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Deslocados por razões econômicas

No documento TESE FINAL A. Nascimento 10 12 14 (páginas 34-37)

Capítulo I: Aproximação com refugiados e outros grupos

I. 5. Deslocados por razões econômicas

Não há um conceito de PDI que inclua as razões econômicas como motivos de deslocamentos. Há na literatura uma tendência a considerá-los migrantes espontâneos, e não forçados.

Apesar disto os Princípios Orientadores Relativos aos Deslocados Internos trata em dois dos seus Princípios sobre proibições que estão diretamente relacionadas às questões econômicas. Diz no seu Princípio 6 sobre a proibição da deslocação arbitrária em casos de projetos de desenvolvimento de grande escala, assim como no Princípio 9 diz sobre a obrigatoriedade dos Estados em evitar a deslocação de pessoas indígenas, minorias, camponeses, pastores e outros grupos que tenham uma dependência e ligações

especiais às suas terras26.

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I. 5. 1. Novas formas de escravatura: escravatura moderna

Diretamente relacionado com o deslocamento de pessoas por razões econômicas, estão novas formas de escravatura como: o tráfico de pessoas para fins sexuais ou trabalho serviçal.

O século XXI é caracterizado pelo desenvolvimento das novas tecnologias, incluindo os meios de transportes, e o incremento do intercâmbio de pessoas. Essa facilidade é usada por quadrilhas internacionais que através de falsas promessas de emprego levam pessoas em direção aos países desenvolvidos e também em direção aos países em desenvolvimento, retêm seus passaportes e as mantêm como escravas sexuais ou em fábricas clandestinas em regime de trabalho escravo.

Acreditamos que a perpetuação da escravatura, adaptada aos sistemas econômicos, políticos e financeiros vigentes, pode ser vista sobre vários prismas e ideologias, mas a necessidade e a busca por mudanças devem ser universais. Apesar de estarem presentes geralmente nos países em desenvolvimento devemos levar em consideração fatores implícitos em um mundo globalizado e interdependente, onde as desigualdades são pilares que sustentam a criação, adaptação ou manutenção de sistemas de exploração como a escravatura. Acreditamos que há uma ascensão da escravatura nos dias atuais. Claro que por razões de aparência em respeito aos direitos

individuais, não se trata de possuir pessoas legalmente, mas de controlá-las27.

27 Alguns relatórios e estudos permitem sustentar esta ideia, como os de: Quirk (2008); Joppke (2007);

Marques (2004); e, Miers (2003). Denúncias também corroboram nossa afirmação, provenientes da ONU (http://www.ceert.org.br/acontece/noticia.php?id=4134 e http://www.mst.org.br/book/export/html/10072), UNICEF (http://www.onu.org.br/unicef-para-eliminar-o-trabalho-infantil-e-preciso-atacar-as-raizes-

desse-problema/) ou de organizações internacionais anti-escravidão

(http://www.antislavery.org/english/slavery_today/what_is_modern_slavery.aspx,

https://www.freetheslaves.net/sslpage.aspx?pid=301 e http://www.walkfree.org/pt-br/). Recentemente, em abril de 2014, a fast fashion (termo utilizado por grandes magazines para produção rápida e contínua de novidades) Zara, foi condenada pela justiça brasileira em manter, em 2011, 15 trabalhadores (na área de costura) em condições análogas à escravidão. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) diz que a fragilidade das leis brasileiras e a utilização de mão-de-obra de imigrantes ilegais facilita a perpetuação de práticas de escravatura contemporânea, e estima que 42 mil pessoas foram libertadas de condições

análogas à escravidão de 1995 a 2010 no Brasil. Disponível em:

http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2012/05/lei-vigente-nao-inibe-escravidao-contemporanea/ e http://revistalofficiel.com.br/zara-e-considerada-responsavel-por-caso-de-escravidao/. Acesso em: 28/04/2014.

