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Diário de aprendizagem 5: Contributos da família no processo de reabilitação da Pessoa

No documento RELATÓRIO FINAL pdf (páginas 79-84)

Diário de aprendizagem 5: Contributos da família no processo de reabilitação da Pessoa com doença mental

Em contexto de ensino clínico seria a primeira vez que iria fazer uma intervenção familiar, onde começaria então a explorar conteúdos que servirão de sustentação para a elaboração do meu relatório final.

Esta primeira intervenção seria só com o Pai de uma Sra. internada na unidade de Convalescença, não descartando a possibilidade de englobar outros elementos da família numa posterior intervenção.

Apesar a intervenção ter sido de previamente programada e discutida com a Enfermeira orientadora, ainda existiam perguntas às quais não conseguiria dar resposta: “Será que o familiar ira comparecer?” Será que vou ser bem-sucedida?” Será que depois deste encontro o Sr. vai querer regressar”. Estava ansiosa sim, mas mais expectante em relação ao que iria acontecer.

Não tinha resposta para qualquer uma destas questões, apenas sabia que estava perante mais um desafio. Acima de tudo iria aproveitar ao máximo o encontro para fortalecer e enriquecer o meu percurso académico/ profissional e pessoal, procurando responder as expetativas daquele pai, que prontamente se disponibilizou em colaborar.

Chegou cerca de dez minutos antes da hora combinada o que associei, por um lado, a alguma ansiedade por se tratar do primeiro encontro, por outro a necessidade de se mostrar disponível. Cumprimentei o Sr. F. e encaminhei-o para uma sala do serviço onde iria decorrer a nossa entrevista, com cerca de 45 minutos de duração.

Neste primeiro encontro para além de me apresentar, expliquei mais uma vez qual era o motivo de ali estarmos, reforçado novamente a confidencialidade que caraterizava a interação. Poucos minutos após início da intervenção, o Pai da C. verbalizou o seguinte:” Nem sei por onde começar…Têm sido uns anos muito difíceis para mim”. (sic). Uma frase curta, mas que para mim disse tanto. O cansaço e angústia encontravam-se estampados na cara do Sr. F., adotando uma postura curvada na cadeira. De imediato me apercebi que estava perante uma pessoa com uma necessidade extrema de falar. Apesar de entusiasmada com esta primeira intervenção, percebi que naquele momento o melhor contributo que poderia dar era manter- me em silêncio, apenas a ouvir e devolver o que me era dito. No fundo tentei recriar naquele início de tarde, um espaço onde o pai da C. se sentisse acolhido e escutado, onde este pudesse

partilhar as suas experiências, dúvidas e medos enquanto familiar de uma pessoa com doença mental.

Partilhou comigo informações para si significativas. O Sr. F. associa o fim do casamento com a mãe da C., como a razão para o aparecimento da doença: “ Ela até então era uma criança normal, nunca tinha dado problemas, tudo começou aos 12 anos com o processo de divórcio “. (sic). Foi visível a necessidade de atribuir a esta realidade um acontecimento de origem,

no caso das doenças mentais das doenças mentais mais graves, encontramo-nos com uma maior dificuldade na hora de achar um sentido ao que esta a acontecer(…) contudo, por detrás do sintomas existe sempre uma situação de conflito, sendo a doença um intento falhado de resolução do mesmo (Basteiro et al, 2003).

A verdade é que existia uma necessidade extrema de justificar o que havia despoletado a doença, surgindo simultaneamente sentimentos de culpa, que o Sr. F. referia como tal.

Ao longo do discurso era evidente a necessidade de ser compreendido: “Nunca mais tive vida, vivo para a minha filha” (sic). Referiu que várias vezes tentou refazer a sua vida, tendo ao longo dos anos feito algumas investidas em relacionamentos, que segundo o Sr. F. acabavam no momento em que confidenciava tinha uma filha que sofria de doença mental. Como confortação respondia de imediato: “ Se não aceitam a minha filha, como podem gostar de mim? (sic).

“A doença mental tem consequências profunda em todos os membros da família. Uma das razoes do grande sofrimento das famílias é que, por vezes vivem em função do seu familiar, esquecendo que tem uma vida própria” (Ornelas et al, 2005).

