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A desocupação da orla do Lago Paranoá sob o enfoque da democratização do espaço urbano no Distrito Federal

3 A DESOCUPAÇÃO DA ORLA DO LAGO PARANOÁ SOB O ENFOQUE DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO DISTRITO FEDERAL

3.3 A desocupação da orla do Lago Paranoá sob o enfoque da democratização do espaço urbano no Distrito Federal

Consoante exposto ao largo deste trabalho, a orla do Lago Paranoá como um todo tem se firmado como um espaço de flagrante distinção social ao longo dos anos que marcam o processo de urbanização do Distrito Federal.

Precisamente, o potencial das áreas públicas localizadas na orla tem sofrido ora com o descaso do Poder Público em prover infraestrutura que atraia a população ao local, ora com as pressões de interesses privados que se sobrepõe ao ordenamento seu ordenamento de uso.

Nesse viés, um dos focos de prevalência do interesse privado se manifesta no perímetro tombado da orla pela proliferação de clubes e hotéis de público restrito, estes últimos tendo deturpado inclusive o potencial turístico do lago, na medida em são utilizados como verdadeiros complexos residenciais à beira d’água.

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133 "AGRAVO" DE" INSTRUMENTO." DECISÃO" MONOCRÁTICA." DEFERIDO" EFEITO" SUSPENSIVO." AGRAVO"

REGIMENTAL." ALEGADA" INEXISTÊNCIA" DE" DANO" ÀS" PARTES.NÃO" VERIFICADA.DEMAIS"

ARGUMENTOS.INCIDÊNCIA"NO"MÉRITO"DO"AGRAVO"DE"INSTRUMENTO."

1k"As"alegações"suscitadas"no"agravo"de"instrumento"quanto"ao"perigo"dano"irreparável"ou"de"difícil"reparação,"

ante" a" iminente" ameaça" dos" direitos" dos" membros" da" Associação" agravante," justificaram" a" decisão" exarada"

naquele"recurso."2k"Por"meio"de"tal"decisão"foi"deferido"monocraticamente"o"efeito"suspensivo"à"homologação"

do"acordo,"não"tendo"que"se"falar"em"inexistência"de"dano"à"parte"em"sede"de"regimental,"eis"que"esta"questão"

foi"sopesada"na"referida"decisão."3k"As"demais"questões"argüidas"pelo"MP"nesta"sede,"se"confundem"com"o"

mérito"do"agravo"de"instrumento,"o"qual"está"pendente"de"apreciação,"motivo"pelo"qual"é"prematuro"se"fazer"

um" juízo" de" valor" nesta" oportunidade." 4k" Decisão" monocrática" mantida." Agravo" regimental" conhecido" e"

improvido."(Acórdão"n.864924,"20150020093367AGI,"Relator:"GILBERTO"PEREIRA"DE"OLIVEIRA,"3ª"Turma"Cível,"

Data"de"Julgamento:"29/04/2015,"Publicado"no"DJE:"07/05/2015."Pág.:"214)"

134"Informação"do"dia"14/08/2015."

Por sua vez, os poucos pontos de livre acesso à orla sofrem com a falta de infraestrutura ou com a instalação desta condicionada também a interesses privados, como é o caso do Pontão do Lago Sul, onde interesses comerciais de restaurantes, lojas e bares reservados a uma parcela diminuta da população coordenam o público do local.

Dessa forma, o Lago Paranoá tem se mostrado como um local excludente, ao mesmo passo que toda a instrumentalidade da orla parece ter sido pensada no sentido de que esta situação seja paulatinamente consolidada, como se denota da análise de alguns aspectos do Projeto Orla, ou mesmo de projetos que estão se desenvolvendo no momento, como o noticiado “Na Praia”.

