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DESVELANDO OS CAMINHOS PELA BUSCA DO CUIDADO:

No documento eloizaaugustagomes (páginas 30-33)

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.4 DESVELANDO OS CAMINHOS PELA BUSCA DO CUIDADO:

Outro ponto para o qual nos interessa chamar a atenção é o caminho pela busca do cuidado. Nesse sentido, ganha relevância a compreensão do que vem a ser itinerário terapêutico como busca por cuidado. De acordo com Rosa (2007), o itinerário terapêutico existe desde tempos remotos. Enfrentar o adoecer faz parte do cotidiano e, para lutar contra a doença, o ser humano desenvolve diversas estratégias no processo saúde-doença. O cotidiano representa o cenário de base para o estudo dos itinerários terapêuticos, pois as buscas para o cuidado e o tratamento das doenças são construções individuais e sociais que se materializam nos pequenos jogos sociais, reconhecidos como trama social.

Gerhardt (2006) define itinerário terapêutico como “sinônimo de busca de cuidados terapêuticos”. Além disso, a autora procura descrever e analisar as práticas individuais e socioculturais de saúde quanto à trajetória percorrida por mulheres pertencentes à camada social de baixa renda, na tentativa de encontrar solução para seus problemas.

Nessa mesma linha de pensamento, Bellato e outros (2011) definem itinerário como:

[...] trajetória de busca, produção e gerenciamento do cuidado para a saúde, empreendidas por pessoas e famílias seguindo uma lógica própria, tecida nas múltiplas redes para o cuidado em saúde, de sustentação e de apoio, que possam lhes dar certa sustentabilidade na experiência do adoecimento. É possível evidenciar que essas trajetórias são afetadas também pelo modo como os serviços de saúde produzem e disponibilizam cuidados, dando-lhes respostas mais ou menos resolutivas e capazes de serem integrativas. (BELLATO et al., 2011, p. 178).

A política de saúde está dentro das instituições, embora se discuta há algum tempo uma proposta de saúde na qual o atendimento do usuário também se configure fora da instituição, ou seja, extramuros. Isso posto, é importante o reconhecimento pelos profissionais de saúde dos “outros caminhos”, além do institucionalizado que o usuário percorre na busca pelo cuidado. A configuração desses recursos teóricos se apoiou nos estudos de Bonet e outros (2009, p. 241),

que afirmam: na busca dessa centralidade, faz-se fundamental compreender o sujeito “inserido num sistema simbólico que ao mesmo tempo limita e potencializa suas escolhas”. Portanto, essa dinâmica “incorpora o enfoque usuário em situação centrada, tomando o conceito itinerário terapêutico e transformando-o em interessante ferramenta para analisar o fluxo das buscas por cuidados terapêuticos de mulheres e coletivos” (BONET et al., 2009, p. 241).

Entendemos que existem várias maneiras de se procurar o cuidado, mas essa atitude depende do sujeito, da doença e, às vezes, essa forma é diversa e complexa. Está condicionada, entre outras questões, não só pelas atitudes e valores, como também pelo perfil da doença, além das condições socioeconômicas. Alves e Souza (1999) esclarecem que não existe um padrão único e pré-definido no processo de busca terapêutica e que o itinerário é um processo complexo, não podendo ser reduzido.

De acordo com Bonet e outros (2009), produzir uma interpretação sobre o itinerário terapêutico é intervir nele. Para os autores, quando o usuário narra sua trajetória, ele vai construindo, em sua memória sobre eventos passados, as reflexões sobre causalidades, dúvidas e expectativas sobre os desfechos esperados. O transcorrer do itinerário comporta contingências e expectativas que nem sempre se expressam em projetos bem delineados, mas que, no contexto de sua rememoração, ressignificam tanto o passado como o presente.

O ser humano convive ao longo de sua trajetória de vida com a saúde e com a doença, construindo e adquirindo conhecimentos através do viver e do conviver consigo mesmo e com os outros e, desse modo, surgem os itinerários terapêuticos. Nesse sentido, entendemos que compreendê-los pode contribuir para uma atuação profissional mais humanizada por envolver, além de conhecimentos, experiências e percepções da mulher doente. De acordo com as autoras, os profissionais se tornam mais abertos e dispostos a estabelecerem novas trocas quando, finalmente, entendem os motivos e as definições de tratamentos e cuidados adotados pelas pessoas que eles cuidam (MATTOSINHO, 2004).

