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Diferença entre Tort Law e Criminal Law

1.2 Noções sobre a Responsabilidade Civil (Tort Law) no Common Law

1.2.2 Diferença entre Tort Law e Criminal Law

Segundo Seipp, no início da common law, a vítima de uma conduta danosa possuía a opção de, por um mesmo ato ilícito, buscar satisfação mediante um processo criminal ou um processo de responsabilização civil.95 Entretanto, com o passar do tempo, diversas ramificações e especializações ocorreram nestas matérias, dando origem a campos de pesquisa complemente diversos, como veremos a seguir.

Via de regra, o polo ativo em demandas envolvendo direito penal é ocupado por um agente público, no Brasil, o Promotor de Justiça.96 Do mesmo modo, a apresentação da denúncia e posterior seguimento da ação penal independem da vontade da vítima. Por outro lado, ao se falar em responsabilidade civil, tanto no Brasil quanto nas jurisdições de tort law,

90 POLLOCK, Frederick. The Law of Torts. 2. ed. Londres: Stevens and Sons Limited, 1890. Tradução livre.

No original: “A tort is an act or omission giving rise, in virtue of the common law jurisdiction of the Court to a

civil remedy which is not na action of contract.”

91 PROSSER, op. cit. p.2. Tradução livre. No original: “a tort is a civil wrong, other than breach of contract, for

which the court will provide a remedy in the form of an action for damages.”

92 MULLIS, Alastair; OLIPHANT, Ken. Torts. 3. ed. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2003. p. 01. 93

MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. Revista CEJ, Brasília, n. 28, p. 15-32, mar. 2005.

94 MULLIS. Op. cit. p. 02. 95

SIMONS, Kenneth W. The Crime/Tort Distinction: Legal Doctrine and Normative Perspectives. Widener

Law Journal. Vol. 17. (2007). Disponível em:

<http://www.bu.edu/lawlibrary/facultypublications/PDFs/Simons/Crim_Torts_Distinction.pdf> Acesso em: 03.02.2016.

96

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm> Acesso em: 07.11.2015. “Art. 129. São funções

a vítima é livre para decidir quando – e se – vai apresentar ação concernindo a lesão para apreciação judicial.

Enquanto o direito penal visa coibir a ocorrência de “ilícitos públicos”, tort law está preocupada com a ocorrência de “ilícitos privados”.97 Isso significa dizer que há diferenças estruturais, especialmente, quanto à necessidade de dano como pré-requisito para a indenização, face o princípio do neminem laedere.98 No direito penal, a punição não se restringe a atos que violem bens jurídicos alheios, também abarca atos que causem dano ao próprio agente; atos que ainda não causaram dano; ou simplesmente atos que são considerados imorais pela coletividade, mesmo que não danosos no sentido estrito do termo. A vítima do crime, do ilícito público, mais do que uma pessoa determinada, é a coletividade.99 Por outro lado, tort law, assim como a responsabilidade civil no Brasil, não se preocupa com atos que ainda não geraram seus efeitos, quais sejam, que não tenham causado dano, uma vez que seu objetivo primordial é promover a indenização, o ressarcimento de um dano. Sendo assim, diz-se que a análise é, via de regra, ex post facto.100

As formas de reparação também diferem. No direito penal, fala-se em sanção, punição de condutas que, no direito moderno, traduz-se como penas restritivas de liberdade, de direitos e, em alguns países, de vida.101 Dessa maneira, a quantidade de garantias e proteções dedicadas ao acusado, a priori, é uma barreira muito maior à responsabilização.102 A título exemplificativo, enquanto na seara civil a dúvida razoável (reasonable doubt) é suficiente para imputar a autoria, e consequente dever de indenizar, de um fato danoso ilícito a alguém, no âmbito penal exige-se a certeza quanto a esta. Ainda, em muitos casos, há necessidade de comprovação de um dolo específico para a conduta, a vontade inequívoca de

97

YOUNG, Alan N. The Role of the Victim in the Criminal Process: A Literature Review from 1989 to 1999. Police Center for Victims Issues. Research and Statistics Division, 2001. Disponível em: <http://www.justice.gc.ca/eng/rp-pr/cj-jp/victim/rr00_vic20/rr00_vic20.pdf> Acesso em: 12.03.2016.

98 Ulpiano, por volta do ano 200 d. C. consagrou como preceitos do direito: viver honestamente, não ofender

ninguém, dar a cada um o que lhe pertence. “Juris Praecepta Sunt haec: Honeste Vivere, Alterum Non Laedere,

Suum Cuique Tribuere.“

MARTINS-COSTA. Op. cit. p. 02, explica que os romanos não conheciam o conceito de “responsabilidade” do modo como estabelecido atualmente e que, em princípios, os ilícitos privados eram punidos, não ressarcidos.

