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As relações de gênero são perpassadas por desigualdades e violência, sendo que o patriarcalismo é um sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem, não sendo este o único estruturador da sociedade brasileira.

Na sociedade brasileira o patriarcalismo tem seus primeiros passos no sistema colonial, como herança da colonização europeia em um contexto de escravidão, latifúndios em uma sociedade paternalista, na qual os chefes de família eram os homens, sendo a estes destinados o âmbito público, já as mulheres ficava a cargo de um trabalho doméstico, o âmbito privado. Os valores patriarcais foram se afirmando na sociedade de maneira sutil, utilizando o poder econômico e social dominados pelos homens e a cada momento histórico vai adquirindo novas roupagens.

Saffioti (2004) refere-se à constituição do patriarcado como uma relação civil, não privada, na qual os homens têm direitos sobre as mulheres de maneira quase irrestrita. A hierarquia dada pelo patriarcalismo, conforme Castells (1999), invade todos os espaços da sociedade, tendo uma base material, indo além do espaço privado como uma ideologia , assim como forma de violência. Em diversos momentos o sistema patriarcal reproduzido pelas próprias mulheres, o ideologia machista perpassa as relações sociais. (CRUZ, 2014, SAFFIOTI, 1987), ao abordarem esta temática afirmam:

Por conseguinte, o machismo, presente tanto na cabeça dos homens quanto na das mulheres, contribui enormemente para a preservação do estado de coisas vigentes no Brasil, pleno de injustiças, qualquer que seja o ângulo do qual for examinado: das relações homem-mulher, das relações entre as etnias, das relações entre as classes sociais (SAFFIOTI, 1987, p. 68).

É impossível trabalhar gênero sem relacionar com as relações desiguais de poder.

Quando falamos de relações de gênero, estamos falando de poder, de machismo, uma ideologia entendida como parte da cultura que estrutura as relações de dominação dos homens sobre as mulheres. A medida que as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, assimétricas, elas mantêm a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal” (CRUZ, 2014, p. 02).

Tedeschi (2013) demonstra essa imposição de diferenciação de gênero, afirma:

As mulheres estão inscritas involuntariamente a seu gênero, entendendo gênero como um feminino normativo. Nascer mulher em uma sociedade patriarcal implica carência nos direitos e nas oportunidades e excesso nas obrigações; significa ser sujeito político limitado: supõe permanecer aprisionada em uma rede de funções e status inferiores a do masculino (TEDESCHI, 2013, p. 18).

A sociedade não está dividida entre homens dominadores de um lado e mulheres subordinadas do outro. Há homens que dominam outros homens, mulheres que dominam outras mulheres e mulheres que dominam homens. Isto equivale a dizer que o patriarcado, sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem, não constitui o único estruturador da sociedade brasileira (SAFFIOTI, 1987, p. 16).

Saffioti (1987) defende que, para existir uma supremacia do homem sobre a mulher, foi necessário que construíssem durante grandes períodos a subordinação da mulher. A autora ainda diz, “Nunca é demais afirmar: o poder é branco, masculino e adulto. Em outras palavras, subordinam-se ao macho branco e adulto mulheres, negros e não-adultos.” (SAFFIOTI, 1987, p.85). Em seus trabalhos Scott (1995), demonstra que ao trabalhar os

papéis femininos e masculinos em nossa sociedade, não se trata da oposição homens versus mulheres, mas vai além, coloca a necessidade de desconstruir a supremacia do gênero masculino sobre o feminino, na busca de uma igualdade política e social, de sexo, classe e raça.

As desigualdades de gênero é fruto do uso do poder para dominar outrem, trata-se de uma violência. Sendo que esta dominação masculina é precedida da subordinação feminina, a qual é construída historicamente, porém a ideologia patriarcal tende a naturalizar os papeis atribuídas as identidades masculina e feminina, com base na supremacia do homem. “O processo de fabricação dos sujeitos é continuado e geralmente muito sutil, quase imperceptível” (LOURO, 1997, p. 62).

Nessa construção da identidade feminina, atividades são atribuídas às mulheres como uma predestinação, em muitas sociedades a elas são delegadas a criação de filhos, atividades no âmbito doméstico, estas sempre inferiorizadas perante as públicas. Às mulheres são imputados papeis de mães, atividades restritas aos cuidados com a casa, família, parte de sua vida adulta destinada a atenções e cuidados para a prole. Aquelas que buscam atuar no âmbito público sofrem diversas punições sociais e inclusive autopunição através do sentimento de culpa. O espaço doméstico e privado é tido como o habitat natural feminino e o público para os homens (ROSALVO, 1979).

Na sociedade atual, é forte a concepção patriarcal na regência das relações de gênero e naturalização da dominação homem-mulher, sendo que para galgar uma mudança social, é necessário alterações na esfera individual, iniciando pela desnaturalização do princípio de dominação masculina e subordinação feminina.

Com o debate de gênero, é possível por meio da educação demostrar que as relações de exploração condicionam a mulher ao papel de subordinação e que esta dominação masculina não é mais inquestionável, indiscutível (CRUZ, 2014; BOURDIEU, 1999). A ideologia de dominação/exploração presente no patriarcalismo tem como consequência a desigualdade de gênero, as condições subalternas relegas as mulheres, a violência contra estas, sendo que a superação desta cultura arcaica nos remete a necessidade de revolta, denúncia, desnaturalização da relação homem-mulher (PINHEIRO, 2010.)

Bourdieu na sua obra “A dominação Masculina”, encerra com uma análise das formas de enfrentamento e criação de possibilidades para a superação da imposição do poder do

homem, entendendo, dessa forma que, “só uma ação política que leve realmente em conta todos os efeitos de dominação que se exercem através da cumplicidade objetiva entre as estruturas incorporadas e as estruturas de grandes instituições promoverão o desaparecimento desse elemento desafiador, a dominação masculina” (BOURDIEU, 1999, p. 139).

Parece pertinente considerar que, ao falarmos de violência e direitos humanos, há uma dificuldade adicional: a criação sistemática de obstáculos à visão e compreensão das pessoas em geral acerca dos fatores intervenientes na violência, sobretudo daqueles relacionados à manutenção de privilégios e poderes de uma minoria em detrimento dos demais. É possível que justamente em virtude desses obstáculos à percepção da maioria das pessoas quanto aos fatores que geram e perpetuam a violência em nossa sociedade é que haja tão grande destaque, e até mesmo sensacionalismo, em torno de episódios de violência subjetiva e, concomitantemente, um silêncio ensurdecedor acerca da violência objetiva que lhe serve de sustentáculo.