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O ácido peracético (APA) é uma alternativa viável à cloração de águas residuárias. O APA é um peróxido, apresentando fortes capacidades oxidantes e desinfetantes. Seu potencial de oxidação (1.76 V) é maior que cloro aquoso (1,48 V) e dióxido de cloro (1,28 V) (DU et al., 2018). Sua eficácia bactericida, virucida, fungicida e esporicida, foi demonstrada em vários setores industriais e médicos. Por isso, o uso do APA como desinfetante para efluentes de águas residuais despertou atenção de diversos pesquisadores nos últimos anos (ROSSI et al., 2007).

O APA é comercializado como uma mistura em equilíbrio quaternário contendo ácido acético (CH3CO2H), peróxido de hidrogênio (H2O2), APA (CH3CO3H)

e água (KITIS, 2004). Durante o uso, o APA se decompõe, resultando na formação de ácido acético e oxigênio, resultando no aumento da DBO e DQO no efluente final, de acordo com as equações 44 a 48 (SILVA et al., 2020):

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(45)

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(47)

(48)

O mecanismo de reação para o ácido peracético consiste em cinco etapas. Inicialmente ocorre o protonamento do oxigênio carbonílico da molécula de APA (Etapa 1). A seguir, forma-se uma ressonância estrutural que resulta na formação de um carbocátion. Essa estrutura é atacada por uma molécula de água (Etapa 2). Subsequentemente, existem três ataques do meio de reação (Etapas 3, 4 e 5), resultando em um equilíbrio, formando uma molécula de ácido acético e peróxido de hidrogênio (SILVA et al., 2020).

A diferença de energia entre a etapa 1 a 4 é de 6,96 kJ/mol, assim, o deslocamento da reação em direção à formação de ácido acético e peróxido de hidrogênio é favorecido, mas devido à baixa diferença de energia entre as etapas, é estabelecido um equilíbrio correspondente à estabilidade do composto. Dessa forma, a composição comercial do APA corresponde a um composto de água (46%), APA (15%), peroxido de hidrogênio (23%) e ácido acético (16%) (SILVA et al., 2020).

Estudos sugerem que o APA provavelmente pode reagir com vários componentes da água ou efluente, tais como os halogênios (cloreto, brometo e iodeto) para formar oxidantes secundários (HOCl, HOBr e HOI) e que essas espécies secundárias oxidantes podem reagir com matéria orgânica dissolvida para formar compostos halogenados (SHAH et al., 2015a).

CH3CO3H ⇌ CH3COO- + HO

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CH3CO3H ⇌ CH3CO2O+ H 50

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HO + Cl ⇌ HOCl 52

HO + Br ⇌ HOBr 53

Além disso, a formação de ácido hipocloroso como subproduto da desinfecção por APA pode reagir com o íon amônio presente no efluente e formar cloraminas. Pode ocorrer também a produção radical a partir de APA possibilitando a reação com proteínas como descrito na equação 54 (KERKAERT et al., 2011).

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O radical HO• é conhecido por ser altamente reativo a muitos produtos químicos orgânicos, enquanto as espécies Cl•, Cl2• e ClO• são mais seletivos para

compostos ricos em elétrons, tais como fenol, quinolina e dimetilanilina a taxa quase controlada por difusão (DUAN et al., 2018). O radical HO• ataca indistintamente todas as espécies presentes no meio reacional, oxidando compostos orgânicos pela abstração de hidrogênio ou acoplando-se em duplas ligações e anéis aromáticos em diversas reações orgânicas de substituição ou eliminação nucleofílica (AGUIAR et al., 2007). A ação desinfetante do APA ocorre pelo ataque à membrana celular bacteriana, causando o rompimento nas ligações contendo enxofre nas enzimas que as compõe, prejudicando atividades como: o transporte ativo através da membrana e os níveis de soluto dentro das células (COLLIVIGNARELLI et al., 2018; JOLIVET-GOUGEON et al., 1996).

