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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Principais doenças observadas nos Gatos Domésticos Geriátricos

2.3.2 Diabete Melito

As doenças endócrinas e metabólicas em animais geriátricos estão, cada vez mais, sendo reconhecidas e tratadas (HOSKINS, 2008). Na clínica de felinos, a endocrinopatia mais comumente vista é o diabete melito (DM). Essa doença é ocasionada pela absoluta ou relativa deficiência de insulina, devido à insuficiência de secreção desse hormônio anabólico pelas células de Langerhans, componentes do pâncreas endócrino, ou pela resistência periférica à insulina (FELDMAN e NELSON, 1996a; REUSCH, 2011).

De acordo com Reusch (2011), o DM em gatos é classificado de forma semelhante ao DM em humanos. Nessa conjuntura, a doença é classificada como sendo do tipo I ou do tipo II, levando-se em consideração os mecanismos fisiopatológicos e as alterações que afetam as células pancreáticas. O diabete melito tipo I é caracterizado pela perda ou total destruição das ilhotas de Langerhans, geralmente com origem imunomediada, provocando progressiva e completa insuficiência do hormônio insulina. Nesses casos, os animais afetados são considerados insulinodependentes, pois podem ter uma súbita ou progressiva ausência da secreção do hormônio, sendo necessário o tratamento com insulina exógena. Já o DM tipo II é caracterizado pela resistência periférica à insulina e disfunção das células pancreáticas. Esse tipo também pode gerar animais dependentes ou não de insulina, variando conforme a resistência à insulina e à funcionalidade das células beta (FELDMAN e NELSON, 1996a; O´BRIEN, 2002). No caso dos gatos, o tipo I é de rara ocorrência, pois 80% ou mais dos casos de DM que ocorre nessa espécie é referente ao tipo II (REUSCH, 2011).

Clinicamente, é mais fácil classificar os animais acometidos por essa endocrinopatia como insulinodependentes (DMID) ou não dependentes de insulina (DMNDI), já que a sintomatologia clínica que esses animais apresentam não ajuda na diferenciação entre DM tipo I ou tipo II. Contudo, no caso dos gatos essa classificação pode ser complicada, pois esses animais possuem a característica de não serem dependentes de insulina no começo, tornando-se progressivamente dependentes de insulina e oscilar entre essas duas situações (NELSON, 2003). É citado por Feldman e Nelson (1996a) que cerca de 70% dos felinos domésticos acometidos apresentam a forma dependente de insulina.

A disfunção das células pancreáticas, no caso dos gatos, pode estar associada à vacuolização dessas células, amiloidose e pancreatite (FELDMAN e NELSON, 1996a; NELSON, 2001; O’BRIEN, 2002). Já no caso da resistência à insulina, fatores como genética, obesidade, inatividade física e administração de glicocorticoides e progesterona, podem estar relacionados (REUSCH, 2011). Por isso, conhecer a epidemiologia dessa doença faz com que os Médicos Veterinários identifiquem os animais de risco mais facilmente para que possa haver diagnóstico precoce e, assim, a instituição do tratamento adequado, permitindo o correto controle da doença (LUND, 2011).

Os gatos que estão na fase geriátrica são os mais acometidos, segundo Nelson (2003), havendo aumento da prevalência dessa doença em animais com idade acima de nove anos, com média de 10 anos. De acordo com um estudo realizado por Lund (2011), 47% dos animais acometidos pelo DM tipo II são pertencentes à faixa etária adulta e 50% à geriátrica. Além disso, esse estudo mostrou também que gatos machos castrados possuem maior risco de ter a doença do que os machos inteiros e as fêmeas castradas ou inteiras. Os gatos machos parecem ser mais predispostos ao DM do que as fêmeas obesas porque possuem menor sensibilidade a esse hormônio (APPLETON et al., 2001) e esse fato, associado ao aumento de peso que os animais castrados costumam apresentar, pode explicar o porquê desse maior risco. O sobrepeso e a obesidade são apontados como fatores contribuintes para a resistência à insulina em gatos, diminuindo a sensibilidade a esse hormônio anabólico em até 50% e causando quadro de hiperinsulinemia (APPLETON et al., 2001). Assim, o gato geriátrico tem maiores chances de ser acometido por essa endocrinopatia, pois, nessa faixa etária, a energia de manutenção desses animais é menor e eles são mais sedentários, o que contribui para o quadro de sobrepeso ou obesidade, comumente visto em geriátricos (LAFLAMME, 2012). É relatado por Hoenig et al. (2007), que a redução do peso corrige tal insensibilidade à insulina, pois para cada 1kg a menos, aumenta-se a sensibilidade a esse hormônio em até 30%. Porém, é importante ressaltar que, embora a obesidade induza à resistência à insulina, nem todos os animais obesos irão ter a doença, pois quando as células pancreáticas são saudáveis, há aumento na secreção de insulina como resposta adaptativa (REUSCH, 2011).