É em meio a este contexto que se inserem as ocupações de terras públicas por particulares ao longo da orla nos Lagos Sul e Norte, as quais reservam um espaço público de notável interesse social a uma pequena parcela da população já detentora de distinto poder econômico, como já noticiado na ACP 2005.01.1.090580-7:

Vale sublinhar aqui que não se pode enxergar os ocupantes ilegais como cidadãos indefesos lutando contra um Estado opressor. Ao revés, são cidadãos de elevado poder financeiro e social que vêm se opondo ao interesse do restante da sociedade, a qual, representada pelo seu defensor primordial (o Ministério Público), reclama a restituição de seu patrimônio, na recomposição do império da lei, ao menos numa região de relevante interesse ecológico e urbanístico. A restituição da área à utilização popular não irá privar ninguém de sua moradia ou segurança, mas apenas restituir a cada um o que é seu por direito.135

Logo, este trabalho monográfico se propõe a fazer uma análise da conjuntura social que envolve a ação de desocupação da orla pelos lotes “Ponta de Picolé”, partindo de conceitos trabalhados anteriormente quanto à importância que desempenham os espaços públicos na efetivação do direito à cidade, bem como das convicções de uso do lago expostas no projeto original de Brasília.

Dito isso, pontua-se que a ACP 2005.01.1.090580-7 teve como foco as questões ambientais que envolvem as ocupações irregulares ao longo da orla do Lago Paranoá, no entanto, a questão social que envolve a democratização de acesso e uso do lago merece igual projeção no tratamento do problema.

Nesse espeque, o interesse social que envolve a demanda já foi inclusive consignado nos autos de Ação Anulatória 2015.01.1.033027-7 (TJDFT) proposta pela ALAPA em face da

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135"DISTRITO" FEDERAL." Tribunal" de" Justiça" do" Distrito" Federal" e" Territórios." Ação" Civil" Pública" nº"

2005.01.1.090580k7."MPDFT"e"DF."Decisão"interlocutória"em:"12/06/2015."Publicada"no"DJE"em:"17/06/2015."

Disponível" em:" <! http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgik

bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml34&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=439&CDNUPROC

=20050110905807>."Acesso"em"14"ago."2015."

sentença que determina a desocupação da orla, tendo asseverado o Ilmo. Juízo da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF que:

A decisão de recuperação e devolução da orla do Lago ao povo atende não apenas aos anseios de preservação ambiental, os quais por certo poderão ser melhor atendidos pelo livre acesso à área sensível, não só dos populares, como dos órgãos públicos de controle e preservação ambiental (o que afasta a sugestão da inicial de que, estando sob o poder dos particulares e longe da população, a área é melhor preservada), como sobretudo restitui um espaço livre ao povo. Desnecessário recordar que os espaços livres de uso comum, assim como as praças, são elementos relevantíssimos de embelezamento da cidade e de fomento e preservação da saúde e bem-estar dos cidadãos. Logo, é inequívoco que a pretensão autoral não apenas padece de aparência de bom direito, mas sobretudo investe contra o notório interesse social de recomposição de uma orla livre e desimpedida, para o uso da coletividade - ou seja, o deferimento da liminar aqui buscada importaria em evidente distorção, eis que importaria na prevalência de interesses particulares sobre amplo interesse público. Nestas considerações, reconheço o periculum in mora invertido decorrente da pretensão de tutela de urgência: a possibilidade iminente de lesão de difícil reparação ao interesse público prevalente, pela indevida postergação da devolução, ao povo, do espaço público atualmente ocupado por particulares.136

Com efeito, ainda que se afaste a incidência de normas ambientais sobre a área irregularmente ocupada, é inegável que sobre esta incidem as diretrizes da política urbana nacional e distrital já elucidadas ao largo deste estudo, de tal forma que não há como se vislumbrar sob qualquer argumento a manutenção das construções que impedem o livre acesso à orla em distinção de um pequeno grupo.

Aliás, oportuno constatar que a desocupação do perímetro de 30 (trinta) metros a partir da cota máxima do lago ajustada no âmbito da ACP 2005.01.1.090580-7 representa apenas uma pequena porção da área de terras públicas efetivamente invadida ao longo da orla do Lago Paranoá.

Nesse sentido, percebe-se que a área pública ocupada vai muito além da área abarcada pela decisão judicial, incidindo sobre toda a área ocupada as normas e princípios da ordem urbanística nacional e distrital que asseguram a prevalência do interesse público sobre o interesse privado.

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136"DISTRITO" FEDERAL." Tribunal" de" Justiça" do" Distrito" Federal" e" Territórios." Ação" Ordinária" Anulatória" nº"

2015.01.1.033027k7."ALAPA,"MPDFT"e"DF."Decisão"interlocutória"indeferimento"de"liminar"em"favor"da"ALAPA."

