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Deslocamento conceitual: o processo de execução penal como via de

CAPÍTULO 3. HUMANIZAÇÃO DAS PENAS COMO FIM DO ESTADO

3.2 Deslocamento conceitual: o processo de execução penal como via de

O Período humanitário na execução das penas inicia-se a partir da necessidade de adequar a aplicação da pena aos fins de ressocialização dos criminosos, pois a consciência comum do povo clamava por modificações e reformas no direito repressivo. É a essência da obra de Beccaria a defesa do indivíduo contra as leis e a justiça daqueles tempos, que se notabilizaram; aquelas, pelas atrocidades; e esta, pelo arbítrio e servilismo aos fortes e poderosos. “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada em lei"111.

O princípio da dignidade da pessoa humana foi consagrado pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948 e recepcionado no Brasil pela CF/88. A Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, inciso III, diz que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Brasileiro, não admitindo-se distinções entre pessoas, que mesmo tendo infringido a lei, têm direitos

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BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984. Lei de Execução Penal, artigo 1º. In: Vade Mecum, 16.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 40.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. p.89.

111

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas; tradução de Torrieri Guimarães. 2 ed. São Paulo: Martin Claret, 2007, p..

garantidos pelo Estado. Todo ser humano precisa ter atendidas as condições existenciais mínimas, como nos ensina Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior:

Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado, alcançando ainda maior destaque no Direito Penal onde o condenado será encarado como sujeito de direitos, e deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena privativa. Note-se que a pena é privativa de liberdade, e não da dignidade, respeito e outros direitos inerentes à pessoa humana 112.

O Período Humanista da Pena começa no movimento renascentista e com a primazia dos ideais iluministas. Surge a valorização do livre arbítrio e do respeito ao homem. A pena passa a ter justificativa racional, não bastando mais o sentimento de vingança ou de justiça divina.

Não havia qualquer preocupação com o aspecto humano do condenado, mesmo porque não se tratava de uma pena em si mesma. Já nos estabelecimentos modernos, esta preocupação é fundamento teórico do sistema. Por isso criou-se todo um conjunto de normas visando proteger o condenado do arbítrio estatal e „humanizar‟ o quanto for possível, o cumprimento da pena numa prisão 113.

O Direito Penal Brasileiro é baseado no princípio da intervenção mínima, ou seja, a intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão será a mínima possível, com o intuito de permitir o convívio social e desenvolvimento individual. A pena como medida extrema e grave, deve ser aplicada apenas quando estritamente necessária para evitar um mal maior. O Estado na aplicação do uso do jus puniendi deve sempre observar a proporcionalidade e adequação das penas ao crime cometido.

Por vedação constitucional não é possível a aplicação de penas cruéis, de trabalhos forçados e de banimento, por serem atentatórias à dignidade humana. Surge o princípio da humanidade das penas, que garante a proteção aos bens jurídicos com respeito à dignidade humana.

Durante muito tempo o condenado foi objeto da Execução penal e só recentemente é que ocorreu o reconhecimento dos direitos da pessoa humana condenada, ao surgir a relação de Direito publico entre Estado e o condenado. 114

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CORRÊA JUNIOR, Alceu; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Pena e constituição: aspectos relevantes para sua aplicação e execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p.31.

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LEAL, João José. Penitenciarismo Brasileiro, Sombra Sinistra da Sociedade Desajustada em

que Vivemos. Doutrinas Essenciais Processo Penal, vol. 6, p. 607. Revista dos Tribunais. São Paulo:

Jun. 2012.

114

CAMARGO, Virginia. Realidade do Sistema Prisional no Brasil. In: Âmbito Jurídico ,Rio Grande,

IX,n.33,set2006.Disponívelem:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigo s_leitura&artigo_id=1299>. Acesso em 10 de abr 2014.

A preservação da integridade pessoal dos delinquentes é elevada a categoria de direito fundamental. Garantindo proteção legal ao preso e respeito a todos os princípios constitucionais relacionados a execução penal. Durante o cumprimento da pena a lesão provocada pelo Estado visa o bem comum, inclusive do apenado.

A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se por meio da execução, punir e humanizar 115.

Apesar da pena ter um caráter expiatório, mesmo assim é totalmente voltada para a proteção da sociedade. Além de ter função exemplar e retribuitiva, ela tem um escopo de melhoramento, servindo para reeducação do delinquente. A justiça penal deve ter em consideração a pessoa humana além das simples exigências da técnica processual, afim de que o tratamento penal seja humanizado.

