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METODOLÓGICO PARA A CRIAÇÃO EM ILUMINAÇÃO CÊNICA.

29 Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida, atriz no Coletivo Xoxós, Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Pará e Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São

4.1.1 DIÁLOGO DE LUZ COM O ÉTER E A VOLATILIDADE

O elemento éter representa o princípio do meu raciocínio, o momento de captura das ideias, o início da rotina de criação nos pensamentos. São insights da imaginação que viabilizam uma proposta de cena, é aquele devaneio que aparece numa chuva de ideias. Normalmente imagino o resultado como uma espécie de visão da luz cênica que vem por meio de um sonho.

Acredito que a minha forma de concepção dessa arte é primeiramente onírica, pois me lanço a ver nas experiências que tive, para que meu olhar possa desvelar sensações conseguintes. É o exercício do sensível ao qual me proponho com a luz, é o vislumbre imagético que antecede a construção da minha escrita em cena. Logo, meu éter é o momento onde minhas ideias estão nascendo, o estágio embrionário do projeto de luz cênica, e sua característica é a leveza dessa possibilidade de ser e não ser ao mesmo tempo, um universo de respostas, ou melhor, “universo cênico ideal” que tenha a iluminação como uma das principais vias de sensações para o espectador.

Imagem 10: “Circuito de Ideias” – Experimentação fotográfica da oficina Diálogos de LUZ / 2015 Fonte: Natasha K. Leite

A imagem acima é resultado de uma experimentação que fiz a partir de uma oficina com gambiarras onde os próprios participantes produziam, ela traz um tom de

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composição surreal, e esta vivência me permitiu entender o quanto gosto de brincar com as possibilidades e como todas as ideias se desenrolam como telas, molduras e planos com a leveza do sonho, o que rapidamente se transforma naquele sonho acordado e com os pés no chão, feito ida e vinda, de alto a baixo, de acordo com a comparação na proposta de leveza do romance, segundo Calvino (2009):

O romance nos mostra como, na vida, tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Apenas, talvez, a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam à condenação – as qualidades de que se compõe o romance e que pertencem a um universo que não é mais aquele do viver (p 21).

Utilizando ainda o exemplo da oficina que realizei em 2015, nomeada inclusive de Diálogos de Luz, na qual tive a finalidade de repassar um conhecimento básico sobre a iluminação cênica, pude observar o que foi produzido durante as aulas e propus um ensaio fotográfico como resultado para o grupo participante após construção de circuitos artesanais, para que permitissem trabalhar bem as imagens que capturaram seus olhares.

Imagem 11: “Circuito de Ideias” – Experimentação fotográfica da oficina Diálogos de LUZ / 2015 Fonte: Natasha K. Leite

Na imagem 11, por exemplo, cada ponto de luz, cor de lâmpada e contato com outro material compunha uma imagem diferente e a curiosidade dos participantes foi instigada pelas possibilidades de muitas combinações, é esse o diálogo da luz que

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acompanha o movimento do éter nos chiaroscuros, representado pelos desenhos e pela volatilidade – qualidade daquilo que sofre constantes mudanças.

Imagem 12: “Circuito de Ideias” – Experimentação fotográfica da oficina Diálogos de LUZ / 2015 Fonte: Natasha K. Leite

Pela imagem 12, é notório como capto essas imagens em pensamentos, que ora aparecem embaçadas e ora me vêm tão nítidas que pareço estar manipulando-as. Não é algo estático, é tridimensional e volumétrico. É o retorno ao arsenal que foi construído pelas vivências anteriores para a seleção de uma memória a fim de reconfigurar o que pode representar a nova proposta.

A partir disso eu entendo a volatilidade do éter como a idealização do potencial de todos os materiais que utilizo ou que sou capaz de construir, já as imagens permanecem com a vivacidade do sonho; a construção do processo é que tende a pesar para o próximo diálogo, onde a terra irá receber toda a potência de energia pesquisante. Sendo a leveza um modo de ver o mundo fundamentado, o éter caracteriza o movimento do processo para essa fundamentação, e Calvino (2009) já apontava o mesmo caminho:

[...] tudo adquire consistência e estabilidade: o peso das coisas é estabelecido com exatidão. [...] podemos dizer que duas vocações opostas se confrontam no campo da literatura através dos séculos: uma tende a fazer, da linguagem um elemento sem peso, flutuando sobre as coisas como uma nuvem, ou melhor, como uma tênue pulverulência, ou, melhor ainda, como um campo de impulsos magnéticos; a outra tende a comunicar peso à linguagem, dar-lhe a espessura, a concreção das coisas, dos corpos, das sensações. (p 29).