Proferida" em:" 27/03/2015." Publicada" em:" 07/04/2015." Disponível" em:" <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgik bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml34&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=4&CDNUPROC=2 0150110330277>."Acesso"em:"14"ago."2015."

Fonte: OLIVEIRA, 2015, p. 10.

A Lei Orgânica do Distrito Federal é clara ao destacar como princípio da política urbana “a prevalência do interesse coletivo sobre o individual e do interesse público sobre o privado”, bem como determinar que “os bens do Distrito Federal destinar-se-ão prioritariamente ao uso público, respeitadas as normas de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, cultural, arquitetônico e paisagístico, e garantido o interesse social” e que “a desafetação, por lei específica, só será admitida em caso de comprovado interesse público, após ampla audiência à população interessada”.

Por sua vez, a legislação distrital também é firme ao garantir que a alteração de uso de terras esteja vinculada à comprovação de interesse público, tanto que recentemente foi declarada a inconstitucionalidade de normas aprovadas pela câmara legislativa distrital que permitiam o cercamento de áreas públicas, as quais haviam sido aprovadas sem a comprovação do interesse público atinente à matéria, ou mesmo da prévia participação popular que demandam decisões de cunho urbanístico137.

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137"AÇÃO" DIRETA" DE" INCONSTITUCIONALIDADE" –" LEIS" COMPLEMENTARES" N." 887" E" 888," AMBAS" DE" 24" DE"

JULHO" DE" 2014" –" CERCAMENTO" DE" ÁREA" PÚBLICA" E" LOTEAMENTOS" FECHADOS" DO" DISTRITO" FEDERAL" –"

EXORBITÂNCIA" DO" PODER" DE" EMENDAR" –" REJEIÇÃO" –" FORMALIDADES" EXIGIDAS" PELA" LODF" –" ARTIGO" 56,"

PARÁGRAFO"ÚNICO,"DA"ADT"–"NÃO"OBSERVÂNCIA"–"VÍCIO"FORMAL"–"PROCEDÊNCIA"DO"PEDIDO.""

1." As" leis" impugnadas" pelo" autor" da" ação," de" autoria" do" Poder" Executivo," dispõem" sobre" a" manutenção" do"

cercamento" de" área" pública" e" regulamentação" de" loteamentos" fechados" no" Distrito" Federal."

2."O"col."STF"fixou"parâmetros"para"o"exercício"do"poder"de"emenda"parlamentar"relativamente"a"projeto"de"lei"

fruto" de" iniciativa" reservada" do" chefe" do" Poder" executivo." São" eles:" 1" –" a" necessidade" de" pertinência" da"

emenda" com" relação" à" matéria" tratada" na" proposição" legislativa" e;" 2" –" a" máxima" de" que" dela" não" resulte"

Ora, retornando especificamente às ocupações ao longo da orla do lago Paranoá, não há qualquer interesse público resguardado pela detenção da área na mão de particulares, em verdade, a r. sentença nos autos da ACP 2005.01.1.090580-7 constatou, em 26/08/2011, que tudo que foi feito em tais áreas públicas tem se destinado exclusivamente à satisfação de interesses privados dos ocupantes.

Aliás, os elementos fáticos e visuais trazidos com o Relatório Pericial Referido dão conta de que a considerável extensão de terras que compõem a APP do Lago Paranoá sofreu continuada supressão de sua vegetação nativa. Além disso, a natureza das construções e instalações incorporadas a essa sensível faixa de terrenos de elevado interesse ambiental deixam escapar que nada ou muito pouco ali se fez que tivesse algum interesse social ou utilidade pública. Ao contrário, as acentuadas, graves e extensas interferências antrópicas que se revelam pelas aerofotografias de fls. 689/738 somente deixam concluir que a utilização que se deu ao entorno do Lago Paranoá tem características de exclusivo favorecimento privado, sem nenhum interesse social ou utilidade pública. É, pois, o exemplo da freqüente confusão que agentes públicos e privados costumam fazer no atendimento de interesses pessoais, propositalmente confundindo os respectivos âmbitos.138

De fato, o uso do espaço público da orla para instalação de sítios privados situa-se dentro do fenômeno observado de privatização da função urbana de lazer, esvaziando a sua função social e oportunizando que locais naturalmente vocacionados à integração se tornem instrumentos de segregação.

