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5. A JORNADA CARNAVALESCA DE UM MARACATU DE MULHERES

5.2 O CARNAVAL: AS APRESENTAÇÕES ITINERANTES PELA ZONA DA MATA NORTE

5.2.4. Nos desfiles

Foto 16 – Apresentação no Carnaval da cidade de Tracunhaén em 2015

Fonte: Tamar Thalez

Toda a travessia do Coração Nazareno é vivida com grande expectativa. Estar “bonito” e “brilhoso” é um requisito entre os grupos e não seria diferente com o feminino122. Imprimindo outro ritmo a brincadeira, elas querem a todo o momento mostrar que “sabem fazer” e que “fazem com muita elegância”. São três dias intensos e fica estampado nos rostos dessas mulheres e meninas o gosto pela brincadeira.

O Maracatu Coração Nazareno funciona como uma espécie de porta-voz da AMUNAM, materializando nas ruas as suas ideologias123. Segundo as meninas, é uma brincadeira “leve”,

122 Sobre as mudanças no Maracatu Rural. Essas mudanças são apontadas por Nascimento (2005) e Vicente (2005). 123 Podemos observar mais sobre as mulheres rurais Canavieiras e políticas públicas de gênero no trabalho de Ana Lucia Bezerra dos Santos Barros, Juliana Andrade Cavalcanti de Albuquerque Parisio e Sônia Maria da Silva

“cheia de brilho” e “beleza”. São termos que estarei trazendo a baila por serem características utilizadas por elas para explicar esse maracatu.

Hoje em dia, estar “bonito” e “brilhoso” tornou-se um pré-requisito entre os Maracatus de Baque Solto de forma geral. Os maracatuzeiros lembram que as arrumações do passado eram descritas com “feias” e “malcheirosas”. Hoje, estar “bonito” e “cheio de brilho” é um componente de rivalidade, não mais os aspectos “rústicos” e “agressivos”. “Hoje o maracatu é mais leve, não pode ter briga”, diz o Mestre Barachinha. A espetacularização da brincadeira é um importante fator para essas modificações.

“A transformação do Maracatu num espetáculo tem gerado dificuldades praticas para seus integrantes. O crescimento dos grupos, o uso das fantasias fora do período carnavalesco – às vezes se expondo à chuva – tem exigido maior reciclagem das fantasias, segundo pudemos escutar de vários maracatuzeiros. Consequentemente, o custo se renova a cada ano. A competição entre os grupos amplia o desejo de desfilar maior e mais rico e soma-se ao desejo de ser reconhecido através da mídia”. (VICENTE, 2005, p.130)

O componente de beleza não é um atributo exclusivo apenas das mulheres. A beleza do maracatu expõe, muitas vezes, a quantidade de recursos que ele pode investir. Antigamente os recursos dos Maracatus advinham de “livros de ouro”, venda de animais, venda de produtos alimentícios nas feiras, artesanato que por ventura confeccionassem. Era e ainda é um grande mutirão. O dono do Maracatu Estrela Dourada de Buenos Aires, seu Modesto, informa sobre o grande orgulho que é conseguir o dinheiro através dos seus próprios esforços, sendo uma etapa importante. Hoje, existem outras formas de captar recursos financeiros nos órgãos públicos, através dos Pontos de Cultura, editais públicos etc. Segundo Ana Valéria Vicente (2005), a contrapartida para o maracatu seria a sua valorização.

É muita gente envolvida: o motorista do ônibus, do caminhão, a cozinheira que faz os lanches e as refeições na sede, as pessoas que mantém a sede funcionando esses três dias de jornada, as costureiras que fazem alguns ajustes de última hora, a produção, o apoio, a presidente da AMUNAM que geralmente acompanha o grupo e, claro, as brincantes. São diferentes as atividades que fazem o ciclo do carnaval.

(2015). E também o trabalho sobre A condição social da mulher trabalhadora rural na Indústria canavieira da Zona da Mata: Avanços e Retrocessos da sua luta de Rizete Serafim Costa (não localizei o ano). Menciono também o trabalho de Panzutti (2006), sobre a mulher rural.

