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Diana Klinger: na autoficção, o autor volta à cena

CAPÍTULO I: AUTOFICÇÃO: UM PERCURSO TEÓRICO

I.6 Diana Klinger: na autoficção, o autor volta à cena

O percurso teórico apresentado fixou-se na sua origem e nas reflexões que os pesquisadores franceses realizaram. Porém, ao cruzar o Atlântico, a autoficção encontrou na América tanto do Norte como do Sul, terreno fértil para se desenvolver não só teórico, mas também literariamente. No espaço da academia, o neologismo francês tem ganhado cada vez mais atenção nos trabalhos acadêmicos dos mais variados níveis. Observando o cenário brasileiro, destacam-se inúmeros estudos sobre a autoficção. Dentre esses destaco o de Diana Klinger, cuja pesquisa não fala apenas da autoficção na literatura contemporânea brasileira como a compara com obras latino-americanas, mais especificamente, argentina e colombiana. Diana Klinger é autora do livro Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica (2012), fruto de sua tese de doutorado, em que estuda quatro romances:

Nove noites, de Bernardo Carvalho, Noches vacías, de Washington Cucurto, La virgen de los sicários, de Fernando Vallejo, e de João Gilberto Noll, Berkeley em Bellagio.

Nesta pesquisa, Klinger analisa as obras citadas, pois além de trazerem fortes marcas autobiográficas, elas “escrevem sobre o outro mundo, [o] subalterno” (2012, p. 10). Em outros termos, ela investiga a presença da autoficção, entendida como a escrita de si; e o olhar que os narradores dos romances referidos têm do outro, no caso, os marginalizados. Sobre a autoficção, a autora a insere numa discussão mais ampla, que inclui a volta do autor e a sua revalorização, que no contexto atual é um “sujeito midiático” (KLINGER, 2012, p. 34), além de revisar a crítica ao Estruturalismo.

Na verdade, o intuito da estudiosa é apresentar uma definição própria sobre a autoficção, que “se inscreve no coração do paradoxo deste final do século XX: entre o desejo narcisista de falar de si e o reconhecimento da impossibilidade de exprimir uma ‘verdade’ na escrita” (KLINGER, 2012, p. 22). Por esse trecho, verifica-se que Diana Klinger entende a autoficção como um produto do final do século XX, no qual há um desejo do “eu” de se expor, mas há uma dificuldade de exprimir isso. Em outro fragmento, ela diz qual é seu objetivo:

[...] articular a escrita com uma noção contemporânea da subjetividade, isto é, um sujeito não essencial, incompleto e suscetível de autocriação. [...] a autoficção – tal qual a definiremos aqui – surge em sintonia com o narcisismo da sociedade midiática contemporânea, mas, ao mesmo tempo, produz uma reflexão crítica sobre ele (KLINGER, 2012, p. 39).

Segundo a autora, a autoficção traz um escritor que fala de si mesmo, mas com bastante dificuldade. Ele é um sujeito narcisista, incompleto, “suscetível a autocriação”, ou seja, a ficção. Sendo assim, a autoficção é resultado de um tempo e de uma sociedade que valoriza o narcisismo midiático, a exposição da subjetividade seja nas redes sociais ou nos programas de reality show.

A partir dessa fala, observa-se uma proximidade entre o raciocino de Diana Klinger e as ideias de Serge Doubrovsky, pois em sua concepção, a autoficção é um registro subjetivo de um indivíduo incompleto. Isso significa que tanto a pesquisadora brasileira como o teórico francês entendem a autoficção como uma autobiografia da pós-modernidade, como “um gênero bivalente, ambíguo, andrógino” (KLINGER, 2012, p. 43, grifo da autora).

Embora se refira as reflexões de Philippe Gasparini, Klinger questiona a ideia de que tudo seria autoficção ou, mais especificamente, ficção. O neologismo “não implica

necessariamente uma corrosão da verossimilhança interna do romance, e sim um questionamento das noções de verdade e de sujeito” (KLINGER, 2012, p. 42). Esse questionamento relaciona-se com a ideia do autor, que voltou para brincar com a noção de sujeito real (2012). O autor seria como um ator, que cria uma ficção de si, e mesmo que ela não seja verdadeira, dentro da ficção, ela será verdade. Nas palavras da autora:

[...] a autoficção adquire outra dimensão que não a ficção autobiográfica, considerando que o sujeito da escrita não é um ‘ser’ pleno, senão que é resultado de uma construção que opera tanto dentro do texto ficcional quanto fora dele, na “vida mesma” (2012, p. 50).

Logo, para Diana Klinger, a autoficção é um gênero no qual o autor questiona a realidade e a si mesmo, já que ele não é pleno em sua essência. E mesmo que o seu relato seja baseado em fatos estritamente reais, como Doubrovsky diz, esse registo será permeado pela ambiguidade, que não só mistura como também extingue as fronteiras entre o real e a ficção, confundindo o leitor em relação à recepção da obra. Além disso, ainda que a questão da identidade onomástica entre autor, narrador e personagem não seja garantia alguma de que o texto é real ou não, a ambiguidade é fortemente potencializada (FAEDRICH, 2014), produzindo assim a autoficção.

* * *

O que se verificou ao longo deste percurso teórico é que a autoficção ainda está envolta de dúvidas, incertezas, polêmicas. Cada estudioso tem um ponto de vista distinto. Entretanto, essa variedade de reflexões e também de definições, que vão de um olhar mais restrito, como o de Doubrovsky e de Klinger, indo para um mais amplo como o de Colonna, coincide com o momento histórico-cultural contemporâneo.

A autobiografia, cujo autor narra sua própria vida a partir do passado, agora na pós- modernidade já não dá mais conta disso. O “eu” já não é mais completo e pleno. Ele é agora um sujeito fragmentado. E ao se contar, ele se ficcionaliza. E por que contar a própria história, se este “eu” se revela incompleto e a própria linguagem não dá conta de registrar a realidade?

Sem grandes narrativas, só resta ao autor a própria história. Porém, à medida que a narrativa da própria vida vai se tornando ficção, o trabalho literário também vai aparecendo. O ficcionalizar é inevitável. E a autoficção, a meu ver, permite que o autor conte a própria vida e ganhe espaço na literatura, sem se preocupar com as exigências de uma autobiografia.

Sobre a autobiografia, é importante ater-se as suas particularidades, com o objetivo de conhecer as diferenças e semelhanças entre ela, incluindo biografia e o diário, e a autoficção.