Conforme visto anteriormente, a função de recreação, uma das funções sociais da cidade presentes na Carta de Atenas de 1933 que inspirou o projeto de Brasília, só faz sentido se considerada pela disponibilidade de espaços públicos dotados de infraestrutura que permitam a sua ocupação por toda a coletividade.

A reserva de tais espaços a um grupo específico consiste em afronta à função social do lazer, bem como aos ditames de ordem urbana que garantem a justa distribuições dos

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aumento" de" despesa" pública." Na" hipótese," não" se" constata" violação" às" limitações" impostas" ao" poder" de"

emenda,"pois"a"alteração"do"texto"original"por"emendas"parlamentares"não"importou"em"aumento"de"despesa"

e"tampouco"veiculou"matéria"estranha"ao"objeto"do"projeto"de"lei"complementar"de"iniciativa"do"Governador"

do"Distrito"Federal."3."Não"foram"observadas"as"formalidades"e"os"procedimentos"exigidos"pela"Lei"Orgânica"do"

Distrito" Federal" previstos" no" parágrafo" único" do" art." 56" do" Ato" das" Disposições" Transitórias," a" saber:"

comprovação"do"interesse"público,"ampla"audiência"à"população"interessada"e"realização"de"estudos"técnicos."

Padecem," pois," de" vício" de" inconstitucionalidade" formal." 4." Ação" Direta" de" Inconstitucionalidade" julgada"

procedente" para" proclamar," com" efeitos" "erga" omnes"" e" "ex" tunc"," a" inconstitucionalidade" das" Leis"

Complementares" n." 887" e" 888," ambas" de" 24" de" julho" de" 2014." (Acórdão" n.845033," 20140020177369ADI,"

Relator:"HUMBERTO"ADJUTO"ULHÔA,"Conselho"Especial,"Data"de"Julgamento:"27/01/2015,"Publicado"no"DJE:"

16/04/2015."Pág.:"11)"

138!DISTRITO"FEDERAL."Tribunal"de"Justiça"do"Distrito"Federal"e"Territórios."Ação"Civil"Pública"nº"

2005.01.1.090580k7."MPDFT"e"DF."Sentença"em:"26/08/2011."Publicada"no"DJE:"31/08/2011."Disponível"em:"

<http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgibin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml122&ORIGEM=INTER&CIRCUN=

1&SEQAND=187&CDNUPROC=20050110905807>."Acesso"em"14"ago."2015.!

benefícios e ônus decorres da urbanização. Isto sem se considerar como as áreas ocupadas atuam na inflação dos preços das propriedades e acrescem o patrimônio dos ocupantes sem que haja qualquer contrapartida ao Poder Público, mas sim um atentado ao direito coletivo de usufruto dos sítios públicos.

Portanto, verifica-se que o problema das ocupações privadas na orla se insere dentro de um contexto maior de restrição de uso do Lago. As habitações localizadas nos Lagos Sul e Norte são notadamente alguns dos imóveis mais valorizados do DF, por sua vez, os lotes

“Ponta de Picolé” crescem em sua valorização por conta das ocupações de terras que possuem um inegável interesse social.

O problema da democratização de uso do Lago Paranoá é mais amplo do que as ocupações privadas nos SHIS e SHIN, perpassa pela falta de infraestrutura dos atuais pontos livres e pela pressão de setores privados por toda a orla, no entanto, é inegável o poder que essa ação tem sobre o processo de reapropriação coletiva do lago.

A democratização do acesso à orla só pode se compreender como um processo que levará tempo e exigirá esforço de toda a sociedade interessada, inclusive do capital privado, que inegavelmente possui um grande poder de integrar pessoas ao lago. Contudo, cabe ao Poder Público medir a que ponto os interesses comerciais podem influir sobre o ordenamento da orla.

