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CAPÍTULO 3 JOVENS EM “JAMPA”: ESTILOS DE VIDA, SONORIDADES,

3.2. Diferenças e desigualdades de classe no centro histórico

Ao olharmos para as dinâmicas sociais que envolvem a produção e o consumo da música no centro histórico, percebe-se uma diferenciação e desigualdade de classe. Ao mesmo tempo em que ali é um espaço historicamente ocupado por grupos populares, as “revitalizações” fizeram com que grupos de classe média passassem ocupar seus espaços. O centro histórico passou a ser atrativo para estes grupos, tanto do ponto de vista econômico como cultural, um lugar que, segundo os pesquisados, tem uma “vibe” diferente, por estar presente uma música “boa”, “agradável”, “alternativa”, e onde se concentra uma “cena musical de alto valor estético” da Paraíba.

Estas classificações partem principalmente de um grupo que um dos entrevistados chamou de “grupo cultural”, uma espécie de “elite cultural”. Este grupo é formado por pessoas em sua grande maioria de classe média, universitárias, que costumam ir com frequência ao centro histórico, do qual têm um forte sentimento de apego. Geralmente trabalham com arte ou têm um forte interesse pela mesma, e pensam o centro histórico como um território onde deve predominar músicas que estão fora do grande mercado da música.

Para este grupo deve-se predominar no centro histórico estas músicas pelo seu aspecto de originalidade e, acima de tudo, por ter uma independência com relação aos padrões estéticos impostos pelo grande mercado da música, por isso estão a margem da mesma. É, portanto, uma forma de olhar para a produção musical no centro histórico de maneira política, como contraponto à indústria cultural.

O centro histórico é o território criativo da cidade. É o espaço de convergência entre as tribos urbanas, entre os agentes culturais, e um pólo agregador da diversidade, onde pode se achar programação cultural de diversos segmentos e para os gostos mais variados. A cena rock, hardcore e metaleira é muito expressiva, assim como os grupos de reggae raiz e grupos musicais com pegada mais regional. Há espaço para todos os ritmos e gostos apesar de ser perceptível certa seleção quanto a ritmos como o forró de plástico e o axé, que acabam não encontrando espaço entre o público que lá frequenta. Particularmente acho positivo pois o centro histórico fortalece as bandas de música autoral e grupos que elevam a qualidade estética do que se produz hoje na cidade e no estado. (Alexandre, produtor cultural e membro do Varadouro Cultural)

Este grupo ver não só a Praça Rio Branco, mas o centro histórico como todo, como um território que não deve estar presente a música considerada de mais baixo nível, ligada a cultura de massa. E para isso mantêm-se um debate constante em torno de uma política cultural para o centro histórico, até mesmo através de grupos organizados53 como o Varadouro Cultural54, e o próprio Coletivo Mundo.

Vejo assim o papel da gente como de provocador e ao mesmo tempo como de liga de algumas pessoas, de algumas entidades também. Desde 2005 que a gente faz ação no centro histórico, a gente começou com Festival Mundo. Só em 2009 que a gente foi ter o nosso próprio espaço, que é o Centro Cultural Espaço Mundo, então desde que a gente teve o nosso próprio espaço que a gente começou a mais fortemente falar sobre o centro histórico, a gente já falava, quando a gente produzia o Festival Mundo, pode ver nos jornais, tudo mais, a gente sempre falava, “olha agente escolheu o centro histórico, a gente acredita no centro histórico, é o território para a galera ocupar com cultura, pra dinamizar o espaço”. (Rayan, produtor cultural e um dos gestores do Coletivo Mundo)

O grupo que faz contraponto ao “grupo cultural” é o formado por pessoas das classes populares, e que consomem músicas que estão nas paradas de sucesso. Para o “grupo cultural” tocar estas músicas no centro histórico descaracteriza o lugar que tem o aspecto de estar dentro da área reconhecida patrimônio histórico e cultural nacional, daí a preocupação em restringir a um determinado tipo de cultura. Foi o que se percebeu quando acontecia o chamado “Sambão”, falado antes, e o que se percebe no evento do “chorinho”. Durante o trabalho de campo presenciei vários momentos de conflitos entre estes grupos, estas diferenças eram percebidas também nos seus discursos.

A movimentação cultural que existe hoje no beco da Cachaçaria Philipéia surgiu principalmente a partir de uma ocupação realizada de uma maneira espontânea por alguns frequentadores do projeto “Sabadinho Bom”, apesar de ter existido outras ocupações anteriores daquele espaço. Estes frequentadores eram principalmente jovens universitários de classe média, com um gosto musical mais requintado.

Entretanto, a partir do momento que a movimentação cultural foi crescendo ali, outros grupos passaram a frequentá-lo, promovendo uma flexibilização nas dinâmicas de produção e

53 No seu grupo na rede social Facebook, o Varadouro Cultural é formado por 117 membros. 54

Vale salientar que o que chamo de “grupo cultural” não se trata do “Varadouro Cultural”, este último é um grupo mais organizado, formado por produtores culturais, músicos, atores, empreendedores, etc., que na sua maioria trabalham no bairro do Varadouro, em que suas preocupações são com questões mais amplas sobre a política cultural para o bairro, principalmente questões ligadas as políticas públicas para a cultura, apesar de que este debate mais amplo travado entre eles, estar inserido também a preocupação com que tipo de música que deve estar presente no Centro Histórico.

consumo da música naquele espaço. Começou a acontecer uma “popularização”, com a presença cada vez maior de grupos populares, e as músicas que estão mais nas paradas de sucesso passaram a se fazer presente. Isso desagradou boa parte dos primeiros frequentadores daquele espaço, o que se ouvia era que estava se tornando “bagunça”, que ali era para se tocar música consideradas de qualidade, e que esta a massificação poderia trazer violência e pondo fim àquela movimentação cultural, como aconteceu com o “sambão”.

Numa entrevista recente ao jornal Estadão (anexo 05), o antropólogo Hermano Viana comentou sobre a ausência de uma cultura vinda do mundo de “baixo” na grande mídia e fez a seguinte metáfora: é como se a grande mídia fosse um disco voador sobrevoando o país, sem nenhuma conexão com o mundo de “baixo”, que começa a penetrar a fuselagem da nave incomodando seus finos tripulantes.

Utilizo desta mesma metáfora para entender estas dinâmicas culturais na mancha de lazer da Praça Rio Branco, mais especificamente no beco da Cachaçaria Philipéia. O disco voador seria a “elite cultural” de João Pessoa que tem a preocupação em manter aquele espaço exclusivamente para o choro e o samba tradicional, para a música considerada autêntica da Paraíba, e de alta qualidade estética. Mas acontece que os grupos populares, de “baixo”, estão cada vez mais ocupando aquele espaço e trazendo consigo uma musicalidade própria que incomoda os fino tripulantes do “chorinho”. Surgiram, então, divergências percebidas nos discursos e nas performances musicais, que gera diferenciações dos grupos ali.