• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – INTERCOMPREENSÃO

4) Didáctica da Intercompreensão

Didáctica, do grego διδάσκω (ensinar), “refere-se à ciência e arte de ensinar”

(Alarcão, 1984: 247). Com o intuito de tornar o seu objecto de estudo, ou seja, o ensino e a aprendizagem mais eficiente, a didáctica “deve ser entendida como a ciência de como ensinar o quê, a quem, em que circunstâncias, porquê e para quê” (ibidem, p. 248). No sentido de clarificar este constructo, retirámos do “Dicionário de Metalinguagens da Didáctica” (Oliveira, et al., 2000), a seguinte definição:

“[a] didáctica é considerada como uma articulação de vários saberes, visando criar condições favoráveis à aprendizagem de determinada matéria; é constituída por um conjunto de técnicas que preestabelecem, ao ensino, princípios e métodos que se destinam a criar condições favoráveis para que o aluno possa mais eficazmente tirar partido do ensino/aprendizagem a que é sujeito. Por isso mesmo, o que está na mira da didáctica não é o que se ensina, mas sim o como, isto é, as formas, os modos, os meios encontrados e a sua interacção para viabilizar o ensino das matérias em causa (…) A didáctica torna-se necessária na medida em que só através dela o ensino resulta mais eficiente, servindo desse modo e ao mesmo tempo, aluno e sociedade – as duas realidades que nela e por ela se confrontam” (p. 126).

No princípio, concebida como a “arte universal de ensinar tudo a todos” (Coménio, 1976 [1631]), adquirindo um carácter prescritivo, universalista e generalista, confundida como um conjunto de receitas prontas a utilizar, a didáctica foi-se consolidando como disciplina detentora de um carácter heurístico, de descoberta constante e não prescritivo em articulação com outras disciplinas (Psicologia, Sociologia, Pedagogia, etc.), de modo a colher conhecimentos que possibilitem compreender o aluno na sua globalidade e criar condições propícias a uma aprendizagem efectiva. Assim, não se trata da busca de um método único, mas sim uma aplicação flexível dos métodos, dos processos e das técnicas que melhor se adequam às situações reais e específicas de ensino e aprendizagem (Alarcão, 1984, 1989, 1994, 1999; Oliveira et al., 2000).

distingue três dimensões que estão interligadas entre si, a saber: a didáctica profissional, a didáctica investigativa e a didáctica curricular132. De acordo com a autora, podemos “distinguir três acepções do termo didáctica: a didáctica que se pratica na sala de aula, a que chamarei a didáctica da acção profissional, a didáctica que se investiga e que designarei por investigação em didáctica e a didáctica que se ensina, a chamada didáctica curricular” (1994: 723).

De igual modo, a mesma autora (1984, 1994) estabelece uma subdivisão do conceito “didáctica” em “didáctica geral” e em “didácticas específicas ou da especialidade”:

“[a] primeira ocupa-se de aspectos gerais da teoria de ensino-aprendizagem aplicáveis ao conjunto de níveis de ensino e de matérias a ensinar; à segunda compete o estudo desses mesmos aspectos no âmbito de uma matéria específica, de um nível particular de ensino ou de um determinado tipo de alunos” (1994: 724).

No quadro didáctico, a intercompreensão insere-se na Didáctica do Plurilinguismo (Gajo, 2008; Santos & Andrade, 2007) ou na Didáctica da Intercompreensão133 (Meissner, 2008, 2010), ao serviço de uma educação plurilingue que postula o entendimento pacífico e a intercompreensão entre os diferentes povos e culturas (Stegmann, 2007).

A escola deve contribuir para a educação do cidadão europeu plurilingue e pluricultural, evitar reacções de rejeição, de agressividade e de xenofobia no confronto com o Outro e despoletar reacções positivas de curiosidade e de motivação em relação ao que é diferente (Andrade & Araújo e Sá, 1998; Galisson, 1997).

132

Pinho & Andrade (2002, 2005, 2007, 2011) reflectiram acerca do contributo da intercompreensão na construção da identidade profissional de futuros professores de línguas.

133

Pencheva & Shopov estabelecem a seguinte distinção: “[w]e shall take the term Intercomprehension

Analysis to denote the theoretical study of the phenomenon or basic research. The practical applications of the

inquiry into Intercomprehension will be referred to as Applied Intercomprehension research” (2003: 18). Deste modo, ao campo da “Applied Intercomprehension” estão reservados todos os aspectos relacionados com o ensino e a aprendizagem de línguas.