Isto porque, conforme pondera Harvey, o problema dos “common spaces” não está tanto na disponibilidade destes, mas nas relações estabelecidas entre aqueles que se apropriam do local para uso e aqueles que se apropriam do local para prover lucro, bem como na corrupção que muitas vezes deturpa investimentos públicos feitos no sentido de criar

“common spaces” e que acabam gerando unicamente ganhos privados para proprietários urbanos139.

Quanto a este detalhe, imprescindível pontuar a importância que desempenha a garantia da gestão democrática no processo de retorno do lago Paranoá à comunidade, pois, conforme leciona Zenildo Bodnar, através de uma construção coletiva da decisão que visa garantir um meio ambiente urbano sustentável que se cria uma consciência e uma identidade com o bem tutelado.

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139"HARVEY,"David."Rebel"Cities:"from"the"right"to"the"city"to"the"urban"revolution,"London:"Verso,"2012,"p."79.""""""""

Disponível"em:""

<http://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/141041/52d9137728c2b7a1865c4817b084e528.pdf?sequ ence=1>."Acesso"em:"14"ago."2015.""

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A realização da justiça ambiental, também no plano da coexistência, não pode prescindir da participação direta dos cidadãos, não apenas pela quantidade de direitos fundamentais e interesses legítimos em rota de colisão (habitação, trabalho, cultura, lazer, propriedade), mas principalmente pela conscientização geral fomentada pelas decisões e procedimentos.

Por isso, destaca-se que a construção da decisão em matéria ambiental não pode prescindir da efetiva participação, especialmente considerando as suas necessárias imbricações dos fatores econômicos, políticos e sociais. A interação desses fatores potencializa o interesse da população na construção das decisões, quer seja no plano legislativo, quer seja no administrativo ou no judicial.140

Portanto, a despeito da ALAPA representar especificamente os interesses privados dos ocupantes irregulares da área, é importante que a eles seja garantida uma participação direta no processo que dará novos caminhos ao lago assegurando, contudo, que tal espaço seja também proporcionado aos demais representantes da sociedade civil que tem interesse sobre o lago, ou seja, toda a população do DF

Nesse sentido, a Exma. Desembargadora Maria de Lourdes Abreu já se pronunciou orientando que as medidas tomadas para o cumprimento da sentença no âmbito da ACP 2005.01.1.090580-7 observem os valores dos diferentes grupos sociais envolvidos na demanda:

Acrescento, por oportuno a título de orientação, tendo em vista: i) a possibilidade da revisão das licenças ambientais quando o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado é ameaçado; ii) o dever do Estado de proteção da faixa de 30 metros de Área de Preservação Permanente - APP do Lago Paranoá, também definida como Subzona de Preservação da Vida Silvestre - SPVS; iii) a decisão quanto à exeqüibilidade técnica e viabilidade ambiental, por ser essencialmente pública, em razão da potencialidade de causar impactos ambientais significativos que afetaram recursos ambientais pertencentes à coletividade e que dizem respeito ao bem-estar de todos, envolvem matérias que demandariam providências e audiências nas quais houvesse participação da sociedade civil e dos entes públicos.

A tomada de decisão, que o caso exige, deveria identificar e compreender os valores dos diferentes grupos sociais envolvidos e o público em geral, realizando o estudo sumário da forma que poderão ser traduzidos em diretrizes para o plano de fiscalização de remoção.

A participação pública daria mais legitimidade às decisões, tornaria mais eficiente o processo decisório, facilitaria a implementação das decisões tomadas, pois identificaria corretamente as questões relevantes prévias ou concomitantemente à preparação do Plano de Fiscalização de Remoção de construções e instalações erguidas na APP do Lago Paranoá.

A proteção da APP da Orla do Lago Paranoá necessariamente exige a identificação correta das questões sociais e científicas relevantes, de maneira prévia ou concomitantemente à execução do Plano de Fiscalização e Remoção, mesmo que não houvesse a previsão legal3, independe da existência de exigência legal para tanto.141

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140!BODNAR,(Zenildo(.(A(tutela(jurisdicional(das(cidades(sustentáveis.(Revista(de(Doutrina(da(4a(Região,(Porto$

Alegre,' n.' 26,' mar.' 2009.' Disponível' em:'

<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/zenildo_bodnar.html>"Acesso"em:"20"ago."2009.""

