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SEÇÃO II – DEZ E VINTE ANOS DEPOIS: DISCURSOS DA PSICOLOGIA SOBRE VIOLÊNCIA NA INFÂNCIA E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.1 Dez anos depois: considerações iniciais

A partir dos artigos encontrados da forma descrita acima, buscamos identificar e interpretar discursos presentes nesse material. Compreendemos tais expressões como construções históricas, políticas e sociais que apontam para possibilidades de problematização e traduzem os modos de relação que constituem as práticas sociais. Assim, a análise dos discursos presentes nas publicações terá como ponto contínuo de interlocução o Estatuto da Criança e do Adolescente, expressão do contexto social no que se refere às questões da infância e da adolescência e das políticas sociais no Brasil. Como vimos acima, o Estatuto é resultado do momento político de redemocratização no País, a partir da promulgação da Constituição Cidadã, e das articulações acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes em todo o mundo.

A partir dos procedimentos adotados para a realização deste estudo, foram encontrados dezessete artigos para análise. É importante destacar que, considerando a data de promulgação do ECA (1990), a temática da violência na infância demora a ser trazida como foco dos textos

na revista. O primeiro artigo a abordar este tema data do ano de 2000, ou seja, dez anos depois da instituição do Estatuto. Neste sentido, podemos perceber um discurso sobre violência distante do contexto de discussão e emergência dos direitos da infância presentes no fim do século XX. Cabe destacar que este período contemplou uma intensa discussão sobre os direitos da infância e da adolescência. Em nível mundial, por exemplo, aconteceu, em 1989, a Convenção Sobre os Direitos da Criança. Especificamente no Brasil, movimentos sociais se instituíam. É o caso do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (1985) e o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (1988). Esses e outros acontecimentos fomentaram mais tarde encontros internacionais como o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, citado abaixo (Alberto; Almeida; Dória; Guedes; Souza e França, 2008).

Enfatizamos que na década de 90, caracterizada pela implantação do ECA, não encontramos nenhum artigo contendo os descritores pesquisados. Este período é caracterizado por importantes mudanças no cenário político, econômico e social e por importantes acontecimentos que afetaram a efetivação das políticas sociais. Como exemplo, podemos citar a Conferência Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (ECO 92), que reuniu, no Rio de Janeiro, representantes de diversos países, com o objetivo de discutir e encontrar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconômico sem agredir o ecossistema. Um dos principais resultados da ECO 92 é o documento Agenda 2110, um programa de ação com o propósito de promover, em dimensão planetária, uma nova ideia de desenvolvimento, buscando conciliar métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Um dos capítulos da Agenda 21 trata da questão da infância e do desenvolvimento sustentável, e propõe, por exemplo, a implantação de programas sociais para as crianças designados para alcançar as metas relacionadas à infância para a década de 1990, nas áreas de meio ambiente e desenvolvimento. Além deste, outros movimentos em prol de uma infância sem violência aconteciam no Brasil e no mundo, como o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, que discutiu e propôs ações relacionadas às questões como abuso e comércio sexual de meninos e meninas.

Este período foi caracterizado, portanto, pela visibilidade de questões da infância e da adolescência como fenômeno global e local e pela possibilidade de debates sobre temas difíceis como a exploração sexual, que demandavam efetivação de políticas dirigidas às crianças. Por isto, cabe refletir acerca da ausência de artigos numa época em que este tema

estava constantemente em pauta, havia uma constituição chamada cidadã e uma nova lei de proteção à infância sendo implantada no País.

Anteriores ao ano de 2000 foram encontrados apenas dois artigos contendo os descritores da pesquisa, nos anos de 1988 e 1989, mas estes não traziam a violência como o tema principal. O primeiro descreve uma experiência de grupos operativos realizados com adolescentes, nos quais a temática da violência é descrita como um dos assuntos discutidos. O outro artigo refere-se ao diálogo e à comunicação nos relacionamentos sociais, o qual demonstra concepções de violência como modo de estabelecer e efetivar relações sociais. A violência aparece, neste contexto, como uma ação que, muitas vezes, substitui o diálogo e é vista como modo para resolver conflitos e embates.

Importante mencionar que apenas um artigo trazia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como descritor. Este abordava exclusivamente a temática do adolescente em conflito com a lei em cumprimento de medidas sócio-educativas e trazia o ECA como ponto de apoio às reflexões. Pelo Estatuto, somente os adolescentes são passíveis de cometerem ato infracional, e estão sujeitos a todas as consequências desses atos, porém não caracterizados por responsabilização penal (Brasil, 1990). O texto enfocado associa o ECA aos adolescentes em conflito com a lei, o que potencializa a produção de sentidos nos quais o adolescente é colocado no lugar de infrator e o Estatuto é visibilizado na sua dimensão coercitiva. Além disso, é importante observar que o único artigo da revista que traz o ECA como descritor não se propõe a discutir o Estatuto ligado à infância.

Tendo em vista estas percepções, propomos discutir os resultados a partir dos eixos mencionados acima, na tentativa de trazer uma organização às reflexões acerca dos dados encontrados. Cabe ressaltar que esta análise é uma interpretação dos discursos, uma das muitas possibilidades de problematizar o fenômeno a partir dos materiais coletados.