• Nenhum resultado encontrado

Desilusão: cenário externo desfavorável, crise da dívida externa, crise energética,

Capítulo 3: Voltando-se para dentro (1979-1989): a emergência do Eixo Sul, a aproximação

4. Desilusão: cenário externo desfavorável, crise da dívida externa, crise energética,

As relações do Brasil com o Eixo Assimétrico das relações bilaterais da política nucelar podem ser caracterizadas, entre 1979 e 1989, como pouco dinâmicas, em especial se comparadas com os períodos imediatamente anterior e posterior. Nesse período, o governo brasileiro consolidou a desconfiança que já se delineava contra os países do Norte Global em fins da administração Geisel. Essa consolidação deveu-se tanto à desilusão pela qual passaram os agentes do Executivo após a não concretização de todos os objetivos previstos no Plano 90 e no conjunto de acordos de cooperação com a Alemanha Federal assinado entre 1974 e 1976 quanto à intensificação das pressões dos Estados Unidos contrárias às ambições nucleares brasileiras (VARVAS, 1997).

Logo nos últimos momentos da administração Ford, ampliavam-se, nos Estados Unidos, os alardes relativos às possíveis ambições nucleares brasileira (GALL, 1976; MONIZ BANDEIRA, 1989, 2013), ao que se somava a crescente desconfiança da Casa Branca com relação à tese das explosões pacíficas, especialmente após os testes nucleares indianos. Esses alardes ocorreram, ao menos, em âmbito discursivo, mesmo que Washington considerasse, como mostrado por estudos realizados pela CIA211, que o Brasil não detinha tecnologia que o permitisse desenvolver tecnologia nuclear dual em menos de cinco anos212, em uma avaliação otimista que desconsiderasse a situação econômica sensível do país.

A pressão americana contrária às ambições nucleares brasileiras, que já tinha, no período anterior, contribuído para a conformação da “vertente perturbadora” (LESSA, 1998) com os Estados Unidos, exacerbou-se no governo Carter213, quando o presidente transformou a não proliferação em uma das suas principais bandeiras políticas (BRENNER, 2009). Como engenheiro nuclear, Carter via na não proliferação de armas nucleares um dos seus principais objetivos na Casa Branca e, para tal, mobilizou a

211 CIA, 13 jan. 1982 212 CIA 21 out. 1983 213 SCIENCE, 18 fev. 1977

95

diplomacia de seu país no sentido de aprofundar os rumos políticos delineados pelas administrações Nixon e Ford.

Entre esses rumos, destacam-se a multilateralização do tema214, o que implicou uso do GSN para tentar criar arcabouço normativo que impossibilitasse a aquisição de tecnologia nuclear por países não adeptos ao TNP, e as pressões bilaterais contra fornecedores competidores com os Estados Unidos, como a França e a Alemanha. Essa multilaterização incluiu aumento das pressões contra países como a Alemanha Federal215, os quais já tinham firmado acordo de cooperação com países não aderentes ao TNP, bem como se enquadrou na política de redução dos custos da hegemonia americana na gestão da ordem internacional, implementada desde a gestão Kissinger na Secretaria de Estado. A política de Carter contribuiu, ao contrário do esperado, para a intensificação dos esforços autóctones para desenvolvimento de tecnologia nuclear por países como o Brasil e África do Sul216, portanto os afastando das instituições nele vigentes no regime internacional de não proliferação nuclear, como o TNP e o sistema de salvaguardas da AIEA.

Ronald Reagan deu continuidade à política nuclear de Carter, porém transferiu a ênfase da não proliferação de armas para o comércio de tecnologia nuclear217. Esse viés comercial implicou tentativa de transformar os Estados Unidos em um “fornecedor confiável” (ENERGY POLICY, 1983: 168) de tecnologia nuclear218 e conferir maior liberdade de atuação aos países do Norte Global nas suas políticas de cooperação nuclear, por meio, por exemplo, da não ingerência sobre suas práticas de reprocessamento de plutônio (ENERGY POLICY, 1983: 169).

Com o Brasil, tanto no governo de Figueiredo quanto no de Sarney, as relações com os Estados Unidos continuaram marcadas pela “baixa sintonia política” (HIRST, 2009: 50) e pela manutenção das tensões nos “temas de divergência”, como tecnologias sensíveis (PECEQUILO, 2012: 43). Isso deveu-se, também, à pouca ênfase que a administração Reagan conferiu à América Latina em sua política externa e à categorização do Brasil como “um país que causa preocupação” (a country of

214 BERGER, 29 jan, 1977 215 SCIENCE, 18 fev. 1977 216 SCIENCE, 18 fev. 1977 217 ENERGY POLICY, jun. 1983

218 A imagem dos Estados Unidos como fornecedor de tecnologia nuclear para países terceiros estava desgastada desde as mudanças legislativas no governo Nixon, as quais dificultaram a exportação de urânio enriquecido para países não membros do TNP.

