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O difícil exercício de definir

Definir a arte conceitual, as obras e artistas que a integram é uma tarefa complexa. Primeiro porque qualquer forma de arte pode ser, em algum momento, conceitual – relacionada às ideias. Além disso, a dificuldade em iluminar a arte conceitual se dá pela diversidade de suportes e materiais, a quantidade de artistas em ação, e a multiplicidade de teorias, textos e pensamentos, muitas vezes conflitantes. Tudo isso contribuiu para a dificuldade em se criar uma teoria uniforme para o movimento. A segmentação dentro do universo conceitual enfraquecia a possiblidade de uma combinação que desse origem a uma definição única e singular, o que acabou corroborando a própria proposta conceitual.

Devido às diversas atribuições que diferenciaram a nova vanguarda dos anos 60, a arte conceitual nasceu como “um campo contestado de práticas variadas e opostas, ao invés de um discurso ou teoria única e unificadora”5 (ALBERRO, 1999, p. xvii). O movimento conceitual não era representado por um único artista com o qual a tendência seria reconhecida. Não era mais o momento de um único gênio responsável por tornar conhecido o movimento, mas um momento de diversidade artística. Uma exibição conceitual poderia ter, por exemplo, mais de 150 artistas participantes. Congregar tal variedade poderia reduzir o movimento ao ímpeto de definir. Além do mais, os artistas conceituais contestaram a natureza da terminologia e tendiam a ser extremamente incomodados pelo ato cultural de definir, que dependia de um ponto de vista. Peter Osborne explica que “cada termo crítico

5 Minha tradução de: “a contested field of multiple and opposing practices rather than a single, unifying artistic discourse or theory.”

impõe sua própria retrospectiva unitária dentro da história da arte quando propõe um ponto de vista a partir do qual se pensa no que é mais característico da arte daquele momento”6 (2002, p. 17). Quando os artistas conceituais passaram da rigidez de categorias artísticas, como pintura e escultura, para trabalhos que mal poderiam ser julgados por princípios há muito estabelecidos, esta tendência não coube muito bem em seu próprio nome. O próprio movimento já foi chamado de Media Art, Idea Art e Information Art.

Dick Higgins (1984 [1979]), artista integrante do grupo Fluxus, escreveu “A child’s history of Fluxus”, que expõe a dificuldade em nomear o próprio grupo, o que aqui é válido também para a arte conceitual. Nesse texto, Higgins explica que “Fluxus era como um bebê cuja mãe e pai não conseguiam concordar que nome dar à criança – eles sabiam que o bebê estava lá, mas não tinha nome” (s/p). Ou seja, a classificação de práticas ou movimentos artísticos já apresentava o problema de eleger critérios de definições com o intuito de nomear, como o que aconteceu, e ainda acontece, com a arte conceitual. O próprio ato de nomear está vinculado ao poder atribuído à linguagem.

Há ainda opiniões divergentes se uma determinada obra cabe ou não no termo arte conceitual, enquanto, paralelamente, uma obra pode se encaixar em outros movimentos contemporâneos a esta. Arte conceitual, arte povera, process art e land art são exemplos de tendências cujos nascimentos coincidem, e por isso eram (e são) frequentemente confundidos. Os procedimentos de produção destas tendências eram também variados, aumentando a possibilidade de que eles às vezes se aproximassem, e outras se afastassem. Na exposição When Attitudes Become Form:

Works – Concepts – Processes – Situationists – Information, que aconteceu em Berna, em

1969, o curador Harald Szeemann notou que era melhor ignorar rótulos devido à dificuldade de precisar, em definições, a diversidade de práticas que essas tendências provocaram. Ele “percebeu que para expor o trabalho com sucesso, era vital ignorar categorias e deixar solto o espírito da informalidade com a qual os próprios

6 Minha tradução de: “each critical term imposes its own retrospective unity on the history of art by proposing a standpoint from which to think what is most distinctive about the art of its time.”

trabalhos eram concebidos”7 (GODFREY, 2004, p. 202). Um ano mais tarde, Germano Celant organizou a exposição Conceptual Art, Arte Povera, Land Art, em Turim, que também teve problemas com categorizações. A exposição trabalhou noções mais abertas de arte que se utilizaram da palavra. As obras foram distribuídas na galeria sem a preocupação com tais divisões, tendo artistas voltados para a palavra, como Joseph Kosuth e Lawrence Weiner, colocados ao lado de artistas da land art, como Walter de Maria e Robert Smithson (GODFREY, 2004).

Para que uma exposição conceitual fosse bem-sucedida e coerente com as ideias dos artistas, era preciso uma mudança completa de procedimentos. Alguns curadores estavam se especializando nesse tipo de arte, muitas vezes sujeitos à fúria de instituições de arte mais conservadoras. Eles talvez tenham sido os primeiros a entender e transmitir a ideia da arte conceitual da maneira como queriam os artistas, ainda que a arte conceitual tenha surgido sob muitas suspeitas, sendo bastante questionada e marginalizada. No início, muitas exposições conceituais foram canceladas, muitos curadores tiveram sua participação proibida em museus e galerias, e muitos trabalhos e artistas foram rejeitados.

Artistas também incorporaram o papel de curadores para que exposições pudessem ser organizadas sob o pensamento conceitual apropriado. Provavelmente conscientes das dificuldades, os artistas conceituais chegaram a um senso de dever relacionado ao que estavam fazendo, abraçando o papel de curadores, escritores, teóricos e críticos. Muitos artistas escreviam textos críticos e teóricos sobre a arte e sobre suas próprias obras, o que praticamente tornava obsoleta a presença de um mediador. Nesse ponto, artistas conceituais traçavam um caminho que confrontava as práticas exercidas no mundo da arte. O que antes era restrito a experts, como críticos e curadores, foi alterado na arte conceitual quando artistas estavam escrevendo sobre arte tanto quanto fazendo arte. Segundo Walker,

em princípio dos anos 60 a separação funcional entre teoria e prática ainda era aceita sem discussões, sendo que a primeira pertencia aos críticos, filósofos e historiadores da arte e a última ficava pertencendo aos artistas. No meio da década, no entanto, certos artistas (os que se associavam ao minimalismo) perceberam que o tornar explícito as bases teóricas de sua

7 Minha tradução de: “realized that in order to exhibit such work successfully, it was vital to ignore categories and to give way to the spirit of informality in which the Works themselves had been conceived.”

arte era assunto por demais importante para ficar nas mãos de pessoas que não eram artistas, por mais sensíveis e simpáticos à causa que fossem, e começaram então a assumir também o papel de críticos. Na década de 70 seus sucessores já assumiam a total responsabilidade da elucidação da teoria que serve de base para a sua prática. (1977, p. 9)

Um grande número de boletins informativos, revistas e jornais intensificaram a quantidade de textos de artistas. Revistas como Artforum, October, The Fox e Studio

International mantiveram o ritmo com a arte contemporânea e acentuaram a produção de artigos e textos teóricos dos artistas, já tão intensa quanto a produção de suas obras e muitas vezes tão artística quanto as próprias obras. Pensando na produção artística conceitual como um todo, independentemente do suporte, toda produção conceitual poderia ser uma obra.