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Relacionemos então esse fato com a questão das migrações. Até que ponto a ineficácia de políticas públicas e até mesmo o desinteresse dos Estados em relação às migrações econômicas, já que buscam retê-las e só a possibilitam quando há interesses por falta de mão-de-obra ou envelhecimento populacional, não favorece a continuidade e alimentam a nova escravatura? Um exemplo bastante corriqueiro é o caso de pessoas que veem negadas as possibilidades legais em entrar em alguns países, sujeitando-se a indústria do tráfico de pessoas. Sendo violentadas fisicamente, sexualmente e psicologicamente, ou obrigadas a trabalhar para pagar a sua “dívida” por vezes através da prostituição.

Outra questão essencial no que diz respeito à manutenção ou não da escravatura são as leis e acordos referentes a “real” escravatura que não vieram acompanhados de

políticas de inserção social28. Por não ter havido, desde a época do fim da escravidão,

políticas de integração dos negros à sociedade brasileira, bem como vontade política, somente, recentemente, após cerca de 120 anos do fim da escravatura, houve com a organização do Movimento Negro (cansados de esperar que as mudanças ocorram de cima para baixo) e efetiva articulação com o Estado e as universidades federais

brasileiras adotaram as chamadas cotas (reserva de vagas) para negros29. As cotas,

mesmo no caso brasileiro que foram implementadas de maneira desordenada, vão de encontro ao desinteresse das elites nacionais em garantir igualdade a todos, independente da cor da pele.

Enquanto algumas organizações de Direitos Humanos procuram expor as diversas formas de escravatura atuais, alguns Estados buscam camuflá-las. A análise desta posição dos Estados, que pode ser comparada quando se fala nas condições de proteção das Pessoas Deslocadas Internamente nos seus territórios, é entendida, já que assumir a presença de “cidadãos” nessas situações, seria admitir sua incompetência em garantir os direitos básicos e fundamentais a todos e até mesmo sua perseguição.

28 Um exemplo é o Brasil: antes da Lei Áurea (Lei da Abolição da Escravatura) de 1888 foram assinados

acordos simplesmente por pressões internacionais antiescravistas como: a Lei do Sexagenário onde os escravos com mais de 60 anos ficavam libertos; e a Lei do Ventre Livre que a partir da sua ratificação os filhos de escravos que nasciam eram livres. Como imaginar que os poucos escravos que chegassem aos 60 anos teriam condições físicas e oportunidades de renda, e os filhos nascidos, como sobreviveriam se seus pais ainda fossem escravos.

29 O Estatuto da Igualdade Racial entrou em vigor no último ano do Governo Lula (2010), que dentre

outras políticas, prevê a Lei de Cotas, reservando parte das vagas das universidades federais para negros, pardos e índios, assim como para estudantes egressos de escolas públicas e com renda familiar igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita.

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Na escravatura do passado, as diferenças étnicas e raciais eram justificativas do “processo civilizatório”, mas hoje normalmente são os fatores econômicos que a definem. Os modernos escravocratas estão adaptando uma prática antiga à nova economia global. Dois fatores são decisivos na mudança da velha para a atual escravatura: o crescimento populacional, especialmente dos países em desenvolvimento, fazendo crescer o número de potenciais escravos e baixando seus preços; e, as mudanças dos modos de subsistência por razões econômicas, como no caso brasileiro onde as elites nacionais expulsam os camponeses de suas terras, substituindo a agricultura de subsistência pela comercial (que faz eclodir movimentos sociais como os “Sem-Terra”).

Atualmente, generalizando, os escravos são mantidos sob ameaça de violência, mas não são legalmente propriedade do escravocrata, além disso, o trabalhador escravizado é tornado responsável pela sua manutenção, sendo abandonado quando se torna incapaz ou doente. A diferenciação étnica não é tão rígida, sendo a riqueza e o poder a distinção fundamental.

No documento TESE FINAL A. Nascimento 10 12 14 (páginas 34-37)

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