Caraterizava o relacionamento com a filha como um fardo que teria de carregar associando sentimentos de tristeza e de certo modo punitivos, assumindo uma postura castradora em todos os relacionamentos amorosos que tentava ter. Este sentimento de exclusão da C. estendia-se também á família paterna: “Causa-me muita dor, no outro dia fui convidado para um casamento de uma sobrinha e foi-me explicitamente dito que não poderia levar a minha filha…acabei por não ir e sofri em silêncio” (sic).

“Os preconceitos não estão só na sociedade, estão também nas famílias. Primeiro que tudo é preciso aceitar esta doença nos nossos familiares. É importante que os outros membros da família, além de aceitarem a doença participem na ajuda do doente” (Ornelas et al, 2005). Há medida que descrevia várias situações a emoção tornava-se cada vez mais evidente na sua cara, verbalizando inúmeras vezes: “Eu amo muito a minha filha, mas assim não consigo tê-la em casa” (sic). Permaneci calada. Sei que deveria ter tomado outra posição, fornecer algumas

estratégias e informação para que percebesse que esta tomada de posição por parte das famílias se deve muito á falta de conhecimento e informação sobre as doenças mentais e acima de tudo ao estigma que se encontra muito enraizado ainda na nossa sociedade atual. Poderia ter dito tudo o que aprendi e que a literatura me ensinou, mas não o fiz.

Por momentos consegui identificar-me de imediato com aquelas palavras, com aquele sofrimento. Também eu tenho um familiar próximo com debilidade apesar de ligeira, que estará no futuro entregue aos meus cuidados. Naquele instante consegui transferir para mim parte daquele sufoco, pois tal como aquele pai, quando chegar a minha vez de cuidar da minha tia- madrinha, não se estarei á altura…também serei recriminada pela por não dar apoio suficiente? Também eu terei sentimentos de culpa se optar por recorrer a uma instituição para que ela tenha um acompanhamento devido? Também eu, como o Sr. F., irei ficar com um sentimento de vazio de quem não fez tudo o que estava ao seu alcance?

Confesso que tais pensamentos me causaram um grande sufoco e ansiedade, tendo perfeita consciência que é um assunto que me incomoda e se mantém no topo da pirâmide das minhas preocupações a longo prazo. Serei capaz de dar resposta? Por um lado desejaria tê-la sempre ao meu lado, por outro lado temo que as circunstâncias da vida não me permitam fazê-lo. Também esta ambivalência de sentimentos estava presente no discurso do Sr. F. Não se tornava difícil percebê-lo e colocar-me no lugar dele. Perante o Sr. F. não consegui dizer nada para além de:“ Percebo o que me esta a dizer, compreendo o que esta a sentir”.

Não é fácil para a pessoa aprender a viver com a doença mental e para as famílias não menos doloroso. Para além de considerarem um “fardo” que terão de carregar toda a vida, muitas vezes o sentimento de punição/ culpa associado dificulta todo este complexo processo.

Ao longo da intervenção o Pai da C. várias vezes referia:” Penso muitas vezes se não foi a mina ausência quando a C. era pequenina que a tornou assim…agora estou a pagar por isso, por não ter estado por perto.”. (sic) Era constante a necessidade de arranjar uma etiologia para o acontecido.

A palavra culpa assumia especial ênfase na intervenção deste dia pelo que sugeri que no próximo encontro, explorássemos estes sentimentos, mostrando-se inteiramente disponível e motivado para tal.

Tenho consciência que se fizesse de novo conduzia a intervenção de maneira diferente, mas daí a razão de ter refletido sobre este encontro. Há sempre aspetos a melhor, fazendo parte de um processo de aprendizagem complexo e dinâmico.

Para mim sem dúvida que foi uma mais-valia, um momento importante que contribuiu para a aquisição de competências enquanto Pessoa e enquanto futura enfermeira especialista em ESMP. Para o Pai da C. , bastou-me ter partilhado no final: “Sinto-me mais aliviado” (sic). Estas palavras dão- me força para continuar, acreditando com pequenos gestos e de um modo espontâneo conseguimos fazer a diferença.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Basteiro, S., Gil, C.M., Remédios, M. (2004). Guia para Familiares de Doentes Mentais, Lisboa, Stória Editores.

Gordo, M. (2003). Reabilitação da Pessoa com Doença Mental – das Famílias para a Instituíção, da Instituíção para a Familia. Lisboa. Climepsi Editores.

Ornelas, J., et al. (2005). Participação e Empowerment das Pessoas com Doença Mental e

Anexo 6

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