Busca-se a humanização da execução penal que em nada põe em risco a ordem e a segurança pública. Um Estado democrático de direito deve proporcionar o bem-estar social respeitando todas as normas de direitos humanos, garantindo uma integração social do condenado ou do internado, ou seja, além da prevenção de novos crimes visa-se a humanização do processo executório. Não apenas punir, mas humanizar.

A execução penal possui natureza jurisdicional, apesar da intensa atividade administrativa que a envolve. E por ter natureza jurisdicional o processo de execução das penas está sujeito aos princípios e garantias constitucionais. A intenção da punição não é exterminar o condenado, mais transformá-lo e reinseri-lo no convívio social.

O Estado deve definir técnicas de correção individualizada e utilizar-se de instrumentos capazes de provocar uma transformação comportamental no indivíduo infrator sem restringir os direitos inerentes ao ser humano além daqueles estritamente necessários ao cumprimento da pena. A intervenção estatal na vida do condenado deve ser a mínima possível para garantir-lhe a preservação da dignidade humana.

Em particular, deve-se observar o princípio da humanização da pena, pelo qual deve-se entender que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que

115

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 32.

devem ser respeitados, sem que haja excesso de regalias, o que tornaria a punição desprovida de sua finalidade 116.

Em decorrência dos princípios da segurança e da certeza jurídica somente o Estado é que pode tornar efetiva a sanção penal, ainda que decorrente de condenação imposta em ação penal privada, inexistindo outro titular do direito de fazer cumprir, executar, o título que se formou com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Portanto a fase de execução penal será sempre de natureza pública.

Criou-se o direito penal para vincular a cada infração uma pena, qualitativa e quantitativamente preestabelecida. O Estado se autolimita não podendo aplicar outra pena senão aquela que escolheu para punir determinada conduta típica. Além do mais não pode esquecer que o sentenciado é um homem, ainda que apartado da sociedade pela sua delinquência, e a pena jamais pode perder o caráter humanitário que envolve toda a execução penal.

Seguindo uma sequência lógica surge o direito processual penal que rege as relações entre o Judiciário, a vítima e o delinquente, garantindo o contraditório e a ampla defesa na apuração dos fatos, servindo como um importante instrumento de humanização do processo acusatório. Nesse sentido nos ensina Antônio Alberto Machado:

É por levar em conta a situação de inferioridade do réu perante o aparato repressivo do Estado que o processo penal se constitui mesmo num instrumento de salvaguarda das várias formas de liberdade do indivíduo, de modo a não permitir que a disparidade entre a situação frágil do acusado e a superioridade do Estado, na relação processual penal, se aprofunde a ponto de aniquilar importantes conquistas das sociedades democráticas, tais como a condição de sujeito de direito atribuída aos acusados, a dialética contraditória dos processos criminais e a isonomia substancial que deve haver entre os sujeitos processuais 117.

Por último temos a fase de execução da pena, que permite um tratamento humanizado ao indivíduo já condenado pela prática de um crime, determinando as regras mínimas para cumprimento de sua pena. Nesse contexto a lei de execução penal nos traz o passo a passo para aplicação das penas. Não sendo mais admissível qualquer punição atentatória a dignidade humana. Sendo o homem sujeito de direitos fundamentais invioláveis mesmo após condenação penal.

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MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 34.

117

MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. 6ª ed. atual. de acordo com a Lei nº 12.850/2013. São Paulo: Atlas, 2014.

Uma vez condenado o autor da infração penal deve ter todos os seus direitos respeitos na fase de execução da pena. O direito-dever de punir do Estado encontra limites no próprio ordenamento jurídico estatal, sujeitando-se aos limites e garantias constitucionais.

As limitações impostas ao poder punitivo do Estado visam a impedir o despotismo do poder público e evitar atrocidades como aquelas ocorridas antes do séc. XVIII. É o direito objetivo que deve consagrar normas e princípios onde o Homem seja colocado como medida do poder punitivo 118.

A execução forçada decorrente de sentença penal só poderá ser feita pelo Poder Judiciário, respeitando-se entre outros os princípios do contraditório, da ampla defesa, da legalidade, da impessoalidade do juiz, da proporcionalidade, da razoabilidade e do duplo grau de jurisdição. Este último permitindo ao condenado o direito de interpor recurso da decisão do juiz de primeira instância, garantido uma decisão o mais justa e adequada possível para o caso concreto.

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