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3. Dialogismo

3.1 Dialogismo e análise dialógica do discurso

Para a construção deste trabalho, a metodologia utilizada foi a da Análise Dialógica do Discurso, a ADD. A ADD é a designação para uma proposta de teoria inspirada nas ideias de Bakhtin. Seu principal conceito é o de relações dialógicas ou dialogismo, que pode ser definido como:

Dialogismo designa hoje o fato de haver entre as pessoas entre si e entre seus enunciados relações dialógicas em que as palavras, que se repetem, servem aos enunciados, que não se repetem, mesmo que usem as mesmas palavras. Essas relações portanto não são as relações lógicas que podemos ver nas frases, mas relações menos previsíveis, criadas nos enunciados (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, p.1089).

Como as demais análises de discurso, a ADD tem como enfoque estudar o discurso e não a língua. A partir desta perspectiva, o discurso só pode ser entendido se soubermos quem usa a língua se dirigindo a quem, qual é o contexto em que este discurso está inserido e qual momento, local e as relações sociais que envolvem os interlocutores. Para esta teoria, a língua possui significações, ou seja, o significado das palavras e expressões dentro do sistema da língua, e a partir delas o discurso produz sentidos, o que vai além destas significações. Desta forma, o contexto e as relações entre os interlocutores se tornam essenciais (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016).

Na ADD é na interação que acontece a relação entre os sujeitos, a chamada interlocução. Essa relação não acontece apenas no aqui e no agora, dos sujeitos face a face, mas sim nos mais diversos diálogos, inclusive entre sujeitos que viveram em épocas diferentes.

A interação entre dois interlocutores envolve a sociedade e a história, ou seja, suas posições sociais ao longo do tempo, suas diferentes posições sociais (pai- filho, professor - aluno, chefe - chefiado, pessoa de classe alta ou baixa, por exemplo) e suas relações sociais, não apenas entre si no

momento da interação, mas ao longo da vida, com outras pessoas, em diversos ambientes.” (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, p.1082).

A teoria dialógica concebe o comportamento humano e a existência em função da forma como os homens usam a linguagem em suas interações. A caracterização deste uso é “a orientação da palavra viva para o meio movediço dos discursos alheios com os quais interage” (Fernandes, 2009). Desta forma, a teoria entende que os discursos surgem a partir das relações enunciativas entre os interlocutores, não de forma independente da língua mas também não restritos às significações (SOBRAL; GIACOMELLI, 2018). Assim, os contextos histórico-sociais são levados em conta na análise da produção de sentidos.

Os estudos do dialogismo ultrapassam as barreiras da linguagem e propõe uma verdadeira interdisciplinariedade nos estudos do campo da ciência do homem. A partir da teoria, a enunciação é entendida como “um processo social contínuo de instauração de eventos significativos (SOBRAL, GIACOMELLI, 2018, p.314).

Esta perspectiva aponta que o sentido não é propriedade das palavras, mas surge em situações de interação. Logo, uma palavra de significação negativa no dicionário pode adquirir significações positivas dependendo do contexto em que está inserida.

Para a ADD, falar, enunciar é um ato que cria “uma ligação entre o sistema linguístico e o sistema concreto de relações sociais que chegam à nossa consciência

por meio de enunciados, os discursos” (SOBRAL; GIACOMELLI, 2018, p.309). Os

sentidos, portanto, nascem na negociação entre os interlocutores envolvidos em uma interlocução e da relação que eles mantém. Segundo Sobral e Giacomelli, a negociação permantente é entendida com os esforços de propor (e muitas vezes impor) os sentidos intencionados a partir dos seus projetos enunciativos. A definição de discurso é assim entendida preliminarmente como “o espaço em que a prática linguística constiui seus atores e determina seus sujeitos”. (SOBRAL; GIACOMELLI, 2018, p.35).

O enunciado é concebido como unidade de comunicação, de significação, sendo necessariamente contextualizado. A teoria aponta que uma frase realiza-se em um número infinito de enunciados, visto que cada um é único dentro de situações específicas. Assim, tem sentidos diferentes em situações enunciativas diferentes (BRAIT, 2005). Desta forma, na perspectiva do dialogismo, o processo interativo é composto pelo verbal e pelo não verbal, que, integram a situação e

fazem parte de um cenário maior, tanto no que diz respeito a aspectos históricos quanto ao que o enunciado projeta para o futuro (BRAIT, 2005).

