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Saída da folia Missa Sertaneja Trabalho com

as carnes Giro da folia

Festa de encerramento Produção de doces Forró Limpeza do barracão

Esquema 3: Calendário da festa de 2010.

SÍMBOLO DESCRIÇÃO OBSERVAÇÃO

Decoração e estrutura do barracão

É costumeiro decorar o barracão, os instrumentos da folia, montar o presépio e toda a estrutura para servir o jantar do dia da festa.

Trabalho com as carnes

Os suínos são utilizados para consumo no dia a dia do barracão e para a retirada e produção da banha do porco (aproveitada no cozimento/fritura dos demais alimentos da festa).

As carnes bovinas são moídas para produção das almôndegas (os cortes nobres são consumidos nos almoços e jantares do barracão).

As aves são um dos ingredientes principais do ―Macarrão com Frango‖ – prato servido na festa de encerramento.

Produção de doces

Os tipos de doces produzidos no ano em questão foram: doce de leite, doce de pau de mamão e doce de mamão verde.

Saída da folia

Às 23 horas todos se reuniram para rezar um terço. Posteriormente, a folia entoou seus versos cantando a jornada dos Três Reis Santos para então iniciar o giro.

Giro da folia

O giro da folia costuma se estender por 9 dias e, na festa estudada, passou pelo Distrito de Martinésia, pelas fazendas do entorno e pela cidade de Uberlândia.

Forró

Os forrós se caracterizaram por pequenos eventos regados à comida, bebida e música realizados entre o período de preparativos da festa.

Missa Sertaneja A Missa Sertaneja foi realizada em comemoração ao Dia de Reis.

Festa de encerramento

A festa é marcada pelo encerramento da jornada da folia, passagem da coroa aos novos festeiros, jantar e forró. Ela é marcada por momentos de exaltação da devoção e da diversão.

Limpeza do barracão

A limpeza do barracão foi realizada durante todos os dias de preparativo da festa com destaque ao dia 10 de janeiro, quando houve um mutirão para a higienização de toda a área.

Quadro 2: Detalhamento do calendário da festa de 2010.

Resgatando alguns números da festa de 2010, tem-se:

Alimentos preparados para a festa de encerramento:

 25 latas (375 kg) de doce de leite

 10 latas (150 kg) de doce de pau de mamão  10 latas (150 kg) de doce de mamão

 16 tachos de arroz  200 kg de frango

 Almôndegas de 6 vacas (aproximadamente 1 tonelada)

Divulgação:

 500 cartazes fixados nos ônibus urbanos de Uberlândia  Vinculação em programas de TV local

 Matéria no Jornal Correio

 Divulgação em Rádios locais e em uma rádio do Estado de São Paulo  Distribuição de flyers pela cidade

 Convite feito a partir do giro da folia

Estrutura:

 2 tendas de 10m x 10 m e 2 tendas de 6m x 6m, cedidas pela prefeitura de Uberlândia

 3 bares da festa que venderam água, cerveja, refrigerante e churrasquinho.  Barracas de camelô comercializando alimentos, brinquedos, artesanatos,

bolsas, relógios, entre outros.

Embora tenha tentado descrever detalhadamente a manifestação festiva, considero necessário tecer mais alguns comentários. Lembro que as inquietações que dizem respeito à espetacularização da festa serão aprofundadas no próximo capítulo.

Parte dos sujeitos consumia a festa sem entender seus princípios. Diante de mim tudo parecia grande demais: muita gente, muito lixo produzido, urbanidade, saltos altos, tribos diversas, tatuagens, modos de vida diferentes, sons transgressivos. Havia diversas festas dentro daquela festa.

Também observei muitas figuras políticas distribuindo sorrisos e apertos de mão num ano de eleição; homens ignorando os banheiros químicos e urinando nos muros das casas; carros de som que tocavam axé, funk, hip hop, etc. fora dos limites da festa... Tive a impressão de estar em uma exposição agropecuária.

Acabara de participar de uma manifestação cultural popular que tendia para a massificação. Embora tenha vivido momentos especificamente comerciais e observado a espetacularização e massificação do popular, a festa continuava ali, pulsante e colorida.