Em suas apresentações, as minhas entrevistadas falaram sobre a forma “leve” como elas se movimentam, o cuidado para não machucar os espectadores (principalmente as crianças). Pude perceber, em minhas observações, que elas não fazem movimentos bruscos ou pesados durante as manobras. É muito comum o Caboclo de Lança, ao fazer as suas manobras, machucar alguém que se aproximam muito (em uma apresentação, no Festival Canavial 2014, em Nazaré da Mata, fui atingida pela lança de um Caboclo). Segundo Marinalva, “eles vem com tudo” 124, fazendo referência a agressividade e a violência. Elas levam essa preocupação para as apresentações.

A “manobra” 125 é um movimento do maracatu que envolve todos os seus integrantes. Nas “manobras”, as caboclas do Coração Nazareno formam dois cordões chamados de “trincheira” envolvendo o miolo. São passos rápidos, todo o Maracatu move-se de forma ágil em diferentes sentidos. A Mestra Cabocla é quem manobra o Maracatu, comandando movimentos e direções.

“Nos Maracatus de Baque Virado, o Rei e a Rainha estão no topo da “hierarquia” dos personagens, especialmente a Rainha, posição de grade prestígio. No Maracatu de Baque Solto, os personagens de maior destaque são: o Mestre Caboclo, Caboclos de Frente e Arreimar, etc. O Rei e a Rainha são personagens incorporados pela política da FCP, que não teriam tanto destaque”. (CHAVES, 2008, p.28)

Em um Maracatu de Baque Solto, o Caboclo de Pena (Arreimar), Caboclos de Lança, o Mestre Caboclo e o Mestre do Apito são os personagens de maior prestígio. Os dois mestres do Maracatu possuem uma importante comunicação. No Coração Nazareno, Josicleide (Cleide) fala da grande relação que a “Mestra Cabocla” mantém com a “Mestra do Apito” durante as apresentações. Os maracatuzeiros chamam de “namoro”. Elas se comunicam através de códigos e olhares. A Mestra Cabocla puxa a Caboclaria e a Mestra do Apito vem logo atrás puxando o terno e conduzindo o grupo.

Na frente do Maracatu, fora das “trincheiras”, encontram-se as personagens populares: o Mateus, a Caterina ou Catita, a burra, a Caçadora. Elas correm na frente para informar que o maracatu está chegando. Essas personagens, também presentes em outras brincadeiras da região tem uma maior interação com o público. São personagens cômicos e ficam fora do desenho

124 Entrevista concedida por Marinalva Isabel de Freitas na AMUNAM (Costureira da associação e Rei do Maracatu Coração Nazareno de Nazaré da Mata), na AMUNAM, em Nazaré da Mata, no dia 17 de fevereiro de 2015.

125 A “manobra” esta presente nas sambadas e nas apresentações ou “evoluções” nos palcos carnavalescos e são rituais de “chegada” e “entrega” do Maracatu, marcando o início e fim do Carnaval.

nuclear da brincadeira. No Coração Nazareno, os personagens populares são sempre compostos por crianças. As meninas brincantes não imprimem os “trejeitos” que os adultos nos outros maracatus.

Foto 17 – Personagens populares do Maracatu Coração Nazareno no Encontro dos Maracatus Rurais de Nazaré da Mata em 2013

(Catita: Maria Cavalcanti, Caçadora: Josilene da Silva, Mateus: Carla Patrícia)

Fonte: Tamar Thalez

Ao falar sobre a musicalidade no Maracatu de Baque Solto, percebemos o quanto a sonoridade faz parte da estética da brincadeira. Desde um Caboclo solitário vagando pelas ruas da Mata Norte até o conjunto completo, percebemos ao longe a sua presença. O conjunto do maracatu ressoa com os chocalhos dos Caboclos de Lança, personagem de maior número do grupo. No Coração Nazareno, como consta na imagem a seguir é composto pelo: conjunto percussivo do terno (o Mineiro ou Ganzá, Tarol, o Surdo ou Bombo ou Zabumba, a Porca e o Gonguê ou Agogô), pela saxofonista, pela voz da Mestra Gil (cantando Marchas, Sambas e Galopes) e a Contramestra respondendo os versos (na ausência de uma contramestra as próprias meninas do terno exercem essa função). Segundo Hilda, elas batem o terno diferente, com um ritmo menos acelerado que os homens.

