social, das quais essa pesquisa preocupou-se em expor alguns exemplos que são apresentados no decorrer desse trabalho.

Contrariamente aos mais comuns clichês em termos sociais e políticos, caminhar rumo à sustentabilidade é o contrário da conservação. Em outras palavras, a preservação e a regeneração de nosso capital ambiental e social significará justamente romper com as tendências dominantes em termos de estilo de vida, produção e consumo, criando e experimentando novas possibilidades. Se assim não o fizermos, se não adquirirmos experiências diferentes e se formos incapazes de aprender a partir delas, então assistiremos à verdadeira conservação, que resultará na continuação dos atuais e catastróficos estilos de vida, produção e consumo. (MANZINI, 2008, p.15)

Para conseguirmos atingir a sustentabilidade social proposta por Manzini, será necessário desapegarmos dos valores construídos a partir do desenvolvimento do capitalismo, e da sociedade de consumo baseada não apenas em necessidades reais, mas principalmente em desejo pelo novo, valorizando o ter, e seguirmos rumo à experimentação de novas possibilidades que fujam dessa tendência dominante. Se não nos propusermos a essas experiências, de andar na contramão do que o estilo de vida de produção em larga escala e o consumo desnecessário e inconsciente disseminam, não estaremos projetando de forma sustentável nosso futuro e o das próximas gerações, como propõe o conceito de sustentabilidade social.

O termo inovação social refere-se a mudanças no modo como indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar novas oportunidades. Tais inovações são guiadas mais por mudanças de comportamento do que por mudanças tecnológicas ou de mercado, geralmente emergindo através de processos organizacionais ‘de baixo para cima’ em vez daquele ‘de cima para baixo’ (MANZINI, 2008, p.61).

A proposta dessas inovações sociais é fazer os indivíduos e a sociedade tomarem atitudes que melhorem suas vidas, e não ficar esperando pelo governo e por iniciativa privada. Seria um esforço proativo da sociedade que busca soluções para seus problemas, de forma conjunta e pensando na qualidade de vida dos que serão afetados por essa atitude, assim como o meio onde vivem. Não se trata, portanto, de mudança de tecnologias existentes, nem extermínio das mesmas, mas trata-se, acima de tudo, da mudança de pensamento coletivo de uma sociedade, ocasionando, assim, novas possibilidades de consumo e, por que não, um novo estilo de vida.

Hoje em dia, as ameaças que pesam sobre o mundo pesam sobre cada indivíduo. ‘A possível morte coletiva é a dinâmica possível da nossa felicidade’, disse Michel Serres.Portanto, trata-se de uma relação que tem de ser construída ou reinventada, entre os homens e com a natureza. Daí talvez, e é nosso desejo, possa nascer um acordo fértil, que alimente uma visão de mundo mais solidária e aceitável por todos. O espírito que há por trás da reflexão procede de uma síntese entre a intuição da unidade profunda da vida e a integração de uma racionalidade não predadora [...] (KAZAZIAN, 2005, p.28).

Kazazian (2005), a partir dessas questões, fundamenta-se na ideia de que vivemos em uma época em que o desenvolvimento sustentável é uma necessidade vital e por isso é preciso propor soluções mais "leves" que promovam a prosperidade das sociedades sem regressões dos sistemas naturais e econômicos. Assim, o autor propõe a utilização do conceito de ecodesign (expressão criada pelo designer austríaco Victor Papanek na década de 90) na concepção dos produtos, visando satisfazer as necessidades das sociedades com uma utilização mínima dos recursos naturais. Segundo o autor, "mudar o consumo faz parte das alternativas em que pensa e trabalha o ecodesign, isto é, a integração do desenvolvimento sustentável na concepção dos bens e serviços" (KAZAZIAN, 2005, p.10).

O ecodesign trata de uma abordagem que consiste em reduzir os impactos de um produto, ao mesmo tempo que conserva sua qualidade de uso como funcionalidade e desempenho, objetivando melhorar a qualidade de vida dos usuários de hoje e de amanhã. A partir dessa abordagem, o "meio ambiente é tão importante quanto a exequibilidade técnica, o controle dos custos e a demanda do mercado" (KAZAZIAN, 2005, p.36). Desse modo, o criador seleciona e articula melhores soluções sobre todo o ciclo de vida do produto, integrando o conjunto dos impactos ambientais.

Através do ecodesign, segundo Kazazian (2005), é possível evoluir para a passagem de uma sociedade de consumo para uma sociedade dita de uso. Os bens materiais devem ser concebidos de outra maneira: "[...] passar do produto ao serviço implica a redefinição dos objetivos. […] Não se trata de produzir menos, mas de outro modo: imaginar

objetos eficientes, de simples uso e cujo fim de vida tenha sido antecipado: ampliar a oferta de produtos que respeitem o meio ambiente; e seduzir, para que essa evolução seja fácil…” (idem, p.10).

As soluções não são necessariamente materializadas enquanto produtos - tais como, por exemplo, carros, máquinas de lavar ou embalagem de comida; elas se referem a conceitos e ações – tais como mobilidade, limpeza de roupas, entrega de comida - e podem ser obtidos através de estratégias incluindo a prestação de serviços, compartilhamento de bens ou outras, de uma forma em que máquinas, infra- estruturas e produtos tenham seu uso rentabilizado, facilitado e otimizado - contribuindo para a diminuição da intensidade material e energética (CASTRO, 2008)

Esta abordagem visa principalmente uma reeducação da sociedade, dentro de um contexto que dê ênfase à qualidade em oposição à quantidade. Essas propostas envolvem expectativas de mudanças profundas na sociedade, no consumo e na forma de se relacionar com os produtos. Manzini (2008) propõe comunidades criativas, Kazazian sugere a substituição do produto pelo serviço, ou seja, de uma sociedade de consumo para uma sociedade de uso. No percurso dessas propostas, basearemos nossas análises neste trabalho visualizando como novas perspectivas de consumo para a sociedade contemporânea.

5.2 CENÁRIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA NA IDENTIFICAÇÃO DE

No documento Do empréstimo a não posse (páginas 104-108)