De acordo com Filomena Capucho, a intercompreensão aplicada à área da didáctica é “simplement la reconnaissance de processus naturels et spontanés mis en œuvre par des individus «non-savants» lors de contacts exolingues” (2008b: 239). Mais precisamente, este método didáctico, apesar de recente, traduz práticas reais, espontâneas e “naturais” que os indivíduos realizam há séculos para co-construírem sentido em ambientes linguísticos pouco ou totalmente desconhecidos134 (Capucho, 2008b, 2010b).

A concepção tradicional de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras considera que a aprendizagem de uma língua se inicia a partir do zero e que o conhecimento da língua materna e de outras línguas pode complicar, em vez de facilitar o trabalho pedagógico. Em contexto escolar, o objectivo final e inatingível é o da competência do locutor nativo. As metodologias tradicionais recomendam que a língua estrangeira deve estar omnipresente nas aulas e prevê o recurso excepcional à língua materna e a outras línguas estrangeiras. Enfim, “chaque langue existe en elle-même et pour elle-même et est à apprendre comme telle, sans mélange ni métissage, de bout en bout, selon sa propre logique de construction” (Coste, 2011: 182).

A intercompreensão admite, pois, uma metodologia que rompe com estes paradigmas tradicionais de ensino e aprendizagem de línguas: “this methodology [of intercomprehension] will have to differ considerably from the traditional ones applied in conventional language teaching, simply because the aim is different” (Doyé, 2005b: 13). Quer isto dizer:

“[i]ntercomprehension is a broad approach to language teaching and language learning, which embraces a positive view of linguistic and cultural diversity and which aims to motivate pupils to recognize and activate their explicit and implicit linguistic and cultural knowledge and skills in order to develop their general language competence. That definition includes both the teacher and his/her role as a motivator in the language classroom and the learner and his/her efforts to exploit his/her overall linguistic and cultural competence” (Pencheva & Shopov, 2003: 32).

134

A este propósito, Meissner (2008) diz-nos que as expressões “méthode déductive”, “intelligent guessing”, “déduction intelligente” ou “intelligentes Raten” se referem a “une vieille technique pour identifier le sens d’un vocable inconnu à partir de son co-texte” (p. 237).

Nesta metodologia, o aprendiz ocupa um papel de destaque, sendo o principal responsável pelo seu progresso de aprendizagem, visto que é ele quem define o seu ritmo de trabalho e as suas necessidades. Assim, a “responsabilisation de l’apprenant est une condition sine qua non pour l’autonomisation de celui-ci” (Meissner, 2008: 233). Falamos, então, de “learner autonomy” definida como “the capacity to take control over, or responsibility for, one’s own learning” (Kani, 2010: 248), que pressupõe um envolvimento activo do aluno e uma responsabilidade partilhada entre ele e o professor relativamente à sua aprendizagem (Esch, 1996; Nunan, 1996).

Em termos de aprendizagem, a abordagem intercompreensiva, adoptando a aprendizagem orientada para a acção, preconizada pelo QECR (Capítulo I 2.3.1), prevê que o aprendente descubra “la grammaire et le lexique de la langue cible ainsi qu’une sorte d’«inter-grammaire plurilingue» - qui enregistre à la fois les bases de transfert positives et les écarts de schémas correspondants entre les langues activées” (Meissner, 2010: 26). Deste modo, o discente constrói uma gramática de hipóteses da(s) língua(s) que está a aprender e, depois, cabe ao professor “discuter le fonctionnement des stratégies de contrôle (monitoring) pour vérifier (falsifier, modifier) les propres hypothèses” (ibidem, pp. 30-31), dando-lhe a conhecer o material de apoio (dicionários, internet, gramáticas, etc.) que se encontra ao seu dispor135. Ao “savoir-être”, ao “savoir-faire” e ao “savoir-apprendre” das Didácticas das Línguas, a Didáctica da Intercompreensão acrescenta o “savoir encyclopédique [qui] étoffe la capacité à effectuer les contrôles de plausibilité auxquels tout acte de compréhension est soumis” (Meissner, 2008: 235). Sintetizando:

“[t]he FL [Foreign Language] learner, being a speaker of his native language, has full information about “how language works”. He knows not only what language is like, but also the rules of particular manifestations of language – his native language. If the FL learner knows some other

135

Em síntese, a formação do “apprenant-expert” preconizada pela Didáctica da Intercompreensão apoia- se no seguinte plano de acção de aprendizagem composto por seis passos: “(1) identification de la tâche, (2) activation des schémas jugés propices pour la solution, (3) analyse des schémas proposés par rapport à une/la solution, (4) définitions d’étapes intermédiaires pour arriver à la solution, (5) contrôle de la solution, (6) passage en revue des démarches entreprises pour parvenir à la solution (monitoring didactique) ” (Meissner, 2007: 243).

second language, the grammar of it will also be incorporated into the “device” for performing in and comprehending the foreign language. The assumption is that this will make the task of learning a foreign language easier, that is, the learner will process a larger number of useful hypotheses to work with” (Pencheva & Shopov, 2003: 85-86).

