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6. Material e métodos

8.1 Diagnóstico Genético na prática clínica: A migração do SS para a

Desde que o sequenciamento pelo método de Sanger (SS), utilizando ddNTPs (dideoxinucleotídeos) foi descrito em 1975, os métodos para realização de sequenciamento e análise genética vem sendo aprimorados constantemente (79). A determinação da sequência genética por SS foi amplamente utilizada no projeto Genoma Humano concluído em 2001. Esta técnica é, ainda hoje, considerada o método padrão ouro para sequenciamento genético. Um aumento significativo, tanto da capacidade geração, como de análise das sequencias genéticas pela técnica de sequenciamento Sanger (SS), cujo princípio básico se mantém o mesmo, se deu após criação e aprimoramento dos sequenciadores por eletroforese capilar (EC), cuja capacidade máxima de leitura é de 700pb a 800pb (80).

O aperfeiçoamento dos dispositivos de EC propiciou um avanço exponencial na compreensão dos estados normais e patológicos relacionados à genética humana. Como exemplos disto, a técnica de SS permitiu definir padrões de herança, possibilitou o aperfeiçoamento do aconselhamento genético, definiu penetrância da doença nos portadores de mutações e estabeleceu correlações genótipo-fenótipo. Como consequência, promoveu o diagnóstico e tratamento precoce de várias condições genéticas, elevando a qualidade de vida e de sobrevida dos portadores.

O acesso à análise genética permite o reconhecimento de parentes sob risco que não herdaram a mutação, havendo um benefício psicológico, uma vez que recebem aconselhamento genético que os excluem, junto com seus descendentes, da expectativa de desenvolver a doença de seus familiares. Há, também, benefício aos Serviços de Saúde públicos e privados uma vez que estes indivíduos são excluídos da necessidade de vigilância clínica periódica, minimizando os custos de saúde. Além disto, a identificação de portadores assintomáticos de mutação permite a inclusão destes indivíduos em um programa de vigilância clínica periódica que possibilita tanto o diagnóstico como o tratamento precoce.

As neoplasias endócrinas múltiplas tipos 1 e 2 são exemplos do benefício resultante da implementação da análise genética na prática clínica (81-89). Dados indicam que cenários onde são aplicados o diagnóstico genético de NEM1, não há ocorrência de metástases ou mortalidade, enquanto que nos indivíduos não diagnosticados tais taxas resultam em 23% e 15%, respectivamente. Da mesma forma, quando o diagnóstico é puramente clínico, estas taxas resultam em 18% e 7%, respectivamente (9).

Alguns poucos serviços médicos de atenção terciária oferecem o rastreamento genético na prática clínica. A maioria dos recursos voltados para este fim é originado de fundos acadêmicos e para pesquisa, que acabam, indiretamente, beneficiando pacientes nestes serviços. Tal fator se deve, principalmente, ao alto custo para execução dos procedimentos envolvidos e de análise e interpretação dos dados, gerando uma barreira para difusão da análise genética de pacientes com síndromes hereditárias raras e complexas.

Síndromes genéticas que não dispõem de uma clara associação genótipo-fenótipo, que cursam com penetrância e expressividade variáveis e que não apresentam mutações específicas de alta prevalência, ditas hots spots mutacionais, amplificam as dificuldades de incorporação da análise genética como rotina na prática clínica. A síndrome NEM1 e Neurofibromatose tipo 1 representam exemplos clássicos de condições genéticas que englobam estas desvantagens. A ausência de hots spots mutacionais, por exemplo, implica na obrigatoriedade de sequenciamento de toda região codificadora destes genes. No caso de NEM1, ao menos 8 pares de sequencias iniciadoras, 8 reações de PCR e 16 reações de sequenciamento devem ser, no mínimo, consideradas. Em alguns casos, faz- se necessário sequenciamento de regiões não traduzidas (UTRs), promotoras e intrônicas.

