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Ao refletir sobre o papel da educação numa sociedade conceituada por Gadotti (1991) como “altamente tecnológica”, Paulo Freire (1991) discute que é necessário entender que integrar-se e inserir-se no próprio tempo é uma tarefa histórica dos sujeitos, compreendendo os contextos sociais e a história como possibilidade e não como algo determinado. Para Freire (2000, p. 42), “os avanços tecnológicos, por exemplo, não são em si mesmos, perfiladores de um amanhã dado como certo, espécie de alongamento aprimorado de uma certa expressão do hoje”. A história não pode ser determinada ou preestabelecida pelos avanços da ciência e da tecnologia, mas deve ser construída socialmente por homens e mulheres:

O homem e a mulher fazem a história a partir de uma dada circunstância concreta, de uma estrutura que já existe no meio em que a gente chega. Mas esse tempo e esse espaço tem que ser um tempo-espaço de possibilidade, e não um tempo-espaço que nos determina mecanicamente. O que eu quero dizer com isso é que, no momento em que entendo a história como possibilidade, também entendo sua impossibilidade. O futuro não é um pré-dado. Quando uma geração chega ao mundo, seu futuro não está predeterminado, preestabelecido (FREIRE, 1991, p.90).

Entender a técnica como um fator que mobiliza a história e a sociedade, como “motor do processo histórico” (VIEIRA PINTO, 2005, p. 157) impossibilita o entendimento de técnica como inerente à atividade humana e o próprio entendimento de processo histórico. Para Vieira Pinto (2005), essas teorias são pessimistas, entregam o processo histórico ao domínio da técnica e conferem a ela um poder natural que será impossível da humanidade dominar.

Para autores como Auler e Delizoicv (2001, 2002) e Feenberg (2009) existem algumas concepções filosóficas acerca da ciência e da tecnologia que as

entendem como processos determinantes para o progresso e bem-estar da sociedade. Auler e Delizoicov (2002) trazem a reflexão sobre as construções de alguns mitos em torno do progresso técnico-científico. Os autores concebem estas construções como mitos, porque se distanciam de uma discussão crítica sobre ciência e tecnologia e se estabelecem de acordo com interesses de atores sociais hegemônicos:

Esses mitos, na sociedade contemporânea, acabam por expressar interesses dos atores sociais hegemônicos. Mobilizam toda a sociedade em torno destas ideias, mobilizando, assim, movimentos no sentido da mudança nas relações vigentes (AULER e DELIZOICOV, 2002, p. 05).

Assim, esses mitos ou ideias hegemônicas vão sendo construídas historicamente, tornando-se verdades inquestionáveis (AULER e DELIZOICOV, 2002).

O primeiro mito diz respeito à superioridade do modelo das decisões tecnocráticas. Nessa perspectiva, as decisões da sociedade se concentram na ciência, que tudo pode comprovar, e o especialista, também chamado expert, “pode solucionar os problemas sociais de um modo eficiente e ideologicamente neutro” (AULER e DELIZOICOV, 2002, p. 06). Esse mito difunde a neutralidade da ciência e a centralidade das decisões na ciência e na tecnologia, limitando, assim, as decisões democráticas.

O segundo mito refere-se à perspectiva salvacionista da ciência, que tem por base a ideia de que ciência e tecnologia sempre levam a sociedade ao progresso, tornam mais fácil a vida das pessoas e resolvem os problemas sociais. Assim, justificam-se os investimentos em ciência e tecnologia, pois, quanto mais desenvolvimento científico-tecnológico, mais progresso (AULER e DELIZOICOV, 2002).