O conceito de transferência, conceito chave da didáctica da intercompreensão (Meissner, 2008), irá merecer, mais à frente, uma maior explicitação da nossa parte. No entanto, o processo de transferência não implica apenas por parte do aprendiz recursos de ordem linguística, mas também de ordem volitiva e comportamental (Candelier et al., 2007), ou seja, da sua intencionalidade (Escudé & Janin, 2010a):

“quand on échange entre locuteurs de langues différentes, chacun doit chercher autant à comprendre qu’à se faire comprendre. Dans le cadre d’un processus didactique d’enseignement, comme dans celui de la pratique quotidienne, cela conduit à s’imposer une exigence de clarté et de simplicité: parler lentement; construire des phrases simples: éviter les pronoms et les doubles pronoms; travailler sur un vocabulaire transparent ” (p. 41).

Aposta-se na consciência linguística (language awareness), conceito essencial nas Didácticas das Línguas, que emergiu no Reino Unido nos anos 80, e que no âmbito do ensino-aprendizagem, acentua a valorização da aprendizagem como acto cognitivo (tomada de consciência sobre a língua e sobre as suas funções) e reflecte a componente processual dessa aprendizagem (Alegre, 1999; Meissner, 2007). Assim, “[l]anguage awareness means making explicit and conscious the students’ intuitive use of learning procedures, drawing, of course, on the current state of knowledge in these matters” (Jones, 1997: 78). Christina Reissner refere que a intercompreensão incita o desenvolvimento de uma

“(multi-)language awareness: ils [les apprenants] seront conscients non seulement des phénomènes interlinguistiques et interculturels, mais ils auront également appris à réfléchir à leurs propres démarches didactiques, aux processus d’apprentissage et aux méthodes à leur disposition, ceci conduisant à, en somme, une language learning awareness” (2010: 130).

Do mesmo modo, pretende-se incentivar a aprendizagem ao longo da vida (Perea, 2010; Reissner, 2010) entendida como “equipping people with skills and competencies required to continue their own ‘self education’ beyond the end formal schooling” (Ur

Rehman, 2010: 259), onde as novas tecnologias podem desempenhar um papel extremamente importante.

Os projectos, que se inserem dentro da segunda e da terceira geração (cf. Capucho, 2008a), visionam a intercompreensão como interacção em diferentes línguas, reforçando o potencial da comunicação electrónica no campo da aprendizagem e do ensino de línguas estrangeiras (Araújo e Sá et al., 2006a). Nas palavras de Alonso & Séré (2006: 57):

“[a] tecnologia Internet, transformando as noções de espaços e de tempo na comunicação, desenvolveu e remodelou novas capacidades cognitivas: capacidades de tratamento multissensorial e vídeo-espacial, capacidades específicas de tratamento de dados, de pesquisa e de síntese da informação, que favorecem, em particular, do ponto de vista do ensino, as técnicas de auto- aprendizagem”.

Christian Ollivier (2011) destaca, igualmente, a exploração do potencial da “web 2.0”, “web social” ou “web participatif”, que vai ao encontro da exposição directa do aprendente ao uso autêntico da língua estrangeira, perspectivada pela abordagem orientada para a acção defendida pelo QECR:

“[l]e web 2.0 est le fruit de l’émergence sur Internet de nouvelles pratiques liées à de nouvelles applications telles que les blogues, les wikis, les moteurs de réseaux sociaux, les moteurs de partage de fichiers (textes, images fixes, vidéos, audio …), les logiciels de partage de favoris ou de travail collaboratif, etc. Ce nouveau web est communément appelé web social ou web participatif. Ces deux dénominations reflètent les usages des internautes rendus possibles par la technologie” (p. 262).