A necessidade de compreender a percepção das mulheres perante os processos de adoecimento sob a ótica social leva, como considerado por Maliska (2005), a novas buscas. Assim, sob uma visão antropológica, a autora descreve as diferentes trajetórias individuais, diante da doença e das diversas possibilidades de

enfrentamento da mesma. Isso corresponde a uma dimensão sociocultural singular do indivíduo, que nada mais é do que a construção do itinerário terapêutico.

Desse modo, compreender os caminhos e as diferentes trajetórias pelos quais o usuário busca o cuidado, implica em reconhecer as redes sociais como elemento fundamental na busca desse Itinerário (PINHEIRO; MARTINS, 2009). As redes sociais, segundo os autores, são mecanismos importantes para explicar novas formas de solidariedade no plano local e para se pensar a lógica do usuário. É uma das formas de representação dos relacionamentos afetivos ou profissionais dos seres entre si ou entre seus agrupamentos de interesses mútuos. A rede é responsável pelo compartilhamento de ideias entre pessoas que possuem interesses e objetivo comuns e também valores a serem compartilhados. Assim, um grupo de discussão é composto por mulheres que possuem identidades semelhantes.

De acordo com Bonet e outros (2009, p. 247), o conceito de rede é “um instrumento para perseguir a tessitura do mundo. O mundo não tem, necessariamente, o formato de rede, mas observar as redes que atravessam o mundo vai nos possibilitar compreender seu formato”. Para Fritjof Capra (2003), as redes sociais são redes de comunicação que envolvem a linguagem simbólica, os limites culturais e as relações de poder. São também consideradas como uma medida de política social que reconhece e incentiva a atuação das redes de solidariedade local no combate à pobreza e à exclusão social e na promoção do desenvolvimento local. Dessa forma, constituem-se em instrumentos formais de análise, revelam novas formas de ação política e cultural, pois articulam-se a partir de uma lógica particular que se baseia em sistemas de prestações, de dádivas, envolvendo todos os membros da coletividade (PINHEIRO; MARTINS, 2009).

A rede pode ser definida, nos termos de Latour e Woolgar (20065 apud

BONET et al., 2009, p. 189), como "uma cadeia de ações na qual cada participante deve ser tratado como um mediador”. Isto quer dizer que cada ator produz mudanças nos outros; cada ator tem de ter a capacidade de fazer com que os outros façam coisas. Portanto, segundo Bonet e outros (2009), não produzir modificações os transformaria em meros intermediários.

Em uma perspectiva mais ampla de interação entre sujeitos, as redes sociais são capazes de expressar ideias políticas e econômicas inovadoras com o

5 LATOUR, B.; WOOLGAR, S. Changer de societé: refaire de la sociologie. Paris: La Découverte,

surgimento de novos valores, pensamentos e atitudes. Esse segmento que proporciona a ampla informação a ser compartilhada por todos, sem canais reservados, e que fornece a formação de uma cultura de participação é possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e da informação, à globalização, à evolução da cidadania e à evolução do conhecimento científico sobre a vida (PINHEIRO; MARTINS, 2009).

A lógica do usuário na saúde passa por uma rede de solidariedade, que é composta por mecanismos de reconhecimento e de dádiva. Nesse sentido, é importante a participação e a mobilização dos atores nas esferas públicas de decisão, ressaltando a necessidade de maior autonomia política e administrativa para se repensar os modos de organização do sujeito social (PINHEIRO; MARTINS, 2009).

Para Volcan e outros (2003), o apoio é fornecido pelas redes sociais, como: família, amizades, relações de trabalho e relações comunitárias – de serviço de saúde e pela religiosidade/espiritualidade – sendo a espiritualidade, cada vez mais, apontada como importante recurso para a promoção de saúde mental e física, auxiliando na redução da angústia relacionada a doenças. Acreditamos, portanto, que para o Sistema de Saúde dar conta de atender aos usuários em sua integralidade, valorizando as redes sociais e os itinerários, torna-se necessário fazer mudanças, tanto estruturais quanto organizacionais, na conformação dos serviços de saúde. Sabe-se que o sistema de saúde do Brasil ainda é fragmentado e com componentes fortemente impregnados pelo modelo biomédico, além de não responder, de forma satisfatória, às necessidades dos usuários. Nesse sentido, é conveniente levantar uma breve discussão sobre a lógica em orientar a concepção de redes de atenção à saúde, como proposta para a consolidação de um sistema de saúde integral.

No documento eloizaaugustagomes (páginas 30-33)