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Diferenças entre Regras e Princípios

1. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA

3.2 Diferenças entre Regras e Princípios

O sistema constitucional é aberto, composto de regras e princípios. Tanto os princípios quanto as regras são normas, porque ambos se situam no “dever ser” – a diferença se situa na generalidade dos princípios e na qualidade dos preceitos que estes vinculam. As regras, pois, são mais precisas com menor grau de abstração, ao passo que os princípios possuem conteúdo mais aberto.

Princípios representam o vértice de todo o sistema, são proposições diretoras, vetores ou normas de direção, que contém um feixe de regras. A generalidade dos princípios permite a atualização do sistema constitucional, aplicando-se as normas em observância à evolução e desenvolvimento da sociedade, ou seja, no caso concreto, observada a sociedade atual, e não de forma estática.

Princípios são normas de elevado grau de abstração e generalidade, que ordenam que algo se faça na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. E, justamente por essa abstração e generalidade permitem a atualização do sistema ao tempo da aplicação da norma, de acordo com os valores da sociedade atual. Funcionam, pois, como válvulas de abertura para que o sistema constitucional se mantenha atualizado.

Segundo Lenio Luiz Streck, “o princípio desnuda a capa de sentido imposta pela regra”, sendo que “por trás de cada regra, passa a existir um princípio.”138 Isso não significa que os princípios possam ser aplicados sob qualquer fundamento, na medida em que se encontram vinculados a um núcleo básico e indissociável, ao qual o intérprete está vinculado.139

De acordo com Wagner Balera, “os princípios representam expressões dos valores, as regras instrumentalizam o sistema para que, cumpridos os mandamentos veiculados pelos princípios, os valores venham a ser alcançados.”140

Princípios são mandamentos de otimização, enquanto regras são mandamentos definitivos. Para Robert Alexy, a otimização já está contida no próprio conceito de princípio, e a sua supressão faria com o que o respectivo princípio perdesse o caráter de princípio.141

Os princípios viveram fases distintas. No sistema jusnaturalista, eram tidos como ideais de justiça, e não como preceitos normativos. Na fase juspositivista, passaram a integrar os códigos, porém, ainda sem normatividade própria. Somente na fase pós-positivista é que foram alçados à qualidade de normas jurídicas,

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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, Neoconstitucionalismo e “O Problema da

Discricionariedade dos Juízes. Disponível em:

<http://www.anima-opet.com.br/primeira_edicao/artigo_Lenio_Luiz_Streck_hermeneutica.pdf> p. 17. Acesso em 13 jan. 2013.

139

LILLA , Fabio de Campos; BASTOS, Fabiana Ribeiro. A nova discussão a respeito dos princípios constitucionais. Revista do Advogado. São Paulo: AASP, v. 32, n. 117, out/dez. 2012, p. 81.

140

BALERA, Wagner. A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. In:

MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coords.). Tratado Luso-Brasileiro da

Dignidade Humana. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 1343. 141

ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoría de los princípios. Tradução Carlos Bernal Pulido. 1. ed. Colômbia: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 110.

mostrando-se aptos a resolver colisões entre direitos fundamentais,142 como a que decorre da aplicação da cláusula de não concorrência no contrato de emprego frente ao livre exercício do direito ao trabalho.

Na definição de Roque Antonio Carraza:

[...] “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isto mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e aplicação de normas jurídicas que com ele se conectam.”143

Os princípios conferem unidade e harmonia ao sistema, funcionando como mandamento nuclear - alicerce do sistema, que irradia sobre as normas, compondo o espírito e servindo de norte para a compreensão destas. Oferecem, pois, as diretrizes, funcionando como vetores, irradiando todo o sistema, de sorte que as normas infraconstitucionais com eles guardem consonância.

A diferenciação entre regras e princípios é salutar, na medida em que representa a base para a teoria dos direitos fundamentais, possibilitando a justificação das restrições de direitos fundamentais na resolução de colisões destes direitos.

Os princípios, dado o grau de abstração, cedem em nível de determinação e avançam em nível de incidência, ao passo que as regras possuem maior força de determinação com menor área de atuação. Significa dizer, uma regra é aplicada sob determinada hipótese, mediante subsunção, ao passo que um princípio pode ser utilizado em hipóteses distintas, de modos diversos, no caso concreto.

Justamente por essa amplitude de aplicação, os princípios instituem obrigações prima facie, e não definitivas, ao passo que as regras enunciam obrigações absolutas. Ou seja, os princípios não representam mandamento

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NOVO, Catia Guimarães Raposo. Da Cláusula de não concorrência no contrato individual de

trabalho. 2007. 208f. Dissertação (Mestrado em Direito do Trabalho) - Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 49-51.