Na Didáctica da Intercompreensão são admitidas competências parciais, isto é, o aluno tem o direito de escolher o que pretende aprender, consoante as suas necessidades (Blanche-Benveniste, 2008; Hemming, 2007; Janin, 2008; Perea et al., 2010; Santos, 2010; Santos & Andrade, 2005; Stegmann, 2007). Assim, quebram-se as concepções assentes num modelo de perfeição linguística próximo dos locutores nativos que “assombram” as aulas de línguas estrangeiras há mais de um século (Andrade, 2003; Cook, 2010b), dado que “most learners, be it classroom or non-classroom learners, do not attain complete mastery of an L2. Most non-native speakers never reach a point of being indistinguishable

from native speakers of a particular linguistic community” (Gass, 1990: 37).

Outra das vantagens dos métodos de intercompreensão em relação aos métodos tradicionais prende-se com a velocidade de aprendizagem, uma vez que se aposta na aprendizagem simultânea de várias línguas e são, como vimos, permitidas as competências parciais. A acentuação das competências receptivas traduz-se, igualmente, numa redução da inibição geralmente associada às actividades de produção (sobretudo, orais) e, também, promove uma maior eficácia na comunicação, já que os aprendentes se podem expressar na sua língua materna (Reissner, 2010; Santos, 2010). Como nos esclarece Perea (2010):

“la compréhension n’est plus considérée comme une activité langagière passive, mais, a

contrario, active puisque apte à viser la construction du sens, sans cibler ni l’exhaustivité ni la

perfection, et à gérer convenablement l’ambiguïté et l’approximation (dans son versant interactionnelle l’IC [intercompréhension] implique même un double exercice, l’effort de comprendre et de se faire comprendre ce qui appelle à une certaine éthique communicative)” (p. 8).

Da mesma forma, confere-se à língua materna e às outras línguas que o aprendiz tenha estudado ou contactado uma posição de destaque, valorizando as competências e os conhecimentos já adquiridos. Por conseguinte,

“tout être humain dispose d’une «compétence plurilingue et pluriculturelle unique» qui lui permet de réinvestir ses acquis linguistiques (d’origine scolaire ou non) dans chaque nouvelle situation d’apprentissage. Aborder l’apprentissage d’une langue ne signifie donc plus devoir «tout recommencer à zéro»” (Délégation générale à la langue française et aux langues de France, 2006: 9).

A visão compartimentada e estanque do ensino tradicional das línguas estrangeiras que separa as línguas, dá lugar, através da intercompreensão, a uma visão “intégrée, intégratrice, plurielle et dialectique de la didactique des langues” (Perea, 2010: 8), evidenciando os elos que existem entre as línguas.

Numa investigação a cargo de Castellotti & Moore (2002), foi pedido às crianças do ensino primário que fizessem um desenho sobre “o que se passa na cabeça de alguém que fala mais do que uma língua?”. Os seus desenhos eram compostos por compartimentos, em que cada língua ocupava uma área específica, que era distinta das outras. Assim, para elas o

plurilinguismo parece ser construído através da justaposição em vez da complementaridade entre as línguas. Do mesmo modo, as crianças e os adultos têm imagens muito complexas da forma como as línguas estão organizadas no cérebro, em que o plurilinguismo surge frequentemente associado a confusão e esquecimento. Com o intuito de mostrar aos alunos de línguas que estas não são entidades separadas entre si, cabe ao professor desencadear formas de mobilização e de desenvolvimento da capacidade de transferir. Da mesma forma, se o sujeito for capaz de transferir conhecimentos de umas línguas para as outras, este desenvolve uma atitude favorável em relação às línguas (Andrade, 2003).

A tarefa do professor de línguas estrangeiras, um “conseiller en matière d’apprentissage du plurilinguisme” (Meissner, 2008: 233), é a de consciencializar os alunos para o conhecimento de que já são possuidores e ajudá-los a mobilizar esse conhecimento em estratégias apropriadas. Contudo, “the funds of knowledge are individual properties and vary from one learner to the next” (Doyé, 2005b: 13). Os professores são “intercultural mediators” (Beacco & Byram, 2007a), “conseiller-expert[s]” (Meissner, 2007) que devem adoptar uma abordagem pedagógica integrada (Martins & Capucho, 1999), isto é, o professor “não pode considerar-se a si próprio - nem principal, nem exclusivamente – como um professor de Francês ou de Espanhol (…) mas sim um professor de línguas estrangeiras” (Göttsche, 2006: 143). O docente deve consciencializar e valorizar o repertório linguístico e cultural de cada aprendente e dotá-lo de ferramentas que permitam aperfeiçoá-lo autonomamente ao longo da vida. A este propósito Beacco (2005: 20) adianta:

“individual plurilingualism (…) is a fact of everyday life. But awareness of the language diversity we carry within us does not automatically mean we view other people’s language diversity in a positive light (…) The transition from a closed identity to a relaxed and welcoming relationship with languages that allow us the innumerable pleasures of plurilingualism requires an educatio, in the strict sense of the term, that develops pluricultural and plurilingual capability”.

