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Processo intercultural (“entre” culturas) CONSTRUÇÃO Etnocentrismo POSICIONAMENTO RESOLUÇÃO Fonte: elaboração própria. Baseado em Auger (2005).

A dupla tomada de consciência possibilitaria a análise do outro, enxergando-o e problematizando os mal-entendidos provenientes da comparação com a cultura original (nossa matriz de conhecimento de mundo e nosso sistema de valores). Esse retorno à cultura original possibilitaria o indivíduo a questionar as representações pessoais e assim compreender a relatividade cultural.

Auger (2005) destaca que a relatividade cultural não se refere a um sinônimo de relativismo, da simples comparação do que é equivalente ou não em uma cultura e outra. Para

Língua- cultura A Língua- cultura B Língua- cultura A Etnocentrismo 1.observo o outro 2.outro diferente de mim (normas e usos sociais) – 1ª tomada de consciência 3. problematizo: questionamentos – 2ª tomada de consciência

41 a autora, é necessário o confronto “da relatividade de sua situação cultural, temporal e espacial, puxando, assim, a aprendizagem”.

Na mesma linha de raciocínio, o pesquisador Luc Collès defende a necessidade da abertura e da partilha, do descobrir e do compreender as outras culturas, respeitando a diversidade, refletindo a dimensão social e a grande parte da humanidade que nela habita. Segundo Collès (2014, p. 19), “não podemos aprender uma língua e a sua cultura sem encontrar os seres humanos aos quais elas pertencem. Não podemos ensinar sem dar o que somos. E não podemos dar sem receber, sem trocar, sem se transformar”.

Para uma abordagem das línguas, das culturas e da cultura das línguas, Collès (2014, p. 17) sugere como ferramenta de ensino o uso da literatura e da literatura migrante. Ele vê nos textos literários “a expressão estética das representações compartilhadas pelos membros de uma mesma comunidade”. O autor aconselha ao professor o uso de uma hermenêutica antropológica a fim de guiá-lo na escolha dos textos propostos em sala de aula. De acordo com o autor, desses textos poderão surtir as questões interculturais.

Observamos na proposta do autor a possibilidade e a relevância de um trabalho mais frequente com textos literários no ensino-aprendizagem de línguas para a abordagem das questões interculturais. O professor pode guiar as discussões em sala de aula por meio de uma seleção atenciosa e cuidadosa dos textos que irá abordar.

Outro autor que propõe uma didática intercultural em sala de aula é Michel Candelier (1994). Segundo ele, seria necessária a alteração da concepção dos modelos didáticos monolinguísticos dominantes (como, por exemplo, o inglês norte-americano, o inglês britânico etc.) para uma abertura na direção do plurilinguísmo, do despertar a outras línguas e a abordagens plurais. O autor define a competência plurilinguística e intercultural como:

a capacidade de mobilizar o repertório plural de recursos linguísticos e culturais para encarar as necessidades de comunicação ou interagir com a alteridade, assim como, fazer evoluir seu repertório. A perspectiva plurilíngue coloca no centro dessas preocupações os aprendizes e o desenvolvimento dos seus repertórios plurilíngues individuais e não cada língua em particular a adquirir. (CANDELIER,1994, apud TRONCY, 2014, p. 30).

Nesse sentido, compreendemos que o aprendiz construirá um repertório plurilíngue particular de acordo com as interações a que estiver sujeito ao longo de sua vida. De acordo com Auger (2005), os alunos que participam de atividades interculturais no ambiente escolar desenvolvem confiança em si e compreendem melhor o idioma a ser aprendido. Essa

42 compreensão se dá, de acordo com Dagalim (2000), quando o aprendiz reconhece os percursos linguísticos e culturais de sua língua e da construção de sua segunda língua.

Notamos que não basta que os alunos reproduzam as estruturas e os diálogos durante as aulas de idiomas, com o objetivo de alcançar a linguagem ideal do “falante nativo13”, sem que

haja a compreensão do sentido e adequação no uso do idioma. A reflexão acerca dos percursos linguísticos e culturais pelo aprendiz é fundamental para a conscientização de como e por que se constrói a segunda língua que se está aprendendo. E esse processo também incluía conscientização do aluno da própria língua, como ressalta Revuz (2002, p.217): “toda tentativa para aprender uma outra língua vem perturbar, questionar, modificar aquilo que está inscrito em nós com as palavras da primeira língua”. A língua materna, a nosso ver, não é um empecilho para a aprendizagem de outra, mas a comparação entre elas é inevitável e necessária na observação do novo, do estranho, ou seja, como o próprio nome diz, do estrangeiro.

Auger (2005) destaca que as atividades interculturais permitem a criação de laços de afeição e podem evitar o sentimento de exclusão. No tocante a essa questão, é importante partirmos do conhecimento prévio dos alunos (a bagagem cultural) e apoiarmos as discussões sobre aquilo que ele já informou de sua(s) língua(s)-cultura(s) materna(s). O objetivo é possibilitar que os alunos foquem as diferenças e os pontos em comum dessas diversas línguas- culturas presentes em sala de aula. Galisson (1991) denomina esses pontos em comum universos singulares. Na concepção desse autor todos os seres humanos têm relações particulares com as grandes áreas da vida, como a família, a nutrição, a saúde etc. Esses fenômenos existem tanto do ponto de vista cultural quanto linguístico.

Para melhor compreensão dos pontos em comum e das diferenças tratadas por Galisson (1991), sugerimos uma possível aproximação dos universos singulares, conceito proposto por esse pesquisador, com a construção identitária proposta por Hall (2006). Ambos os autores convergem na ideia de existir um eixo central que representaria a singularidade de cada indivíduo e a necessidade de pertencimento desse indivíduo a um grupo. Ao redor desse eixo central concebemos o delinear de uma espiral:

13 Na concepção de Chomsky (1965, apud FIGUEIREDO, 2011) o falante nativo seria o único qualificado a julgar a gramaticidade de suas sentenças por conhecer tão bem a sua língua. Sua competência na língua seria absoluta.

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