141 "DISTRITO" FEDERAL." Tribunal" de" Justiça" do" Distrito" Federal" e" Territórios." Acórdão" n.881880,"

20150020093367AGI," Relator:" GILBERTO" PEREIRA" DE" OLIVEIRA," 3ª" Turma" Cível," Data" de" Julgamento:"

15/07/2015,"Publicado"no"DJE:"21/07/2015."Pág.:"120.!

Fato é que a desocupação da orla do Lago Paranoá não é apenas uma questão ambiental, mas também uma questão social e de democratização do solo urbano no DF, que demanda a participação de toda a sociedade civil a compor ideias que aos poucos criem a identidade do novo Lago Paranoá, nos moldes da “velha” ideia de Lúcio Costa.

Em 12 de junho de 2015, o TJDFT determinou ao Distrito Federal e ao IBRAM que apresentem um plano ambiental de uso e conservação do entorno do Lago142. No entanto, tal decisão demanda uma atitude unilateral da Administração Pública, sem considerar a importância da gestão democrática para que se faça cumprir a função social da cidade.

Frente a todo exposto, argumenta-se pela relevância da participação direta da sociedade no projeto de uso da Orla a ser implementado em decorrência da desocupação das áreas públicas, considerando além da sua relevância ambiental, sua relevância urbanística, para que o Lago Paranoá passe a se constituir como um local de acesso democrático, atrativo à toda a população.

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142"DISTRITO" FEDERAL." Tribunal" de" Justiça" do" Distrito" Federal" e" Territórios." Ação" Civil" Pública" nº"

2005.01.1.090580k7."MPDFT"e"DF."Decisão"interlocutória"em:"12/06/2015."Publicada"no"DJE"em:"17/06/2015."

Disponível" em:"

<http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgibin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml34&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1

&SEQAND=439&CDNUPROC=20050110905807>."Acesso"em"14"ago."2015."

CONCLUSÃO

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Como visto, a cidade contemporânea se expressa como um reflexo das relações sociais que nela se desenvolvem. Assim, constatou-se que o processo de urbanização das grandes cidades gerou diversos problemas de segregação social como um retrato das desigualdades presentes no espaço urbano.

Frente a isto, o urbanismo enquanto técnica se propõe a organizar as funções urbanas – habitação, trabalho, circulação e recreação – de maneira a proporcionar uma melhor qualidade de vida a um maior número de pessoas, e é por meio das normas de Direito Urbanístico que este se disciplina juridicamente para garantir a prevalência do interesse público no ordenamento das cidades.

Dentre as funções urbanas mencionadas, verificou-se que a função de recreação, ou lazer, se constrói como função social a partir da disponibilidade de espaços públicos dotados de infraestrutura capaz de permitir sua apropriação por toda a coletividade. Dessa forma, tais espaços – praças, parques, praias e ciclovias – desempenham um papel importante no cumprimento da função social da cidade por permitirem integração e convergência das diferenças sociais existentes, desconstruindo o sentimento de segregação e exclusão de certos grupos em detrimento de outros.

Passando ao estudo do caso do Distrito Federal, verificou-se a notável vocação social que possui a orla do Lago Paranoá para desenvolvimento de atividades de lazer, esporte e turismo, tendo sido inclusive essa sua principal proposta de uso no projeto urbanístico que fundamentou a construção da cidade.

No entanto, examinando a conjuntura do processo de urbanização no Distrito Federal e as medidas tomadas para consolidação de uso da orla, percebeu-se que muito do potencial social para integração do lago encontra-se ameaçado pelas pressões privadas que tem ditado o seu aproveitamento.

E é justamente em meio a esse contexto que se encontra o problema em estudo, qual seja o cercamento irregular de áreas públicas contíguas a lotes particulares que se localizam às margens do lago, situação que priva a população de acesso a diversos pontos da orla.

Assim, este trabalho monográfico se propôs a analisar a questão urbanística e social que envolve tais ocupações de terras públicas. Tendo como base a decisão judicial que determinou a desocupação da área ocupada abarcada pela Área de Proteção Permanente do Lago Paranoá, concluiu-se que a questão urbanística que envolve o problema possui tanta relevância quanto a questão ambiental.