Foto 18 - O Terno do Maracatu Coração Nazareno no Carnaval da cidade de Tracunhaén em 2015 (Sax: Ana Lucia dos Santos, Mestra: Givanilda Maria, Mineiro: Jacinta de Fatima,

Tarol: Wilma Lopes, Bombo: Lucicleide da Silva, Porca: Deysielle Thamires e Gonguê: Hosana Maria)

Fonte: Tamar Thalez

“De longe, pode-se identificar a aproximação de um maracatu de Baque Solto. O som, de fato, é algo marcante, na composição estética e musical do Maracatu. São muitas as fontes sonoras dentro de um maracatu: os chocalhos dos caboclos, as vozes e os apitos do mestre e do contramestre, o apito do arreimar, o terno (conjunto de percussão), as melodias dos instrumentos de sopro (Trombone, Trompete, Clarinete, Piston, Saxofone), a batida da bexiga do Mateus, o estalar do chicote da burrinha, a corneta (de chifre de boi) do caçador, etc.” (CHAVES, 2008, p.61)

Dentro desse conjunto de sonoridades, apontado por Chaves (2008), a voz do Mestre (neste caso Mestra Gil) tem grande importância no grupo. Por conta do tempo das apresentações, os versos são reduzidos durante o Carnaval. Uma Marcha de boas vindas de início e um Samba e uma Marcha de despedida. Esse movimento repetiu-se em todas as apresentações que o Coração Nazareno fez durante o Carnaval.

“O Mestre do Maracatu conduz a manobra, cantando uma marcha (versos em quatro linhas de sete sílabas, a/b/c/b, com a repetição, a resposta, das duas primeiras linhas) sempre intercalada com o terno e as músicas. O movimento da manobra são sempre feitos ao som de uma Marcha, nunca enquanto o mestre canta outros tipos de versos de Maracatu como: Samba (dez linhas de sete sílaba, com resposta da 5° e 6° linhas), Galope ou Samba em seis (seis linhas de sete sílabas, resposta nas duas primeiras linhas), samba curto (igual ao galope, mais a primeira linha tem quatro sílabas apenas), samba curtinho (quatro linhas de sete sílabas).” (CHAVES, 2008, p.24)

Diferentemente dos demais grupos, as Marchas, Sambas e Galopes cantados pela Mestra Gil, envolvem temáticas de gênero, educação, meio ambiente, direitos humanos etc126. Como já

mencionado no primeiro capítulo, a Mestra não participa das Sambadas nos terreiros como os demais Mestres da Região. Alguns mestres falaram-me que ela ainda é “muito verde” para tais disputas. Salatiel Cícero mostrou-me outra perspectiva, apontando que as temáticas das toadas da Mestra Gil destoa com as dos demais Mestres de Maracatu, por isso não sendo compatível participar de tais disputas. “É outra abordagem com temáticas educativas e que visa à valorização da mulher na brincadeira”127. Abaixo, segue um exemplo de Galope em seis da Mestra Gil em parceria com o Mestre Antônio Roberto.

É através da loa que o Maracatu Rural se comunica com o público. A voz da Mestra apresenta o Maracatu que esta chegando, a cidade de onde vem, o que vieram fazer, cumprimenta algum político que queiram agradecer e se despedem. O Coração Nazareno, além disso, traz a mulher sempre em destaque, cumprimentando-as e fazendo críticas a violência contra a mulher128.

Abaixo, segue mais um exemplo de uma loa composta pela Mestra Gil. “Segundo Hilda, se ela se dedicar, vai colocar os outros maracatus no bolso” 129

“Não é porque sou mulher

que eu não posso cantar no maracatu mostrar do que sou capaz

Faço marcha e muito mais samba galope bem feito (repete) Por isso é que eu canto direito que é pro povo escutar na hora que eu for cantar que é pra não sair com defeito Quem nunca viu venha vê uma mulher de moral no maracatu rural a cultura defender” 130

Foto 19 – O Cordão das Caboclas de Frente de Lança do Coração Nazareno no Encontro dos Maracatus Rurais de Nazaré da Mata em 2013 (da esquerda pra direita: Antônia Ferreira,

126 Ver letra completa da loa “Filha de Nazaré” no anexo 5.

127 Entrevista concedida por Salatiel Cícero (Jornalista e produtor artístico do Maracatu Coração Nazareno) na AMUNAM, dia 23 de outubro de 2015, em Nazaré da Mata.

128 Parry Scott (2011), genro, geração em contextos rurais. Nota sobre a violência contra a mulher em contextos rurais.

129 Maria Hilda de Souza (Costureira e produtorado Maracatu Coração Nazareno), durante apresentação do Maracatu na cidade de Tracunhaén, dia 17 de fevereiro de 2015.