Compreendi que o movimento éter tende a descer para a exatidão, logo, busco firmar as imagens que flutuam subjetivamente para que sejam traduzidas e então

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concretizadas. Aponto também uma consideração da área de iluminação que me serve de norteador e faço uma ponte desse diálogo com o elemental éter e a leveza simbolicamente volátil, aqui traduzido por FORJAZ (2015) como uma mensageira da subjetividade:

A luz, ou seja, a vibração eletromagnética é uma espécie de mensageira de impulsos, que impressiona nossos olhos e é traduzida no cérebro por uma série de elementos de composição visual como cor, forma, volume, profundidade, distância. O conjunto ou a Gestalt é resultado da nossa capacidade de interpretar esse conjunto de signos, segundo a nossa subjetividade:

Seria possível distinguir a imagem e a visão. A primeira seria um fenômeno óptico, ela começa e termina nos olhos, no sistema ocular. A segunda seria um fenômeno mental: se ela começa nos olhos, é no espírito que ela se realiza (PICON-VALIN, 2006, p. 91 Apud FORJAZ, 2015).

As imagens são muitas vezes idealizadas por mim em meio a esse fenômeno mental, a partir da visualização de outros trabalhos que me remetem ao processo. Para que eu consiga traduzi-las em cenas, reitero inúmeras vezes o conhecimento que adquiri em experimentações anteriores, aliás na fase éter do processo de criação, sempre recorro à memória e à bagagem teórica que carrego comigo.

Imagem 13: Meu olhar sobre o palco. (Imagem do Espetáculo “Igual a Ti, sem Querer”, no TUCB). Fonte: Natasha K. Leite

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Neste caso, tenho a imagem anterior, de um espetáculo de dança contemporânea - “Igual a Ti, sem Querer”41 realizado em dezembro de 2014, e que foi um trabalho que

me deu enorme satisfação por ter conseguido superar expectativas dos próprios bailarinos e direção do espetáculo. Visto que o palco era alto, para uma visualização a nível de 30° (trinta graus), a luz deveria ser pensada para gerar o desconforto e ainda assim valorizar a movimentação geométrica no palco.

Esses desenhos me vieram a mente pela temática e pela disposição dos corpos no espaço, que era sobre um tablado de 6m² e de 1,20m de altura. Pensado como um ringue de batalha, a luz deveria impressionar pelas mudanças bruscas e desenhos marcados com cores vibrantes contrastando com os figurinos e maquiagem do elenco.

Imagem 14: Imagem do Espetáculo “Igual a Ti, sem Querer”, no TUCB. Fonte: Arthur Morbach

O espetáculo abordava a individualidade do ser humano, e suas relações a partir do contato com o estranho, e a tentativa era ainda sim preservar a subjetividade de cada um, sob pena de se manter fiel ou não aos seus princípios quando se relaciona em grupo. Na imagem 14, um momento de questionamento sobre si em meio a tantos outros semelhantes, foi onde trabalhei uma luz aberta uniformemente distribuída no palco para que os corpos fossem vistos em mesmas circunstâncias.

41 O espetáculo “Igual a Ti Sem querer”, foi dirigido pelo professor Paulo Paixão, contando como elenco

a turma de Curso Técnico em Dança. Foi realizado em temporada de 10 a 14 de dezembro de 2014 no Teatro Universitário Cláudio Barradas.

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Já na imagem 15, trabalhei a luz de forma fechada, em foco de pino para dar dramaticidade à permissão dos corpos de poderem conversar com intervenção alheia. Era um momento divido com o grupo, mas não poderia deixar de ser íntimo. Fez muita diferença na cena, a experiência de já ter feito luz para espetáculos de dança, o fato de saber o que é estar no palco e de compreender que a luz altera o estado do corpo tanto quanto o toque de outra pessoa.

Imagem 15: Imagem do Espetáculo “Igual a Ti, sem Querer”, no TUCB. Fonte: Arthur Morbach (Divulgação)

Todas as cenas descritas até aqui partiram da história que eu deveria desenrolar antes pela imaginação, obedecendo um raciocínio que casasse com a proposta de outras linguagens. Por isso não considero sempre fazer tudo “novo”, busco a inspiração das vivências de palco e dos trabalhos já realizados. Trata-se de permitir um primeiro salto criativo.

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