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Deslocamento

No documento PABLO GARCIA DA COSTA (páginas 67-69)

Pela investigação da trajetória de K-ximbinho, surgiu a questão do êxodo de muitos músicos do nordeste para o sudeste brasileiro40. Esse processo migratório é percebido de várias formas no discurso do compositor. Inicialmente sair, significava buscar conhecimento e desenvolver a prática musical. O desejo de se aperfeiçoar permitia que K-ximbinho suportasse qualquer percalço.

Paulo Tito - [...] você se emocionou então quando foi pro sul?

K-ximbinho - Não, porque eu tinha vontade de voltar, sabe, logo. Eu vou te contar

porquê. [...] o Porfírio disse “eu quero te levar lá no ponto dos músicos” e lá fui eu. De roupa de caroá, bacana! Aí eu cheguei lá e disse “olha esse aqui é o primeiro alto da orquestra de Fon-fon atualmente, os caras olhavam assim de baixo pra cima com o instrumento debaixo do braço e eu comecei a escutar uma conversa que não me agradava. “eu gravei hoje com fulano, eu gravei hoje com cicrano, eu amanhã vou fazer um show com Carlos Machado”. Eu disse “viii, já num gostei desse negócio não, eu to com vontade de ir embora amanhã, detesto esse negócio de auto-elogio,

40 Embora nos depoimentos se verifiquem os termos Sul e Norte, apenas se referem às noções de extremidade e

farol, essa coisa toda”. Porfírio disse “não, deixa isso pra lá, o negócio é assim mesmo”. Daí já tive vontade de ir embora. Não fiquei empolgado. Depois tive que pegar um bonde, nesse tempo tinha bonde. O navio ficou atracado no armazém 17, tive que vir pela Rodrigues Alves, eu com a mala na mão e gente pra burro, os caras tinham que trabalhar. Eu disse “não, no norte num tem disso não, eu vou é voltar, ficar em casa em uma praia, comer um peixinho, a coisa toda.” Depois quando eu ensaiei, comecei a ensaiar no dia seguinte, aquela coisa toda, aí veio aquela empolgação do mestre [Fon-fon]. Porque o primeiro dia foi ensaio só pra testar, num sei o que, ele já gostou, inclusive mandou buscar uma boquilha especial no Paulo, tinha um som! É um mestre, foi um mestre. No segundo ensaio em diante, eu já fiquei. Disse “não, vou deixar essas coisas que escutei pra lá, porque eu vim aqui foi pra aprender né e aqui é a escola que eu preciso.” Depois me habituei. (K- XIMBINHO, 1975)

A longa citação se justifica pela quantidade de informações que fornece sobre a questão da adaptação. Inicialmente K-ximbinho se vê e é visto como um emigrante do distante e calmo nordeste brasileiro para a turbulenta e ousada capital do país, até então a cidade do Rio de Janeiro. Nesse processo de adaptação que se confunde inicialmente com acomodação, K-ximbinho se estabelece na cidade e segue trabalhando em formações instrumentais para fins diversos. Em seguida a noção de adaptação passa a ser entendida aqui como estratégia e negociação, dessa forma, verifica-se que K-ximbinho, ao mesmo tempo em que atende às demandas profissionais e financeiras, também obtém retorno quando começa e refletir sobre sua atuação antes como instrumentista, em seguida também como compositor. O retorno se verifica pela liberdade que o compositor encontra para sugerir seus arranjos nas sessões de gravação que participa e posteriormente na possibilidade de gravar seus próprios discos com a formação instrumental e arranjo que lhe agradasse. Essa reflexão passa a ser percebida em suas composições e mais tarde em seus depoimentos.

A versatilidade do músico, e nesse caso se estende também aos músicos que não saíram do nordeste, é analisada por K-ximbinho como um elemento que foi forjado pela formação nas bandas de música e pela atuação em várias formações instrumentais e musicais. Essa vivência, segundo o compositor permitiu que o músico popular se adaptasse a qualquer desafio profissional, tocando em orquestra popular ou erudita.

Além da possibilidade de tocar outros gêneros musicais profissionalmente, a cidade do Rio de Janeiro, segundo K-ximbinho, permitiu acesso às informações diversas, nesse caso, quando os elementos do jazz não se faziam presente por meio de discos, o estudo sistemático já era possível.

K-ximbinho – [...] agora mesmo eu estou fazendo um... que é pra não estar parado, estar em dia com o movimento musical do mundo, to fazendo um curso na Berklee School of Music, de Boston, Estados Unidos, onde estou satisfeitíssimo, além de já ter feito um curso de orquestração e contraponto com o professor Koellreutter, muito conhecido no mundo.

[...] é por correspondência, mas é um curso que é preciso que se tenha algum conhecimento, antes já tenha estudado bastante pra poder assimilá-lo.

[...] eles mandam a apostila e a gente vai remetendo as lições... por exemplo o meu caso, eu paguei logo o curso completo, recebi todas as lições e vou mandando, eles vão corrigindo e tudo corre normalmente. Estou muito satisfeito. (K-XIMBINHO, 1980b)

A referência a Koellroutter é significativa para K-ximbinho. Segundo o compositor, antes mesmo de poder estudar, mesmo que por correspondência, pela Berklee, foi por meio de Koellreoutter que se viu de fato fazendo um curso de resultados concretos e que permitiram, além de aperfeiçoamento da técnica como arranjador e instrumentista, repassar o conhecimento que tanto valorizava.

Tarcísio Gurgel - Que momento na tua vida de músico, de artista marcou mais

você,[...] que você desenvolveu pra chegar até o ponto em que você chegou como músico?

K-ximbinho - foi quando consegui achar um professor que eu gostaria de ter que foi

esse que eu citei há pouco [Koellreutter] e apanhar com ele o material que eu desejava mesmo, ou seja, harmonia para orquestrações, harmonia moderna e, em suma, estudo geral da música durante cinco anos e com esse material eu fazer o que eu faço hoje, lecionar. Pra mim é o maior prazer que eu tenho foi o auge da minha atividade artística. [...] esse foi o momento culminante, foi apanhar com esse professor, que é considerado um dos maiores do mundo, Koellreutter, cuja atividade todo mundo conhece, [...] eu me senti talvez realizado musicalmente com essa aprendizagem, com esse aprendizado. (K-XIMBINHO, 1975)

Essa dificuldade em encontrar formação específica é verificada quando o compositor faz referência à falta de estudo sistemático e específico sobre jazz no Brasil. O que sugere além da crítica posterior sobre o mercado musical, uma crítica sobre a formação musical diversificada.

Lílian – aqui no Brasil é difícil encontrar uma extensão pra esse tipo de coisa?

K-ximbinho – sim, muito difícil, nós não temos infelizmente escolas avançadas, musical, que sirva para o músico moderno. Tem que se fazer sacrifício para obter bons ensinamentos. A Berklee School é uma das maiores do mundo nesse ramo, então como a atividade aqui no Brasil quase que já cessou eu to sempre estudando pra transmitir pra alguém que me peça orientação. (K-XIMBINHO, 1980b)

No documento PABLO GARCIA DA COSTA (páginas 67-69)