Marilia Kelle, Josicleide Vieira (Mestra Cabocla), Marcia Fernanda e Denise Maria)

Fonte: Tamar Thalez

Segundo os maracatuzeiros, a função dos caboclos de Lança e de Pena é proteger o grupo de ameaças externas. Na linha de frente vem o cordão, um grupo de Caboclas de Lança que puxam o resto da Caboclaria seguindo as instruções da Mestra Cabocla. Nas laterais estão localizadas as Caboclas Lança que protegem a Corte, o baianal, a índias, ou seja, todo o “miolo”. As Arreimas protegem o grupo espiritualmente, fazendo alusão aos índios das matas da região (não são caboclos de guerra e sim de paz). No fundo do Maracatu, estão as Caboclas de Lança que protegem a bandeira e o terno. Fazem manobras precisas em espaços muitas vezes apertados. O Baque Solto é um folguedo que requer espaço.

Na semana pré-carnaval, observei a apresentação que ocorreu na Rua da Moeda, bairro do Recife. Mais específico, foi um cortejo pelas ruas do Recife Antigo em direção a Praça do Arsenal. Foi um momento de aquecimento para os intensos dias de carnaval que iriam se seguir. Não pude deixar de observar os olhares do público, não apenas pela atenção que chama um cortejo de Maracatu de Baque Solto, mas pelos comentários sobre a sua composição feminina.

Como já mencionado, os locais visitados pelo Maracatu Coração Nazareno no Carnaval 2015 foram: Buenos Aires, Casa Amarela (Recife), Lagoa de Itaenga, Nazaré da Mata (Encontro dos Maracatus Rurais de Baque Solto), Condado, Itaquitinga, Tracunhaém, Três Carneiros - Corredor Comunitário (Jaboatão dos Guararapes), Nazaré da Mata (Encerramento). Ocorrendo também antes das datas oficiais (como no caso do Recife Antigo). Das apresentações no

Carnaval, estive presente nos seguintes municípios: Nazaré da Mata, Condado, Itaquitinga, Recife, Alto três Carneiros (Jaboatão) e Tracunhaén.

As demais apresentações que observei, seguiram o mesmo esquema em sua organização. Na segunda-feira de Carnaval (16/02) se apresentaram em Nazaré da Mata, Condado, Itaquitinga. Na terça-feira de Carnaval (17/02), em Tracunhaén e Alto três Carneiros. Na mesma terça-feira, participaram do encerramento do Carnaval de Nazaré da Mata.

Um importante desfile que o Coração Nazareno participou no período carnavalesco é o Encontro dos Maracatus Rurais de Nazaré da Mata. Este encontro é organizado por uma parceria da prefeitura de Nazaré da Mata com a “África produções”. O palco montado na Praça da Catedral da cidade reúne cerca de 30 grupos de diversas cidades da Zona da Mata. É um importante evento que costuma estar na agenda dos maracatus da região. O Coração Nazareno tem presença marcada desde 2005, quando se apresentou pela primeira vez. É um importante momento para as trocas afetivas, de muitos abraços e muitas observações. Os grupos não estão ali para concorrer, mas para se apresentarem. Porém, existe uma sutil rivalidade sobre o bordado mais bonito, o vestido mais arrumado, a bandeira mais enfeitada etc.

Maracatu de Baque Solto de fato é um brinquedo grande e requer espaço. Muitas vezes algumas prefeituras não disponibilizam estrutura e espaço para que eles possam se apresentar. Pude presenciar um problema deste tipo na terça-feira (17) de Carnaval de 2015, no Alto Três Carneiros, em Jaboatão dos Guararapes. Era um corredor pequeno, estreito, mal iluminado e sem proteção contra a chuva. Além disso, possuía um pequeno palco que mal cabia o terno e a mestra. Essas questões estruturais envolvendo os folguedos populares são muito abordadas entre os grupos e os produtores culturais de Pernambuco.

Embora o Coração Nazareno não esteja ligado aos concursos carnavalescos, há entre elas e os demais maracatus um sentimento de “quem faz melhor”. Neste caso, são comportamentos intrínsecos entre os maracatuzeiros. Mesmo em meio à solidariedade e amizade, essas rivalidades já fazem parte da tradição.

5.3 O PÓS-CARNAVAL: AS ATIVIDADES REALIZADAS PELO MARACATU AO