99 SIMONS, op. cit. p. 02. 100

SIMONS, op. cit. p. 09.

101 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 10. NUCCI, Guilherme de

Souza. Manual de Direito Penal. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 391-401.

102

McADAMS, Richard H. The political economy of criminal law and procedure: The pessimists' view.

University of Chicago, Public Law Working Paper 243 (2008). Disponível em:

<http://www.law.uchicago.edu/files/files/pl234.pdf> Acesso em: 05.07.2015. p. 03.

Autores consagrados na doutrina brasileira também já se manifestaram exaustivamente quanto à falta, ou restrições de garantias penais estabelecidas em lei. Sobre o tema: DE ANDRADE, Vera Regina Pereira. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.

cometer determinada infração, para verificar-se a possibilidade de punição. Ou seja, há uma grande diferença entre criminal e tort law quanto ao standard of proof exigido para imputar responsabilidade.

A análise da culpa nestes dois âmbitos também difere em importância. A punição do agente pelo direito penal é proporcional à culpa e à reprovabilidade da conduta.103 De outra maneira, em tort law, o remédio legal fixado para sanar um ilícito civil não varia de acordo com o grau de culpa, é proporcional à extenção do dano, vez que seu objetivo, como colocado anteriormente, é indenizar a vítima.104

Suponhamos três acidentes automobilísticos distintos, que resultam no mesmo exato prejuízo para as respectivas vítimas, promovidos pelos agentes A, B, C na rodovia Beira Mar Norte de Florianópolis, Santa Catarina. No caso A, este é motorista profissional de ônibus em serviço e, mesmo exercendo toda a atenção necessária ao trabalho, colide com automóvel em virtude de falha nos freios do ônibus; B é negligente momentaneamente, pois se desconcentrou ao observar a paisagem da Ponte Hercílio Luz e bate na traseira de outro automóvel; C é gravemente negligente, pois transitava em alta velocidade, ultrapassando sinal vermelho em horário de pico, por sorte, consegue freiar no último momento, ainda assim, acertando outro veículo. Nestas três situações, o valor a ser pago – independentemente da abertura de inquérito policial para apuração da responsabilidade penal – será rigorosamente o mesmo, pois o dano provocado é idêntico.

Fator a se considerar nesse momento é a existência de um instituto típico da

common law, e bastante festejado por alguma minoria respeitável em terra brasilis, chamado punitive damages. Diversos autores já se dedicaram ao tema, como Martins-Costa e

Pargendler,105 que, em linhas gerais, permite a adequação do grau de culpa do ofensor ao

quantum devido a título de punição do agente em uma restrita quantidade de situações.106

Ainda assim, nem mesmo neste instituto o grau de culpabilidade do agente é capaz de influenciar tanto a decisão do magistrado quanto no direito penal.107

Outra marcante diferença é a possibilidade de responsabilização de um terceiro pela conduta danosa de outrem na seara civil. No Brasil, o caso típico é a responsabilidade dos pais pelos filhos, prevista no artigo 932, inciso I, do Código Civil.108 Na Inglaterra, é

103

NUCCI, op. cit. p. 391.

104

SIMONS, op. cit. p. 03.

105 MARTINS-COSTA. Op. cit.

106 Aborda-se o tema com maior profundidade no Capítulo 2, 2.2. Aggravated e Exemplary Damages. 107

SIMONS. Op. cit. p. 03.

108 BRASIL. Código Civil. Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 07.11.2015.

característica a situação de responsabilidade objetiva (strict liability) por atos de terceiros (vicarious liability), especialmente a do patrão pelos atos ilícitos de seus funcionários. Tanto seria inadmissível no âmbito penal, onde a punição não pode passar da pessoa do condenado, o contrário seria retroceder ao velho provérbio da Lei do Talião, “olho por olho, dente por dente”, como propunha o Código de Hamurabi.

Ainda que muitos imaginem inexistir por completo lei escrita na Inglaterra ou EUA, ante a matriz do common law, a figura dos statutes, dão conta de encerrar a questão. É especialmente em matéria criminal que a lei escrita toma maior importância nestas jurisdições, frente ao princípio da legalidade e anterioridade do direito penal, uma vez que

nulla poena sine praevia lege poenali. Ao contrário, tort law é considerada a matéria que mais

se aproxima da essência do sistema de judge-made law, com raízes ainda profundas no estudo dos precedentes como maneira de elocubrar qual o direito e como ordenar a prática de atividades cotidianas, ainda que seja crescente o número de statues nesse campo.