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Em fevereiro de 2015, retornei à Serra Talhada e busquei contato com as lideranças da APOINME. Fui então para cidade de Rodelas para me encontrar com os Tuxá e a liderança da região Norte da Bahia, onde pude conhecer seus parceiros de luta. Fui convidada a andar com eles, e no intervalo, visitei a T.I. Pankararu pelo convite de uma amiga que fazia pesquisa junto a uma família na aldeia Brejo dos Padres e durante duas semanas, fiz trabalho de campo sobre água. Quando retomei o contato com a liderança Tuxá, fomos visitar diversos povos do sertão de Itaparica e consegui espaço para visitar os Pipipã. Antes, ainda retornei para a T.I. Pankararu para mais uma estadia de uma semana. Somente depois, segui para a cidade Floresta e a aldeia Travessão de Ouro onde conheci os Pipipã e comecei a observar de perto a chegada do canal leste ao

território reivindicado pelo grupo. O fim do percurso se deu em junho e pude perceber que eu havia seguido o fluxo do rio São Francisco ao seguir o fluxo de seus povos, apesar de vários trajetos, avanços e retornos.

V. ESTRUTURA DA TESE

A tese se dedica à análise das dimensões do uso e produções sobre território, da dimensão territorial e das diversas formas de territorialidade a partir da relação entre comunidades tradicionais e a água. Não somente a retomada das categorias e análises são realizadas ao longo dos capítulos, mas também se discute os limites e as dificuldades em produzir acerca deste tema, principalmente a partir de uma análise que precisa, ao mesmo tempo, dedicar-se ao território, movimentos, composições e fluxos. Dessa forma, cada capítulo da tese se dedica a um enfoque específico sobre a noção de território e seus usos múltiplos.

A tese está dividida em duas partes, na primeira, chamada “Quando a água para”, analisaremos quais os movimentos que decorrem da interrupção ou barramento dos fluxos dos rios, riachos e chuvas. A nossa proposta é demonstrar que nestas ocasiões de mudança de fluxos, as ações dos movimentos sociais e dos parceiros de luta são fundamentais para assegurar direitos e reivindicar projetos para a melhoria da qualidade de vida das comunidades diretamente implicadas. Destaca-se como principais núcleos analíticos o campo de mediação entre os diversos elementos do campo social, assim como o caráter ativo da memória dos conflitos.

Na segunda parte, chamada “Por onde a água corre?”, procura-se demonstrar a relação entre os povos indígenas e a água, e como os elementos como a escassez de fluxos,

a falta de chuvas e as grandes obras se integram a essa relação. Como principais núcleos analíticos, encontram-se o debate sobre a gestão hídrica e as políticas territoriais.

No capítulo 1, busco retratar como uma etnografia das transformações resultantes da Transposição do São Francisco só pôde ser feita em conjunto com a história da construção de Hidrelétrica de Itaparica. Uma história que não tem como principal ator o desenvolvimento econômico da região, mas as marcas da violência do processo de privação dos territórios dos habitantes do sertão de Itaparica. Proponho o uso da noção de território político, para discutir como o submédio São Francisco é visado como um território propício para intervenção do Estado, por meio de projetos de desenvolvimento, o que por conta desses processos de transformação acaba trazendo outras formas de circulações, criando novas formas de habitar, apropriar-se e produzir territórios. A proposta é que, apesar de caracterizar uma forma de delimitação do espaço genealógico, de tradição e memória, é preciso inserir a mobilidade e circulação como formas de compor os territórios, pois esses não existem descolados das práticas que nele se desenrolam.

No capítulo 2, discuto a relação ente território, políticas públicas e ação política no sertão de Itaparica. Contando com as informações do meu trabalho de campo, há uma discussão de como as políticas públicas são pensadas a partir da administração de “territórios” e como os gestores as utilizam para colocar as populações tradicionais e os movimentos sociais em circulações e associações específicas. Esta forma de gestão caracteriza-se como um processo de retroalimentação entre a política governamental/administrativa e as formas de associação nos movimentos sociais, mediadores técnicos, redes e parcerias específicas à localidade. Sendo assim, a proposta é pensar como a composição das redes de grupos e movimentos sociais não deve ser desvinculada das problemas e produções locais, pois não existe uma regra para estas parcerias, que não funcionam da mesma forma e em qualquer lugar.

O capítulo 3 é dedicado a pensar as diferentes formas de engajamento com o território, para produzir uma relação de territorialidade depois da experiência de uma reterritorialização. A partir do caso Tuxá, seguimos as lideranças em um deslocamento entre dois grupos de um mesmo povo separado pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica e discute-se como se dão os vínculos do grupo reterritorializado (Tuxá de Inajá) com o território tradicional e o novo território que ocupam. Buscamos também, retratar as recentes formas de associação entre o grupo fracionado, assim como, delinear os principais elementos constitutivos de sua luta.

A partir do trabalho de campo entre os Pankararu, o capítulo 4 se debruça sobre a relação entre água e esse povo. A discussão se elabora entre os atuais modelos de gestão da água, as intensas transformações do território desse grupo indígena e uso do rio São Francisco a partir da implantação da UHE de Itaparica. Também, analisamos os elementos que constituem a luta desse povo pela água e as modificações recentes com a construção do projeto da adutora Pankararu. O objetivo do capítulo é discutir, pormenorizadamente, essas equações entre território e água, e também, sugerir que a cosmologia desse povo se constitui intrinsecamente aos elementos ecológicos constitutivos de seu território, pessoas e a água.

Por fim, o capitulo 5, a partir do caso de uma sobreposição territorial, pretendo demonstrar como existe um acirramento nos conflitos fundiários por conta de uma nova obra para disponibilidade hídrica, pois há uma grande especulação pelas terras que serão vizinhas aos novos canais, acuando as populações tradicionais que estão em processo de regulamentação de terras. No caso do povo Pipipã, que me relacionei durante a pesquisa, mesmo que tenha se fixado junto ao poder público a prioridade de tramitar a regularização fundiária, concomitantemente, às obras da transposição, os processos ficaram parados enquanto a obra prosseguia. Dessa forma, estabeleço que seria impróprio falar de água

sem falar também da terra, principalmente no que diz respeito à questão do direito de acesso à água, que está vinculada à territorialização dos fluxos do rio.

Em comum nos três últimos capítulos, propomos a discussão de como a territorialidade das comunidades indígenas no sertão de Itaparica relaciona-se intrinsecamente com elementos da composição nativa do território. A vinculação ambiental protecionista desses povos é pautada pelo uso coletivo da água, não apenas a reinvindicação de direito às terras tradicionais, mas também, à preservação dos elementos nativos dos territórios indígenas que compõem seu mundo. A cosmologia que não dissocia a natureza, o corpo, as técnicas e a religiosidade, concebendo esses elementos em uma intrínseca e delicada imbricação.

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