Byram realça também o carácter lúdico em ser-se plurilingue e a importância dos docentes de línguas na consciencialização linguística dos seus discentes:

dynamic process. If they become conscious of this, they can also ‘play’ with their languages and identities, deliberately shifting from one language/ variety to another within the same conversation, thereby signaling a change from one identity to another” (2006: 12).

Consequentemente, o método da intercompreensão deve ser um contributo para a cidadania democrática, que mediante o conhecimento de outras línguas e culturas, possibilita aos aprendentes

“to decenter from their own world-view, accept relativities and develop multiple identities. To acquire the ability to communicate in a new language is the first step to identifying with other speakers of that language community. This intercultural dimension of language learning has the potential to promote antiracism as a positive principle of democratic citizenship” (Starkey, 2002: 23).

A interculturalidade transporta consigo um sistema de valores de respeito pelo que é diferente, reduzindo o etnocentrismo, a xenofobia e o racismo, essenciais para a existência de uma coabitação pacífica (Moreira, 1999; UNESCO, 2003). No entanto, esta “requires

knowledge (of cultural factors), insight (into what constitutes cultural diversity), readiness

(towards opening up to cultural differences) and skills (in negotiating ‘common territory’ and identifying and bridging gaps)” (Willems, 2002: 10).

Em suma, a intercompreensão fornece aos cidadãos do mundo ferramentas para que possam lidar com as diferentes situações linguísticas e culturais com que se irão defrontar durante as suas vidas, nutrindo um respeito igual por todas as línguas e culturas, lutando contra uma concepção monolingue e ansiando sempre competências plurilingues.

4.1) Transferência

A intercompreensão está relacionada com a Linguística Contrastiva, cujos estudiosos se dedicam ao estudo das semelhanças e das diferenças entre dois sistemas linguísticos - o da língua materna e o(s) da(s) língua(s) estrangeira(s) (Pencheva & Shopov, 2003; Wode, 1984). Os linguistas sempre se mostraram interessados em tentar descobrir o que é comum para todas as línguas. As línguas foram agrupadas em famílias tendo em conta as relações

genéticas entre elas (Baker & Jones, 1998).

A transferência136, conceito psicolinguístico, cuja origem remonta à Análise Contrastiva de Lado na década de 50,

“baseia-se na tendência dos falantes para transferir – tanto na produção como na recepção da língua – formas e conteúdos da sua língua e cultura maternas para as línguas e culturas estrangeiras (cf. Lado, 1957). Desenvolvendo esta ideia, poder-se-á ainda distinguir entre a influência de uma aprendizagem anterior sobre uma posterior – transferência proactiva – e a influência de uma aprendizagem posterior sobre uma anterior: transferência retroactiva” (Alegre, 2002: 208).

Os estudos iniciais incidiram, especialmente, no estudo dos aspectos negativos da transferência proactiva, ou seja, na interferência. Posteriormente, as investigações produzidas debruçaram-se na compreensão do processo de transferência, que passou a ser relevante no processo de aquisição de uma língua. Terence Odlin esclarece-nos que

“[t]he term interference implies no more than what another term, negative transfer, does, but there is an advantage in using the latter term since it can be contrasted with positive transfer, which is the facilitating influence of cognate vocabulary or any other similarities between the native and target language” (1986: 26).

Como estratégia de compreensão e de aprendizagem, a transferência pode constituir uma forma de inferência. Para compreender uma forma ou uma estrutura nova, o aprendente mobiliza conhecimentos que é detentor em língua materna ou em outras línguas estrangeiras. Assim, a transferência “is the influence resulting from the similarities and differences between the target language and any other language that has been (and perhaps imperfectly) acquired” (Odlin, 1989: 27).

A transferência pode acontecer em todos os subsistemas linguísticos: a nível lexical, semântico, fonológico, fonético, morfológico, sintáctico, ortográfico ou pragmático137.

136

No que concerne à terminologia, Odlin (2003: 436) esclarece que os investigadores “interested in cross-linguistic influence have several phrases to choose from in referring to the phenomenon, including the following: language transfer, linguistic interference, the role of the mother tongue, native language influence and language mixing (…) language transfer and cross-linguistic influence will be used interchangeably, as they are the most commonly employed in contemporary second language research”.

Obviamente, que este fenómeno não é uniforme em relação a todas as línguas (por