96

concerne)219, apesar de sinalizações positivas daquele presidente no campo nuclear, como, por exemplo, a temporária permissão de utilização pelo Brasil de urânio importado de outros países em Angra I220.

Além disso, a inteligência americana durante o governo Reagan continuou a ver com desconfiança as visões do novo presidente, José Sarney, sobre o tema nuclear, na medida em que ele manteve as mesmas diretrizes de Figueiredo, devido aos acordos com os militares para a redemocratização221. Dessa forma, o panorama geral de restrições impostas pelos Estados Unidos ao acesso a tecnologias sensíveis e a pressão exercida por Washington ante os demais países fornecedores de tecnologia nuclear contribuíram para manter a desconfiança nas relações bilaterais nucleares e, assim, afastar o Brasil da possibilidade de cooperação imediata com Washington no campo atômico.

Com a Alemanha, a principal parceira do Brasil no campo nuclear desde o governo Geisel, as relações também se arrefeceram e passaram a se restringir ao cumprimento dos acordos já estabelecidos, com eventual indicação de manutenção da parceria comercial e possível efetivação de cooperação trilateral com países como a Argentina222. Foi a Alemanha a uma das principais responsáveis, de imediato, pela desilusão ocorrida no governo Figueiredo, e mantida no governo Sarney, com relação às possibilidades de cooperação com o Eixo Assimétrico . Isso devido tanto ao fracasso das tentativas de cooperação junto à Inglaterra e à Holanda para realização de acordo com a tecnologia da URENCO quanto ao fracasso da tecnologia do jato centrífugo223 para usos comerciais em grande escala.

Bonn, ainda sob a chancelaria de Helmut Schmidt, também se distanciou do Brasil, apesar dos grandes esforços que dispensou na confecção do Acordo Brasil-

219 AA, 29 set. 1983

220“Like Argentina, Brazil is not party to the NPT, has not ratified the Treaty of Tlatelolco, and has not

agreed to full-scope safeguards. Consequently, the USA will not export enriched uranium to Brazil for its new Angra-1 nuclear power plant, despite an existing supply contract with the US Department of Energy. The cut off has created an anomalous situation, for Brazil's enrichment contract with the DOE for the supply of enriched uranium would impose a substantial fine upon Brazil if it were to use enriched uranium from a non-US source in Angra-1.

The dilemma was resolved on 15 October 1981, when Vice President Bush announced during a visit to Brazil that the USA had decided to temporarily exempt Brazil from the penalty provisions of the contract. By allowing Brazil to use enriched uranium from another source without penalty, the Administration sought temporarily to remove a source of friction in US- Brazilian relations and to improve the atmosphere for US negotiations to get Brazil to agree to full-scope safeguards.” (ENERGY POLICY, jun. 1983:169)

221 CIA, 8 set. 1986 222 AA, 23 fev. 1984

223 JORNAL DO BRASIL, 19 jan. 1985; CIA, 21 out. 1983; Depoimento de Othon L. P. Silva à CPMI sobre o programa paralelo (CN, 1990: 51-77)

97

Alemanha de 1975. Isso ocorreu após a inviabilização comercial do jato centrífugo e devido ao papel mais importante que passou a exercer na política alemã novos parceiros no setor nuclear, como o Irã224. O Brasil, contudo, continuou a exercer papel importante na consecução do sonderweg alemão, em especial devido à constituição de empresas binacionais que dariam à República Federal novo local para enriquecer urânio – o que a ela fora proibido fazer em seu próprio território, devido aos acordos de Paris de 1954. Dessa forma, ao menos do âmbito discursivo, Bonn manteve sua posição de diferenciar os casos do Brasil e Argentina daqueles da Índia e do Paquistão225, afirmando que o aqueles já estavam suficientemente salvaguardados por acordos trilaterais com a AIEA, ao passo que estes nunca foram suficientemente abarcados pelo regime internacional de não proliferação nuclear.

No governo Sarney, o programa de cooperação com a Alemanha Federal foi ainda mais fortemente minado, de modo a tornar-se pouco operativo. Das oito usinas previstas, apenas uma fora construída, Angra II, e das seis empresas instituídas pelo acordo, apenas duas (NUCLEN e NUCLEP) mantiveram-se operantes, sendo três (NUCLAM, NUCLEI, NUCLEMON) incluídas no plano de desestatização de 1988. Na prática, então, a cooperação com a Alemanha foi, gradualmente, desmontada, passando a se restringir a um pequeno grupo de instituições, cuja mais importante era Angra II. Em 1994, inclusive, o Acordo de 1975 será substituído por novo acordo bilateral, menos abrangente e menos impositivo na questão das salvaguardadas, porquanto essas já teriam sido englobadas pelo acordo Quadripartite, de 1991226.

Documentos relacionados