Independentemente da etiologia, os animais acometidos por essa endocrinopatia apresentam hiperglicemia e glicosúria, sendo a última responsável pelos sinais clínicos clássicos da doença, que são poliúria e polidipsia compensatória, além de polifagia com aparente perda de peso, letargia, pelagem com aspecto seco e despenteado e, ainda, astenia nos membros pélvicos, associado a uma postura plantígrada, quando há neuropatia diabética

(Figura 6) (RUCINSKY et al., 2010; PÖPPL, 2011; REUSCH, 2011). Também pode haver anorexia, hipodipsia e vômitos, quando o animal estiver em cetoacidose (RAND e MARSHALL, 2005; REUSCH, 2011). As alterações comumente vistas nos exames de hemograma e bioquímicos são leve anemia, leucograma de estresse, hipercolesterolemia e aumento da Alanina Aminotranferase (ALT) e da Fosfatase Alcalina (FA) (REUSCH, 2011). A urinálise, além de glicosúria, pode mostrar proteinúria, corpos cetônicos e densidade >1.020 (REUSCH, 2011).

Figura 6 - Felino diabético apresentando neuropatia diabética associada à postura plantígrada (Fonte: PÖPPL, 2011).

O diagnóstico é dado quando há os sinais clínicos associados à persistente glicosúria e hiperglicemia (REUSCH, 2011). Contudo, o diagnóstico no caso dos gatos se torna difícil tendo-se por base a glicemia, pois nessa espécie é comum a hiperglicemia por estresse. Dessa forma, a mensuração da frutosamina (proteínas glicosadas) sérica se mostra uma boa opção de exame para o diagnóstico dessa endocrinopatia (RAND e MARSHALL, 2005).

O tratamento tem o objetivo de eliminar a sintomatologia clínica que o animal apresenta e prevenir complicações da doença já que, diferentemente do que ocorre com os cães, no caso dos gatos pode haver remissão da doença, se instituído o tratamento adequado (KIRK, 2006; REUSH, 2011). As recomendações para um gato recém diagnosticado com DM e sem estar no quadro de cetoacidose é mudança na dieta e administração de insulina, pois a

administração de insulina exógena permite remissão do estado diabético em 20% dos casos (KIRK, 2006; PÖLPP, 2011).

Os objetivos do correto manejo nutricional são controlar o peso corporal, conferir a esses animais todas as necessidades nutricionais diárias, melhorar a sensibilidade periférica à insulina, evitar complicações diabéticas como cetoacidose e neuropatias e coordenar a absorção de nutrientes com o pico da atividade da insulina (KIRK, 2006). Mazzaferro et al. (2003) relatam que mais de 60% dos gatos alimentados com dietas com baixo teor de carboidratos e gorduras e com maior quantidade de fibras e proteínas de alta densidade energética, reverteram o estado diabético para o estado não diabético, pois com menor quantidade de carboidratos ingerida há melhor controle da glicemia, principalmente no período pós-prandial. Kirk (2006) afirma que, no caso de alguns gatos diabéticos, pode-se suspender o tratamento com o uso de insulina apenas mudando a dieta.

Sendo assim, é visto que a eficácia do tratamento de DM depende do tipo de dieta, do método de alimentação, da atividade física diária, do uso de insulina ou de fármacos antidiabéticos como os hipoglicemiantes orais, que estimulam a secreção de insulina, desde que haja células pancreáticas funcionais. Contudo, esses medicamentos podem afetar, de forma negativa e progressiva, as células pancreáticas remanescentes (KIRK, 2006).

Observa-se, então, que o diabete melito é uma endocrinopatia multifatorial e que além de trazer prejuízos à qualidade de vida do animal, exige mudanças nos hábitos do mesmo, o que pode ser trabalhoso no caso dos animais geriátricos. Tal doença é tratável, mas para que haja sucesso e um prognóstico favorável, são necessários esforços tanto da parte do clínico quanto do proprietário, visando sempre conferir melhor qualidade de vida ao animal acometido (RUCINSKY et al., 2010; PÖPPL, 2011). Segundo Nelson (2003), o tempo de sobrevida de um gato após o diagnóstico de DM é em torno de três a cinco anos.