Em geral, a desinfecção com APA ocorre em estruturas de simples aplicação, semelhantes aos sistemas de armazenamento e dosagem de hipoclorito de sódio (COLLIVIGNARELLI et al., 2018). Quando comparado APA a outros desinfetantes utilizados para desinfecção de efluentes domésticos, a sua eficiência de inativação de coliformes totais e E. coli, segue a ordem decrescente: cloro ≥ APA > ozônio > radiação ultravioleta (DA COSTA et al., 2014).

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virtude das propriedades oxidativas e desinfetantes do APA, sendo avaliado em conjunto com diversas tecnologias visando o reúso direto ou indireto do efluente tais como: a oxidação e desinfecção por APA de efluentes domésticos secundários e terciários tratados por filtração (HASSABALLAH et al., 2019); a oxidação/desinfecção por APA dos efluentes domésticos provenientes de reatores de filtros biológicos granulares visando reúso agrícola (DE SANCTIS et al., 2016); a desinfecção por APA do efluentes domésticos proveniente de filtro biológico e decantador, visando melhorar o desempenho das estações de tratamento de efluente (BONETTA et al., 2017); a desinfecção por APA do efluente da indústria de processamento de aves, para fins de reúso industrial (MICCICHE et al., 2019).

ENSAIOS DE TOXICIDADE BIOLÓGICA.

Ensaios biológicos são importantes ferramentas para a administração dos recursos naturais e controle da toxicidade do lançamento de efluentes após o tratamento. Estes experimentos oferecem conhecimento e informações básicas para avaliar a presença de contaminantes, para compreender os sistemas ambientais e para dar suporte às políticas ambientais (ICMBIO, 2014).

Em geral, as comunidades biológicas refletem os efeitos cumulativos de diferentes contaminantes estressores tais como, excesso de nutrientes, produtos químicos tóxicos, aumento da temperatura, carga excessiva de sedimentos, entre outros. Portanto, fornecem uma medida geral do impacto agregado dos estressores. A avaliação biológica é uma ferramenta útil para avaliar a condição ecológica geral, porque integra múltiplos estressores ao longo do tempo (DRESSING, S. A. et al., 2016).

Quando organismos vivos são usados para avaliar as possíveis mudanças no ambiente, na qualidade da água ou efluente, o monitoramento é chamado de monitoramento biológico ou biomonitoramento. Nessa abordagem avaliativa, utilizam- se marcadores biológicos tais como: tecidos, fluidos corporais, mudanças bioquímicas, letalidade, entre outros, para indicar a presença e o efeito de contaminantes ou para alertar sobre efeitos iminentes (BRITO, 2010).

Testes com embriões e larvas de peixes em estudos ecotoxicológicos tem sido frequentemente utilizados para modelagem de efeitos tóxicos de águas

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superficiais contaminadas e águas residuais (BRITO et al., 2018). O estágio embrionário-larval representa uma fase sensível para o ciclo de vida de peixes, e pode ser uma maneira eficiente de verificar a toxicidade da exposição aguda aos contaminantes dos efluentes (EMBRY et al., 2010).

Brito et al. (2017) utilizaram um modelo estocástico de base individual (MBI) para avaliar a taxa de sobrevivência embrionária-larval de peixes Rhamdia quelen expostos a diferentes fontes de poluição. Os resultados apontaram taxas elevadas de mortalidade para os efluentes domésticos não tratados, tratado por reator UASB e efluente UASB pós-tratado por ozônio e cloro.

Välitalo et al. (2017) estudaram a toxicidade para embriões de truta-arco-íris causada pelos efluentes domésticos tratados em 7 estações de tratamento de esgoto, compostas por sistemas de lodo ativado e filtração em areia. Foi detectado que a atividade estrogênica e a interrupção da tireoide ainda eram detectáveis nos efluentes, sugerindo que algumas substâncias nocivas permanecem após o tratamento.