É importante compreender que quando se dirigem aos seus interlocutores, os locutores procuram adaptar aquilo que estão dizendo a duas coisas: a expectativa que o interlocutor tem em relação a ele e o que querem fazer o interlocutor entender ao dizer o que dizem. Aqui se percebe a importância do entendimento de quais as relações que pautam o diálogo, se existe uma hierarquia, se há uma relação familiar ou de amizade. Quanto ao segundo, trata-se daquilo que é pretendido ser realizado com aquele projeto de dizer. No caso deste trabalho, cujo enfoque é o estudo de peças publicitárias, chegou-se até aqui considerando que, independentemente do tom utilizado e do posicionamento que a marca adquiriu, se o argumento é mais comercial ou foi traduzido na forma de um conselho, o que se objetiva é a venda de um produto ou serviço.

Um aspecto importante de ser enfatizado é que a negociação dentro das situações de enunciação não se reduz apenas a diálogos em que ambos os interlocutores estão fisicamente juntos, ela também está presente nos textos escritos. Para Sobral e Giacomelli (2018) quem escreve precisa de alguma forma reproduzir a situação na qual escreveu pra levar quem lê a entender as pistas propostas.

Para a análise dialógica do discurso, a enunciação deixa nos enuciados marcas que são materiais (marcas linguísticas), como na ordem do sentido (marcas enunciativas). (SOBRAL; GiACOMELLI, 2018, p.310).

Segundo Sobral e Giacomelli (2016), a língua permite a produção de frases que têm significações e o discurso usa frases para a criação de enunciados, que podem ser entendidos como frases com autores ou frases dirigidas a alguém por um locutor que busca adaptar o que diz ao contexto em que está falando. Vale ressaltar que para Análise Dialógica do Discurso todo o enunciado dialoga com outros enunciados que foram produzidos antes dele, tentando até mesmo responder a enunciados que não foram ditos (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016). O enunciado é a unidade de análise da ADD.

Os enunciados possuem o que a ADD chama de tema. Mesmo se soubermos a significação das partes de um enunciado, não vai ser possível compreender o tema, visto que para isso será necessário saber ao menos como e onde algo foi dito a alguém. Por exemplo, se uma pessoa diz a outra “que bonito”, não se sabe a que

ela se refere, se ela está elogiando ou sendo irônica. Sobral e Giacomelli (2016) afirmam que para saber o tema é preciso saber onde, quando, quem, como e a quem disse algo para de fato entender o que foi dito.

Logo, a ADD propõe diferentes níveis a serem pensados ao longo da análise. Inicialmente o de contexto imediato, em que são conhecidos os papéis sociais dos interlocutores e suas relações. O nível de contexto social mediato envolve ambientes em que se interagem socialmente (escola, balada) e das exigências que este local faz em um determinado momento. O nível do horizonte social e histórico abrange culturas, relações entre culturas e os grandes períodos da história, o espírito de época e a relação entre os diferentes espíritos, bem como das diferentes épocas. No contexto da ADD, as pessoas baseiam-se em todas as interações que já vivenciaram para tentar imaginar as reações dos outros e antecipar isso em todo o novo processo de diálogo construído (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016). Este aspecto foi essencial para a escolha da ADD como metodologia de análise deste trabalho, pois quando se fala em publicidade, entende-se um locutor intencional, que tem um projeto de dizer até certo ponto claro e uma intencionalidade específica em qualquer interação. A forma como este discurso irá ser produzido tentará prever reações, sendo consequentemente mais argumentativo para aqueles que, imagina-se, venham a ter uma discordância, bem como mais comercial para aqueles que buscam vantagens promocionais, por exemplo.

Vale ressaltar que as relações dialógicas não acontecem apenas entre interlocutores diferentes, afinal, um monólogo também responde a alguém. Os autores trazem como exemplo o enunciado “As coisas não são bem assim”. Ele surge como uma resposta a quem disse (ou um dia vier a dizer) que as coisas são assim.

Os signos para a ADD são ideológicos, mas não se entende essa ideologia como falsa consciência, mas como a utilização no discurso a partir de uma dada posição social e histórica. Esta percepção deixa claro que nenhum dizer é descompromissado, os discursos produzidos estão sempre ligados aos interesses de quem os produz (mesmo que esse locutor não saiba disso ou não o reconheça). Portanto, nenhum enunciado é neutro, visto que um locutor sempre deseja realizar um projeto de dizer, almejando que o interlocutor aceite aquilo que diz.

Não há locutor que diga algo com total imparcialidade, porque dizer algo sempre parte da realidade da pessoa, de sua vida, de suas experiências,

revelando sua posição, tanto sobre um dado assunto como a posição que ela ocupa da coletividade (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, p.1083).

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