• Nenhum resultado encontrado

Subcapítulo 1 Tipificação legal versus Social

1.2. Obrigações contratuais

1.2.1. Do médico

1.2.1.4. Dever de documentação

O doente tem direito a ser informado de modo a poder decidir216.

Tal como o dever de sigilo profissional, é doutrina e jurisprudência em quase todos os países da Europa que os médicos e os hospitais têm a obrigatoriedade de proceder à documentação e registo de atividades clínicas. Assim, os fundamentos desta obrigação

212 Dicionário de Bioética, idem, p.331 213

Artigo 70º – Tutela geral da personalidade 1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofen dida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

214

Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.

215 Sobre o dever de sigilo no direito português e comparado com bibliografia importante, ver André PEREIRA, O dever de sigilo do médico: um roteiro da lei portuguesa, disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/13335/1/andre_pereira.pdf. 216 Acórdão STJ de 9/10/2014, disponível em www.dgsi.pt.

69

podem ser encontrados no plano do direito contratual, ao nível delitual através dos direitos de personalidade.

Por seu turno, através do plano contratual, entende-se que existe um dever lateral que resulta do contrato médico de realizar uma documentação minuciosa e pormenorizada, e completa sobre a atividade médica, cirúrgica e enfermagem. Igualmente, a obrigação de elaborar um perfeito registo da história clínica resulta também de um dever de cuidado

do médico, de uma obrigação inserta nas leges artis.

Para que os cuidados de saúde sejam zelosos e organizados impõe-se que o médico proceda ao registo e à documentação das consultas, exames, diagnósticos e tratamentos efetuados, sob pena de incorrer em responsabilidade civil.

Os tratamentos de cuidados de saúde são elementos críticos na segurança do paciente e devem ser organizadas de tal forma, que a informação clínica completa e precisa sobre todos os pacientes envolvidos deve ser transmitida entre os indivíduos durante o tratamento e / ou equipas responsáveis por esse grupo de pacientes. Programas e instituições deverão ter um processo documentado para assegurar a eficácia dos tratamentos. Isto pode ser realizado de várias formas.

A manutenção de registos de medicina evoluiu para uma ciência em si mesmo217. Esta

será a única maneira para o médico provar que o tratamento foi realizado corretamente. Além disso, também será de grande ajuda na avaliação científica e das questões de gestão de doentes. Registos médicos formam uma parte importante da gestão de um paciente. É importante para os médicos e estabelecimentos médicos, manter adequadamente os documentos de pacientes por duas razões importantes. A primeira delas é que ajuda na avaliação científica do perfil do paciente, ajuda na análise dos resultados de tratamento, e planeia os protocolos de tratamento.

Auxilia no planeamento de estratégias governamentais para o futuro dos cuidados médicos. Mas de igual importância no cenário atual é na questão da alegada negligência médica. O sistema legal baseia-se principalmente na prova documental, numa situação em que a negligência médica é alegada pelo paciente ou parentes.

Numa acusação de negligência, esta é muitas vezes a prova mais importante para a decisão sobre a condenação ou absolvição do médico. Com o uso crescente de seguro médico para o tratamento, as companhias de seguros também exigem a manutenção de registos adequados para provar a necessidade do paciente para despesas médicas.

217

O problema do acesso ao processo clínico decorre da problemática sobre a confidencialidade no tratamento médico e que conduz a uma autonomia como thema do Direito da Medicina.

70

O dever de documentação, ligado ao direito do paciente aceder aos documentos, está assim consagrado no artigo 10º, nº 2 da CEDHBio, que afirma que “qualquer pessoa tem o direito de conhecer toda a informação recolhida sobre a sua saúde”, ressalvando que “a vontade expressa por uma pessoa de não ser informada deve ser respeitada” e, no nº 3, que “a título excepcional, a lei pode prever, no interesse do paciente, restrições ao exercício dos direitos mencionados no nº 2”. Fica assim estabelecido na Convenção de Oviedo, a regra do direito de informação e acesso aos dados de saúde por parte do

titular218, admitindo como exceção a situação em que não seja adequado aos interesses

do paciente exercer esse direito219.

Em relação à Constituição Portuguesa, o artigo 35º, nº1 diz que todos os cidadãos têm direito de acesso aos dados informáticos que lhe digam respeito, e, nos termos da Lei

nº12/2005, de 25 de Janeiro220, no artigo 5º, nº2 é definido o processo clínico como

“qualquer registo, informatizado ou não, que contenha informação de saúde221

, sobre doentes ou os seus familiares”. O conteúdo desta informação tem sido dado pela

doutrina222, entre os quais se inclui a anamnese, diagnóstico, terapia, métodos,

medicação, dever de informar para o consentimento, relatórios, imprevistos, entre outros.

Questão controversa tem sido o acesso223 e propriedade do processo clínico. No anterior

CDOM, o art. 77º, nº 2, determinava que a ficha clínica pertencia ao médico, na sequência da memória escrita por este. Mais tarde, o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas, emitiu um parecer onde considerou que “ a informação constante do ficheiro clínico é um direito do doente que em qualquer momento pode solicitar que lhe seja enviada a médico à sua escolha, mas o ficheiro em si, é propriedade do médico […]”224.

No artigo 100º, nº 3 do CDOM, refere-se que o “médico é detentor da propriedade intelectual dos registos que elabora, sem prejuízo dos legítimos interesses de instituição à qual preste serviços clínicos, todavia esta, não deverá usar esses registos sem

218

E também o direito a não saber, consagrado no art. 10º, nº 2 CEDHBio. Igual direito no §630e (3) BGB.

219

O chamado privilégio terapêutico.

220 Lei de Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde. 221

A legislação portuguesa não estabelece o conteúdo da informação, ao contrário de Espanha (art. 15.2 da Ley 41/2002) e França.

222 CASCÃO, Rui, O Dever de Documentação do Prestador de Cuidados de Saúde e a Responsabilidade Civil in Lex Medicinae,

Revista Portuguesa de Direito da Saúde, 4, nº8, Coimbra Editora, p. 29.

223

Em Portugal o acesso ao processo clínico é mediato ou indireto, na medida em que só pode ser feito por intermédio de um médico. Ao contrário, na Alemanha e Espanha, em que o acesso, pelo menos a dados objetivos, é direto. Também, na holanda, o acesso à totalidade do ficheiro clínico é reconhecido no art. 7:456 BW.

224 BARBOSA, Carla, Aspectos Jurídicos do Acesso ao Processo Clínico in Lex Medicinae, Revista de Direito da Saúde, ano 7, nº

71

conhecimento prévio do médico que os elaborou”. Esta solução alarga os direitos de propriedade intelectual aos registos médicos, contudo, o art. 3º da lei 12/2005, estabelece que a informação de saúde é propriedade da pessoa, sendo as unidades de

saúde os depositários da informação225. Difícil assim harmonizar as soluções do

CDOM com a lei 12/2005, tendo, no entanto, o Código deontológico o mérito de ajudar a distinguir processo clínico como suporte da informação e, informação de saúde em si

mesmo226.