Brito et al. (2018) avaliaram o efeito de sobrevivência e as deformidades morfológicas em embriões e larvas de Rhamdia quelen causados pelo contato com as águas do rio Iguaçu, localizado no estado brasileiro do Paraná. Os resultados mostraram um alto nível de poluição em todos os locais estudados, incluindo HPAs e metais tóxicos como o chumbo.

García-Cambero et al. (2019) avaliaram a eficiência e a segurança de dois tratamentos terciários de efluentes domésticos associado a um processo de oxidação fotocatalítica (UV/TiO2/O2), por meio de bioensaios com embriões e larvas de peixe-

zebra. Em geral, a resposta tóxica do modelo mostrou-se mais sensível do que o próprio monitoramento físico-químico do efluente.

De acordo com a norma 15088-2007 proposta pela International Organization

for Standardization (ISO, 2007), a toxicidade aguda de efluentes domésticos e

industriais tratados podem ser verificados em testes com ovos e larvas de peixes

Danio rerio.

O bagre prateado Rhamdia quelen (Quoy e Gaimard, 1824) é uma espécie de ocorrência natural da América do Sul amplamente utilizada em fazendas de peixes, de fácil adaptação a condições laboratoriais com alta proximidade filogenética de outras espécies siluriformes endêmicas dos rios Paranaenses (BRITO et al., 2018; PEREIRA et al., 2006). Avaliações de risco ecotoxicológico poderiam ser facilitadas

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através do uso dessa espécie para modelar o impacto da reutilização de efluentes domésticos tratados.

De modo a investigar o efeito da exposição de Rhamdia quelen aos efluentes tratados ao nível populacional, pode ser aplicado aos dados experimentais o MBI desenvolvido por Brito et al. (2017).

Resumidamente no MBI, os indivíduos de Rhamdia quelen são modelados pela sua idade em três diferentes fases do ciclo de vida, considerando as diferentes probabilidades de sobrevivência associadas a cada fase.

A fase 1 corresponde a fase embrião-larval nas primeiras 96 horas após a fertilização (hpf). Nesta fase, assume-se que eles não competem por recursos e a probabilidade de sobrevivência (SA) é afetada apenas por causas naturais e pelo

impacto causado por contaminantes.

Na fase 2 (juvenil), os indivíduos absorveram completamente a gema (96 hpf) e iniciam a alimentação exógena. Nessa fase, assume-se que os juvenis forrageiam localmente e competem por recursos, de modo que o modelo considera a probabilidade de sobrevivência na ausência de competição (b), sendo limitado pelo fator de dependência de densidade da competição para resultar na sobrevivência final probabilidade desta fase (SB).

A Fase 3 reprodutiva (adulta), que inclui indivíduos de 1 a 21 anos, os quais se reproduzem anualmente e não competem por recursos, uma vez que os peixes adultos se dispersam e forrageiam em áreas maiores. Assim, como na fase embrião- larval, a probabilidade de sobrevivência da fase 3 (SC) é afetada apenas por causas

naturais e pelo impacto causado pelos contaminantes.

Como o efeito da contaminação em juvenis e adultos é desconhecido, pode ser investigado um cenário hipotético em que às três fases sofrem as mesmas intensidades de impacto observadas experimentalmente na taxa de sobrevivência da fase embrião-larval.

Em geral, todos os indivíduos da população são submetidos individualmente à probabilidade de sobrevivência de sua própria fase e os sobreviventes seguem para a população do ano seguinte. Portanto, em cada etapa de tempo do modelo (1 ano), dependendo do impacto causado à probabilidade de sobrevivência de cada fase, um certo número de indivíduos nasce, torna-se juvenil e a população adulta se reproduz e obtém um ano de idade.

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De acordo com Brito et al. (2017), as simulações matemáticas devem ser aplicadas em um período de 100 anos em condições ideais para atingir o comportamento assintótico da dinâmica populacional e depois 100 anos de impacto causado pelo contato com o efluente.

Sendo assim, o MBI associado as análises físico-químicas do efluente tratado pode fornecer indícios da qualidade do tratamento do efluente final e como sua reutilização pode afetar o ambiente e a população.

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