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Desterritorialização e aglomerados de exclusão

No documento cristianenasserdovalle (páginas 50-54)

CAPÍTULO 2 TERRITÓRIO E SUJEITOS SOCIAIS

2.2. Território e territorialização

2.2.1. Desterritorialização e aglomerados de exclusão

Para Haesbaert (2010) a desterritorialização é focalizada a partir das diferentes dimensões, do econômico ao político, do cultural ao geográfico. No entanto, o autor analisa que a perspectiva social é a mais adequada para permear o debate e que essa tem sido pouco abordada. A carência analítica reside no fato de vincular a crescente exclusão (ou inclusão precária) promovida pelo capitalismo ao discurso moldado a partir dos países centrais. O autor reage a tal perspectiva e debate a questão a partir do ponto de vista periférico considerando ser possível utilizar tal concepção de forma coerente:

A desterritorialização nunca está totalmente desvinculada dos processos de (re) territorialização, deve ser aplicada a fenômenos de efetiva instabilidade ou fragilização territorial, principalmente entre grupos socialmente excluídos e /ou profundamente

segregados e como tal, de fato impossibilitados de construir e exercer efetivo controle sobre seus territórios, seja no sentido de dominação político-econômica, seja no sentido de apropriação simbólico-cultural. (HAESBAERT, 2010, p. 312)

Podemos apreender, assim, que a imbricação entre exclusão social e desterritorialização parte do pressuposto de que ambas as noções incorporam sempre um caráter social multidimensional, dinâmico e que deve ser geográfica e historicamente contextualizado.

Nesse sentido, proponho a noção adotada por Haesbaert (2005) de “aglomerados de exclusão” para trabalhar a dimensão geográfica ou espacial dos processos mais extremos de exclusão social expressas pela noção de “desterritorialização” ou “territorialização precária”. É importante destacar que o autor admite o termo “desterritorialização” para tratar a mobilidade espacial dos grupos sociais excluídos, o que não se aplicaria à elite globalizada, para a qual o autor utiliza-se da categoria “multiterritorialidade”.

Para traduzir espacialmente o processo de desterritorialização, Haesbaert (2005) utiliza o termo “aglomerados”, entendidos por conjuntos, agrupamentos em geral, “elementos que estão ajuntados confusamente”. Para o autor, ‘aglomerados de exclusão” são espécies de amontoados humanos instáveis, inseguros e geralmente imprevisíveis na sua dinâmica de exclusão” (HAESBAERT, 1997, p.148 in HAESBAERT, 2010, p. 314).

Nesse sentido, os aglomerados são a expressão geográfica da exclusão social. O autor adota o conceito de exclusão social, considerando que este, diferentemente do termo pobreza, integra a dimensão espacial. Se a pobreza é comumente considerada a partir da renda, ou a falta de recursos, a noção de exclusão é multidimensional.

A noção de pobreza deve ser associada à própria dimensão espacial, ou seja, o território como “recurso” inerente à nossa reprodução social. Com isso partimos do pressuposto de que toda pobreza, e com mais razão ainda, toda exclusão social, é também em algum nível, exclusão socioespacial, e por extensão exclusão territorial-isto é, “desterritorialização”. (HAESBAERT, 2010, p.315)

Dessa forma, estamos aqui entendendo a desterritorialização como exclusão, privação e ou precarização do território enquanto recurso ou apropriação

(material e simbólica) indispensável à nossa participação efetiva como membros de uma sociedade.

Haesbaert afirma que devemos situar bem a noção de exclusão para não corrermos o risco de estendê-la a condições muito diversas, o que pode tornar o conceito fluido, genérico e passível de equívocos. Por isso, sem ignorar os fatores de ordem cultural e recorrendo ao processo histórico para melhor elucidação do conceito, o autor enfatiza a dimensão socioeconômica das atuais dinâmicas de exclusão que se materializam através da formação de “aglomerados” e dos processos de “territorialização precária”. Para o autor, o aspecto socioeconômico em curso responde melhor aos atuais processos excludentes que se alastram pelo mundo como um todo.

Fundamentando-se em Room (1999), Haesbaert assim define a exclusão social:

a exclusão social é multidimensional, em hipótese alguma apenas de ordem econômico-financeira. É dinâmica ou mutável (historicamente definida), encontra-se espacialmente contextualizada, é relacional muito mais que distributiva (depende da participação / integração social e das relações de poder) e implica um tipo de descontinuidade (mas não a completa separação) na relação entre os”excluídos” e o restante da sociedade (HAESBAERT, 2010, p. 334).

Haesbaert analisa a atual crise do capital reportando-se a autores como Robert Kurz e Roberto Schuwarz, que admitem a face destrutiva do sistema na medida em que “pela primeira vez o aumento da produtividade está significando a dispensa de trabalhadores também em números absolutos, ou seja, o capital está perdendo sua faculdade de explorar trabalho” (KURZ, 1992:221 apud HAESBAERT, 2010, p. 320). Estamos assim diante de uma situação em que, antes de lutar contra a exploração capitalista, os trabalhadores tendem a lamentar a falta dela.

A expressão territorial dessa população “supérflua”, vítima do abandono dos circuitos globais de inserção pela sociedade capitalista, (seja em relação ao trabalho, ao consumo, à cidadania ou à expressão cultural) se dá, sobretudo, nos circuitos migratórios. Haesbaert analisa que tais circuitos provocam reações autoritárias e segregadoras marcadas por atitudes xenofóbicas, neonacionalistas, controles fronteiriços, entre outras.

É como se a crescente desterritorialização / exclusão gerando novos ‘aglomerados’ tivesse seu contraponto no reforço a uma territorialização também excludente, mas comandada agora pelos grupos que se sentem ameaçados pela massa de excluídos pela qual, em grande parte, também são responsáveis (HAESBAERT 2010, p. 322).

Nesse percurso, Haesbaert tipifica os aglomerados de exclusão mais do que espaços à parte, claramente identificáveis e, sim, como fruto de uma condição social extremamente precária. Daí, a construção de territórios se torna dificilmente ou completamente subordinada a interesses alheios à população que ali se reproduz. Essa total perda de controle sobre seus espaços de vida, expressos em altos índices de mobilidade e desterritorialização, está ligada à falta de opção e controle sobre suas vidas.

A partir dessas considerações, e reconhecendo a grande diversidade de manifestações daquilo que estamos denominando de aglomerados de exclusão, suas propriedades básicas, que evidenciam os processos de exclusão socioespacial/inclusão precária ou de desterritorialização /territorialização precária, são:

1) instabilidade e/ou insegurança socioespacial;

2) fragilidade de laços entre grupos sociais e seu espaço (tanto em termos de relações funcionais como simbólicas);

3) mobilidade sem direção definida ou a imobilidade sem efetivo controle social.

É certo que a existência dos aglomerados de exclusão é parte integrante da cidade capitalista, eles devem ser analisados na sua relação com a totalidade a partir da perspectiva crítica que aqui queremos evidenciar a todo o momento. Cabe-nos, no entanto, trazer a discussão dos aglomerados de exclusão na sua cena contemporânea. Como tem sido feita a leitura do território e dos aglomerados de exclusão, sobretudo pelo saber técnico? Essa leitura guarda lugar para o caráter multidimensional do território, para a compreensão do “mundo da vida” que se expressa nele?

2.3. Aglomerados de Exclusão e Leitura Técnica: Problematizando

No documento cristianenasserdovalle (páginas 50-54)