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A despeito da cunhagem do termo pelo intelectual e político francês Marcel Chevalier em 1836 e de sua

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RESULTADOS / DISCUSSÃO

12 A despeito da cunhagem do termo pelo intelectual e político francês Marcel Chevalier em 1836 e de sua

retomada pelo colombiano Manuel Saicedo nos anos 1850 e pelo jurista Carlos Calvo na década seguinte, questiona-se em que medida a expressão América Latina foi incorporada ao debate intelectual no continente, dada sua ausência das obras de Domingo Sarmiento, Juan Bautista Alberdi, José Martí, José Enrique Rodó, José Vasconcelos e outros, que muitas vezes preferem as denominações Hispanoamérica ou Iberoamérica. Mesmo sua suposta instrumentalização para justificar a intervenção francesa no México não é confirmada nem pelas obras de Chevalier (importante ideólogo desse episódio) nem pela correspondência de Napoleão III. Seria apenas no segundo pós-guerra, com a CEPAL e a tradução de várias obras de historiadores norte-americanos sobre a América Latina, que o termo teria se disseminado. Vide BRUIT, Hector. “A invenção da América Latina.” Anais do V Encontro da ANPHLAC, Campinas,

por alianças gaulesas - mesmo que estas, após a entente cordiale esboçada desde meados do oitocentos, pouco valessem contra o virtual protetorado britânico estabelecido sobre a América do Sul, e particularmente a região do Prata; esticada, na prática, do Rio de Janeiro a Valparaíso... Ao longo do século XX essa raiz francesa não traria grandes obstáculos, pelo contrário, à crescente apropriação da idéia de América Latina por correntes políticas mais à esquerda. Ao mesmo tempo, a partir de meados do século a idéia foi comprada pelos próprios norte- americanos, procurando se distanciar da porção “latina” que começava a se fazer presente na demografia estadunidense. Após a revolução cubana o latino-americanismo, associado ao terceiro-mundismo, ganhou tom mais revolucionário, agora nos distanciando tanto dos Estados Unidos como da Europa, “latina” ou não. Conseqüentemente, ao raiar do novo milênio o latino- americanismo remetia quase sempre a uma ideologização dos discursos e debates.

Naquele momento uma Europa unificada e enriquecida pretendia retomar a partilha do globo em porções reservadas aos diversos países-membros, segundo a lógica nada sutil das “heranças culturais comuns”, recorrendo aos argumentos tão atuais da identidade e da cultura para reatar os vínculos coloniais. Divisão na qual o lote então desvalorizado de uma América Latina em crise cabia perfeitamente como prêmio de consolação para os primos pobres da Península Ibérica. Deriva daí um primeiro atributo interessante da idéia de Iberoamérica: ela nos remete à história; não à história de um continente “enfermo” que capotou na corrida planetária, mas à história vista como longue durée. A conexão iberoamericana nos liberta da extrema periferia e alarga os circuitos da circulação de pessoas, mercadorias e idéias, particularmente estas últimas, tão valorizadas na era da informação como mediadoras dos vínculos supra-nacionais, seja em termos neo- imperialistas, seja nas versões mais amenas dos acordos de cooperação cultural e acadêmica. Identidades legitimadoras, no sentido que lhes confere Manuel Castells;13 mas também uma

abertura para posicionamentos e cruzamentos diversos daqueles que nos prendem à Latinoamérica. Como sugere Stuart Hall, “estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que

estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas”.14 A noção de Iberoamérica abre caminho para se identificarem outros cruzamentos para além da divisão anterior entre Primeiro e Terceiro Mundo, e sem o compromisso com uma identidade “latino-

2000, In: http://anphlac.org/periodicos/anais/encontro5/hector_bruit. Acesso em 10/10/2010. O autor menciona algumas exceções, mas omite o nome de Manuel Bonfim, cujo América Latina: Males de

origem, de 1903, traz uma visão extremamente crítica do continente.

13 CASTELLS, Manuel. A era da informação: Economia, sociedade e cultura. Vol. 2: O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 24.

americana” e suas implicações em termos de uma política de resistência comum que tende ver de maneira simplificada contatos e intercâmbios complexos, que por vezes transitam em direções inesperadas.

Para os propósitos do nosso projeto de pesquisa esse movimento de reinserção é importante. A partir dele podemos retraçar os trajetos da circulação internacional de idéias. Se a operação de recolonização, se não durou muito - e hoje assiste novamente à inversão de papéis entre um endividado Sul europeu e uma Sul-América mais próspera – teve a particularidade de nos trazer, além de Telefonicas e ideias sem acento, no bojo das privatizações e dos acordos de cooperação cultural; uma nova rodada de consultorias, modelos e exemplos no campo arquitetônico e urbanístico. Um dos maiores trunfos da Espanha contemporânea nos embates globais da era da informação, ecoado em menor grau por Portugal, é a qualidade de sua produção arquitetônica e de suas realizações urbanísticas.

Entretanto, foi por meio de um modelo de origem estadunidense, o planejamento estratégico, que se justificou o recurso às consultorias catalãs, amparadas no exemplo de sucesso de Barcelona, a partir dos preparativos e realização da Olimpíada de 1992 e dos projetos de reconversão urbana que os acompanharam. Sua passagem recorrente pelas principais cidades do continente ecoa as consultorias francesas do início do século XX, e por isso mesmo nos interessa manter a delimitação iberoamericana, mais reveladora do papel dessa intermediação catalã (e do consultor portuense Nuno Portas) para a divulgação, aceitação e apropriação dos novos paradigmas do planejamento estratégico e dos projetos urbanos entre nós. Na medida em que este projeto pretende abordar tanto episódios recuados no tempo como os contemporâneos, a capacidade que eles terão de se iluminar mutuamente torna-se uma chave essencial para a concepção desta pesquisa e a seleção dos sub-temas a serem investigados.

Partimos da hipótese de que, além das instâncias global e local ultimamente tão ressaltadas, a questão urbana contemporânea passa também por uma revitalização das conexões regionais, seja em âmbito intermunicipal, seja nas dimensões sul-americana ou iberoamericana. E nesse processo as interfaces com outras metrópoles nos remetem, no caso paulistano, às nossas vizinhas e concorrentes no páreo das “cidades globais”, Rio de Janeiro e Buenos Aires – que há mais de cem anos vêm disputando, juntamente com São Paulo, a primazia neste rincão do mundo. E, portanto, servindo como pontos de rebatimento, referenciamento e intercâmbio em termos do ideário urbanístico.

O passo seguinte envolvia uma melhor compreensão dos processos de circulação e difusão do pensamento urbanístico, para o que foi preciso retomar definições básicas sobre a formulação, a

divulgação e a afirmação do urbanismo enquanto disciplina e sua passagens rumo às cidades brasileiras e argentina. Para tanto retornamos às discussões ocorridas há mais de quinze anos que culminaram no encontro de Itamonte em 1994; cujas colocações nos parecem extremamente atuais, como se o planejamento estratégico globalizado do século XXI reproduzisse mecanismos de transmissão, apropriação e tradução/traição tirados diretamente dos episódios, projetos e consultorias de cem anos atrás. Conforme avançam as investigações e discussões, o paralelismo 1910/2010 emerge cada vez mais como um dos fios condutores do projeto.

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