O desenho das sequencias iniciadoras para determinadas regiões e a utilização das mesmas para reação de sequenciamento se constituem em uma tarefa complexa pela necessidade de alta especificidade destes oligonucleotídeos. A reação de PCR longa, embora também demande desenho de sequencias iniciadoras específicas, necessita de somente um par de oligonucleotídeos aliado a uma única reação de PCR. Uma vez amplificado, o material encontra-se pronto para ser processado. Soma-se a isto a eficácia

da enzima utilizada na PCR longa em corrigir falhas de incorporação (sítio de exonuclease). Os sítios de ligação dos oligonucleotídeos não devem conter SNVs conhecidos e devem ser alocados, preferencialmente, em regiões conservadas do genoma, exigindo cautela, uma vez que as regiões UTRs, intergênicas ou intrônicas, em muitos casos, não são bem conhecidas.

O método de NGS permite o sequenciamento e análise de toda região genômica do gene selecionado, além da inclusão, em uma mesma rotina, de diversos indivíduos a partir da técnica de indexamento duplo (dual indexing - Illumina) ou aplicação de “códigos de barras” em uma das extremidades da sequência (Barcoding – Ion Torrent). Isto é possível mesmo que alvos (painéis ou genes) ou métodos de captura e enriquecimento (PCR longa, PCR multiplex ou captura por sondas de DNA ou RNA biotiniladas) sejam distintos. Em decorrência destas características, o método de NGS incorre em um custo menor por cada par de base sequenciadas, sendo mais custo efetivo que SS (90).

O bom custo-benefício da aplicação do método de NGS é corroborado por vários estudos usando esta técnica como método de diagnóstico de várias síndromes genéticas de predisposição a câncer (91-95), incluindo câncer de mama/ovário familial (84), neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (96), casos familiais de paraganglioma e feocromocitoma (97) e outras doenças complexas (98).

Embora não haja, até o momento, nenhum estudo realizando triagem genética para indivíduos portadores da síndrome NEM1 por NGS, Manson-Bahr et. al. (2015) estudaram recentemente o gene MEN1, dentre vários outros, em amostras de tumores prostáticos fixados, utilizando a plataforma HiSeq 2000 (Illumina, EUA). Neste estudo foi demonstrado que, para maioria dos casos, é possível triar geneticamente materiais provenientes de tumores para avaliação de riscos potenciais (99). A boa aplicação do método de NGS para diagnóstico genético de NEM1 também teria elevado potencial para investigação de outros fatores genéticos atuando, juntamente com a mutação germinativa

MEN1, no desenvolvimento ou não da doença e/ou modulando o fenótipo (1).

Todos estes estudos envolvendo NGS (90-99) asseguram a boa aplicabilidade e eficácia desta técnica na triagem genética de indivíduos portadores de doenças

monogênicas e complexas, mostrando uma tendência de migração da técnica de sequenciamento Sanger para NGS na prática clínica.

Especificamente no caso de NEM1, 5% a 10% dos indivíduos não possuem variantes patogênicas na região codificadora do gene (100). Em decorrência deste fator, a aplicação do método de NGS com a leitura de toda região genômica do gene, bem como possibilidade de fácil enriquecimento e análise de outros genes possivelmente relacionados ao desenvolvimento da síndrome teria o potencial de revelar variantes genéticas patogênicas nestes casos cuja identificação por SS seria até possível, porém, muito mais dispendiosa e trabalhosa.

Nós não encontramos mutações germinativas em regiões promotoras ou UTR ou definitivamente intronicas usando NGS em 19 pacientes negativos para mutação MEN1 em exons ou fronteiras intron-exon. Vários trabalhos sistematicamente sugerem que parte dos pacientes com NEM1 sem mutação poderiam ter mutações patogênicas nestas regiões. Entretanto, até o presente, não há estudos documentando esta hipótese. Embora, nossos dados tenham sido negativos, o número de pacientes analisados em nosso estudo é muito pequeno e, por isto, não se pode excluir que este fenômeno esteja presente em alguns pacientes com NEM1. A técnica aqui utilizada, por sua vez, possibilita que tais regiões sejam facilmente rastreadas com um número maior de pacientes tendo, assim, elevado potencial de responder esta questão em trabalhos subsequentes.

No presente estudo, nós identificamos 3 pacientes com grandes deleções no gene

MEN1 por MLPA, correspondendo a 4% dos casos. O número de casos com deleções

grandes é extremamente variável na literatura (1-33%) (33). Provavelmente, isto deve estar relacionado com o fenótipo selecionado para investigação e com o número de pacientes analisados nas diferentes casuísticas.