Por sua vez, o terceiro mito, discutido por Auler e Delizoicov (2002), relaciona-se ao determinismo tecnológico, que considera a ciência e a tecnologia como processos determinantes no desenvolvimento social. As decisões políticas devem estar atreladas, nesse ponto de vista, ao progresso técnico. Feenberg (2009) conceitua o determinismo tecnológico como o pensamento que entende a tecnologia como fator determinante para o desenvolvimento, sendo “autogeradora e o único fundamento da sociedade moderna” (FEENBERG, 2009, p. 109):

Os deterministas tecnológicos usualmente argumentam que a tecnologia emprega o avanço do conhecimento do mundo natural para servir às características universais da natureza humana, tais como as necessidades e faculdades básicas. Cada descoberta que vale a pena se endereça a algum aspecto do ser humano, preenche-lhe uma necessidade básica ou estende suas faculdades. A comida e o abrigo são necessidades desse tipo e motivam alguns avanços. As tecnologias como o automóvel estendem nossos pés, enquanto os computadores estendem nossa inteligência. A tecnologia enraíza-se, por um lado, no conhecimento da natureza e, por outro, nas características genéricas da espécie humana. Adaptar a tecnologia a nossos caprichos não depende de nós, senão o contrário: nós é que devemos nos adaptar à tecnologia, como expressão mais significativa de nossa humanidade (FEENBERG, 2009, p. 46).

O determinismo tecnológico toma por base o pressuposto de que as tecnologias são independentes do contexto social em que estão inseridas e que possuem uma lógica funcional autônoma. Em relação à autonomia da tecnologia, Feenberg (2009) discute que não significa que ela faz a si mesma, pois homens e mulheres sempre estarão envolvidos no processo do desenvolvimento tecnológico. A autonomia da tecnologia discutida pelo autor refere-se ao fato da ausência de liberdade nas decisões do desenvolvimento da tecnologia, pois ela teria suas próprias leis. Nessa perspectiva, homens e mulheres deveriam simplesmente seguir essas leis ao interagirem com a tecnologia (FEENBERG, 2009).

Assim, “pode parecer que o destino da sociedade diante da tecnologia seja ficar dependente de uma dimensão não-social, que age no meio social sem, entretanto, sofrer uma influência recíproca” (FEENBERG, 2009, p. 108). Neste pensamento determinista, a tecnologia influencia a sociedade, mas não é influenciada por ela na base de seus processos.

Em consonância com esta ideia, Gómez1(1997) apud Auler e Delizoicov

(2001), mostra que fundamentos do determinismo tecnológico permeiam o contexto da sociedade contemporânea, como a que defende que a tecnologia determina a mudança social e define os limites de decisão de uma sociedade (GÓMEZ,1997 apud AULER e DELIZOICOV, 2001). Esse entendimento se dá porque, na concepção do determinismo tecnológico, a sociedade e o ser humano são vistos como produtos da tecnologia e toda inovação contribuirá para o bem-estar social,

1 GÓMEZ, R. J. Progreso, determinismo y pesimismo tecnológico. Redes. Buenos Aires: v. 4,

pois da tecnologia se espera um “mundo melhor” com base na construção científica (SANMARTÍN2, 1990 apud AULER e DELIZOICOV, 2001).

Feenberg (2009) discute que o desenvolvimento tecnológico não é fator determinante para o desenvolvimento da sociedade como pregam as concepções deterministas, “mas é sobredeterminado por fatores técnicos e sociais” (FEENBERG, 2009, p.112), o que contesta a ideia de que a tecnologia é um processo autônomo da dimensão social. Assim, na concepção da teoria crítica, discutida pelo autor, a tecnologia não é vista nem como determinante, nem como neutra, é conceituada como objeto social, que deveria estar sujeita a interpretações sociais e culturais. A tecnologia “não é só o controle racional da natureza: tanto seu desenvolvimento, quanto seu impacto são intrinsecamente sociais” (FEENBERG, 2009, p. 106).

Para o conceito determinista, as instituições sociais, como, por exemplo, a escola, precisam adequar-se às exigências da base tecnológica a fim de garantir o progresso (FEENBERG,2009). No entanto, Feenberg (2009) afirma que recentes teorias sociais discutem que não são as instituições ou os atores sociais que devem adequar-se às exigências da tecnologia, mas que estes devem utilizar-se da tecnologia, realizando escolhas de técnicas viáveis para a resolução de um determinado problema, que pode se modificar de acordo com as necessidades sociais (FEENBERG, 2009).