143

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2. ed. rev. ampl. e atual. pela Constituição Federal de 1988, de Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 26.

definitivo, já que podem ser afastados por razões contrárias - diferentemente das regras que têm seu conteúdo determinado e, aplicadas, portanto, de modo definitivo.

As regras são mais concretas e imediatas, ao passo que os princípios possuem conteúdo axiológico mais identificável do que as regras, sendo utilizado, por vezes, como razão de decisão para as regras.

Segundo Robert Alexy144, o ponto central de divisão é que os princípios ordenam que se faça algo na maior medida do possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. Podem, pois, ser satisfeitos em graus diferentes, eis que, sua aplicação dentro das possibilidades jurídicas é determinada pelos princípios e regras que colidem; ao passo que as regras são ou não satisfeitas, tal como determinam. Há uma diferenciação, assim, qualitativa entre princípios e regras, e não distinção de grau.

Percebe-se que a distinção entre regras e princípios fica mais nítida na hipótese de conflitos entre regras, ou de colisão entre princípios. Os conflitos entre regras são solucionados na dimensão da validade; ao passo que as colisões entre princípios pela dimensão do peso.

Em havendo antinomia entre regras, duas são as soluções. Ou se introduz uma cláusula de exceção, ou, quando não for possível, se totalmente incompatível, conduz a declaração de invalidade de uma delas, pois as regras se situam no mesmo patamar de validade dentro do ordenamento jurídico.

Nesse diapasão, não há graduação quanto à validade de uma norma jurídica. A aplicação das regras segue o “tudo ou nada”, na acepção de Ronald Dworkin. Ou se aplica, ou não se aplica do modo como posto, apelando-se para as condições de validade da norma.

Já os princípios, quando colidem, não se sujeitam à introdução de cláusula de exceção, e menos ainda são declarados inválidos. Não se aplicam de modo

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5. edição alemã, de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90-91 e 108

automático. Representam deveres de otimização, enquanto fundamento do Estado de Direito. São dotados da mesma hierarquia e peso.

O conflito entre princípios se resolve pela dimensão do peso na situação concreta, mediante sopesamento. Um dos princípios cede, sem que deixe de ter validade. Pelo contrário, apenas tem precedência sob determinadas condições, de sorte que pode não prevalecer em outra situação de conflito, cujas circunstâncias sejam diversas.

Quando colidem, os princípios, não se excluem mutuamente, mas conjugam- se. Considerada a mesma hierarquia, peso e situação de fato, podem ser satisfeitos em diferentes graus – o que os torna passíveis de ponderação, levando-se em conta a importância, tomando-se como fáticas as possibilidades determinadas pelas máximas da adequação e necessidade; e por jurídica a proporcionalidade estrita145 – justamente as máximas estruturantes da argumentação racional dos subprincípios informadores do princípio da proporcionalidade.

Nessa linha, os princípios oferecem as regras de interpretação, diante das colisões enfrentadas no direito contemporâneo, e a partir dos quais se partirá para avaliar a validade e os limites da cláusula de não concorrência como limitadora ao livre exercício do trabalho.

Na crítica de Humberto Ávila146, não se mostra adequada a aplicação das regras no modo “tudo ou nada”, pois, mesmo as normas que aparentam indicar modo incondicional de aplicação, também podem ser objeto de superação por razões não imaginadas pelo legislador, e que devem ser ponderadas, pois, só após a interpretação é que se pode demonstrar quais as consequências daí decorrentes.

Para o autor, o grau de rigidez é que caracteriza as regras, que indica que estas não cedem, senão diante de uma situação excepcional e mediante o

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STEINMETZ, Wilson. Princípio da Proporcionalidade e Atos de Autonomia Privada Restritivos de Direitos Fundamentais. In: SILVA, Virgílio (Org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 32 e p. 38.

146

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 51-90.

preenchimento de requisitos formais e materiais, e a atividade de ponderação das razões não é privativa os princípios, mas, sim qualidade geral de aplicação das normas.

Na diferenciação de Humberto Ávila, regras são normas imediatamente descritivas, enquanto os princípios são regras imediatamente finalísticas. Os princípios determinam a realização de um fim jurídico relevante, enquanto as regras têm por característica a previsão de comportamento. Os princípios não descrevem um objeto em sentido amplo, (sujeito, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), requerem maior ônus argumentativo e dizem respeito a um estado de coisas a ser construído, tendo a pretensão de complementaridade, enquanto as regras, por seu caráter prescritivo e objetos determináveis (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos e conteúdos), exigem menor grau de argumentação, tendo a pretensão de decidibilidade.

De toda sorte, a natureza dos princípios está conectada à proporcionalidade, e vice-versa, de sorte que se pode dizer que a proporcionalidade se deduz da natureza dos princípios, pois, com os subprincípios da proporcionalidade se solvem os conflitos entre princípios.