Dentre os 19 pacientes analisados sem mutação germinativa identificada por SS ou MLPA, havia 8 com NEM11 familial em nossa casuística. Três deles, tinham deleções grandes por MLPA (38%/3/8). O fenótipo destes pacientes era inequívoco com detecção de NEM1 típica em vários membros destas famílias, incluindo múltiplos tumores e multicentricidade aumentando a expectativa de achado de mutação germinativa. Mesmo se consideramos todos os 19 casos, teríamos 16% com deleções grosseiras. Assim, nós

concordamos que a análise por MLPA deve ser, por ora, recomendada para todos os pacientes com NEM1 negativos para mutação, como recomendado por Consensos. É possível que estudos futuros possam definir mais claramente se todos estes pacientes realmente necessitem de MLPA ou se deveria ser suportada para casos específicos. Estudos avaliando o custo-benefício desta técnica em pacientes com MEN1 considerando subgrupos de maior ou menor risco potencial como aqui sugerido são necessários.

Somente cerca de 2-3% dos pacientes com apresentação esporádica de NEM1 ou NEM1 familial sem mutação previamente documentada no gene MEN1 são caracterizados como síndrome NEM1-like. Estes pacientes albergam mutações germinativas em genes inibidores de quinases dependentes de ciclina. Os genes associados com o fenótipo NEM1-like são: CDKN2B, CDKN2C, CDKN1A e CDKN1B

(p27) (100-101). O gene p27 foi o primeiro deste grupo de genes supressores tumorais

atuando na via de quinases dependentes de ciclinas a ser associado com o fenótipo MEN- like e pacientes com mutações neste gene foram classificados como portadores de síndrome NEM4 (101). O fenótipo dos pacientes com MEN-like não é ainda bem caracterizado. Fenótipos NEM1 associados com mutações em um destes genes parecem ser excepcionalmente raros uma vez que 7-10 anos após associação com este fenótipo somente 10 probandos foram reportados com MEN4 e 8 com mutações germinativas em um dos outros genes CDKIs Não CDKN1B dentre cerca de 525 pacientes investigados com fenótipo MEN1.

Da mesma forma que sugerido para análise por MLPA, são necessários estudos para avaliar melhor se realmente todos os casos com fenótipo NEM1 ou NEM-like sem mutação germinativa por SS ou por MLPA deveriam ser submetidos à análise de todos os outros genes MEN1-relacionados. Como esta associação parece ser extremamente rara a avaliação de custo-benefício da análise destes múltiplos genes deve ser investigada em estudos futuros.

Baseado nestes dados, nós preferimos estabelecer e validar a técnica NGS somente para o gene MEN1 uma vez que não há dúvida do valor de sua indicação para todos os pacientes com fenótipo MEN1. Por outro lado, a técnica aqui validada permite

que se explore futuramente o custo-benefício da análise combinada do gene MEN1 e dos outros genes MEN1-relacionados.

Fenocópias correspondem aos pacientes portadores de mutação somática ocorrendo de forma casual e independente em diferentes tecidos relacionados com predisposição ao desenvolvimento de tumores em NEM1. Como exemplo de fenocópia, podemos citar um paciente com diagnóstico clínico de NEM1, caracterizado pela associação de hiperparatireoidismo e acromegalia, ausência de mutação germinativa no gene MEN1, ausência de deleções por MLPA, ausência de mutação germinativa nos genes: CDKN2B, CDKN2C, CDKN1A e p27 e estudo genético dos tumores revelando mutações somáticas. No caso exemplificado, com a presença de mutação inativadora em heterozigose no gene HRPT2 e perda de heterozigose tecidual (inativação bialélica tecidual) no adenoma de paratireoide e mutações somáticas ativadoras da proteína Gsα no tumor hipofisário. Ao contrário de NEM1 familial clássica, estes pacientes não albergam qualquer risco de transmissão genética para seus descendentes.

Finalmente, não pode ser excluído que um grupo restrito de pacientes com NEM1 possam ter variantes patogênicas germinativas ou de significado desconhecido em genes ainda não relacionados à síndrome. Outra possibilidade seria a de que alguns pacientes com MEN1 esporádica poderiam apresentar mutações somáticas pós-zigóticas no gene

MEN1 ou em outros genes configurando em possíveis mosaicos com é descrito, por

exemplo, na síndrome de Mccune Albright.

8.2 Determinação de métricas e parâmetros mínimos

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