Percebi que o evento daquele ano fora notadamente maior e mais profissional que as festas anteriores. É certo que todas elas carregavam em si a tendência de crescimento e especialização, mas de uma forma mais sutil.

Alguns entrevistados confirmaram que a festa de 2010 fora muito diferente das demais, sobretudo pela grande movimentação do barracão que foi lócus de jantares cotidianos, de frequentes ―forrós‖ e de um leilão inédito. Creditaram o cenário ao fato dos festeiros serem forasteiros, disporem de mais verba, de novas ideias e incentivos políticos. Nas palavras dessas pessoas ―como os festeiros não são daqui, a festa ficou diferente.‖ Destacaram, ainda, que as práticas deverão voltar a ser desenvolvidas como antes. A velha festa e os velhos costumes retornariam, causando estranhamento e saudosismo na comunidade.

Percebi que parte da população se sentiu extremamente lisonjeada com a grandiosidade da festa de 2010. Um dos entrevistados destacou que aquela ―foi a festa mais bem organizada e mais bem preparada‖39 que já vira e ainda acreditava

que o crescimento se configurava como uma forma de valorizar a cultura do distrito. Outros moradores, por sua vez, estranharam o jeito profissional da festa. Uma das senhoras disse com certa indignação que ―Esse ano os arcos [de Santos Reis] vão ser enfeitados com flores da China.‖40 Diferente dos anos anteriores e também

da primeira festa posterior, em 2010 as costumeiras flores de papel e bandeirinhas foram suprimidas e substituídas por uma decoração industrializada.

É importante destacar que as reuniões para confecção das flores artesanais consistem em encontros. Embora os produtos industrializados tenham maior

39 Entrevista realizada com um dos comerciantes formais residentes no Distrito de Martinésia, durante

o dia da festa de encerramento, em janeiro de 2010. O entrevistado preferiu que sua fala não fosse identificada.

40 Entrevista realizada com uma das moradoras do Distrito de Martinésia, coletado durante os dias de

preparativo para a festa de encerramento, em janeiro de 2010. A entrevistada preferiu que sua fala não fosse identificada.

durabilidade e sejam mais práticos, as voluntárias sentem prazer em desenvolver o trabalho manual que deve ser refeito anualmente. Durante a produção artesanal da decoração, as senhoras se encontram, conversam, contam causos e se doam para a festa.

Um dos meus maiores incômodos foi a presença de seguranças particulares em pontos estratégicos da festa. Sou a favor da prevenção de problemas, brigas, roubos, mas a visão de homens vestindo ternos pretos e impedindo que os fiéis chegassem muito perto ou tocassem as imagens contidas no presépio me incomodou profundamente. Aquele é temporariamente um lugar sagrado, um lugar do povo e para a contemplação do povo... Naquele tempo-espaço, o povo perdeu seu lugar, assim como as cozinheiras voluntárias o perderam quando tiveram seu espaço expropriado pelos trabalhadores contratados.

Aprendi que embora possa parecer, nenhuma festa é idêntica às demais. Elas passam de uma geração para outra e permanecem... Permanecem a partir dos acordos e arranjos entre as pessoas, lugares e bens.

Cada indivíduo vê a festa com um olhar particular. Para uns o colorido das bandeirinhas tem mais significado, para outros o cheiro dos alimentos é mais importante. Enfim, a compreensão da festa depende da carga de sentimentos e percepções de cada indivíduo. Talvez por isso seja tão difícil descrever uma manifestação que é experimentada. Materializar em palavras os sentimentos e observações das práticas culturais é angustiante, sobretudo pela certeza de não conseguir transmitir completamente o vivido. Além disso, as manifestações culturais não são práticas lineares e simplistas. Há uma complexidade relacional que impede o estabelecimento do preciso. É como se tentássemos encontrar o ponto inicial e o final de uma teia para então descrever seu processo de criação. Percebi que na Festa de Santos Reis não há um início e um fim efetivamente consolidados, mas um continuum que se renova a cada ano.