• Nenhum resultado encontrado

3. Eça e Machado – as marcas da diferença

3.3 Diferenças estilísticas

Em relação ao estilo de ambos, nota-se que há muita diferença. Enquanto Eça trabalhou a narrativa buscando distanciar-se dela, Machado busca uma aproximação direta com o leitor, buscando em diversas passagens de seus contos um contato mais próximo. A impressão que se tem em alguns episódios é de que se trata de um diálogo direto com o leitor, que se torna um coadjuvante. Por exemplo, no conto “D. Benedita”, quando o narrador nos convida a conhecer um pouco mais essa personagem complexa de Machado, durante o almoço com a filha Eulália:

Deixemo-las almoçar à vontade; descansemos nessa outra sala, a de visitas, sem aliás inventariar os móveis dela, como o não fizemos em nenhuma outra sala ou quarto.248

247 Arnaldo Faro, Eça e o Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional – Editora da Universidade de São Paulo, p. 172

Segundo Antonio Cândido, Machado “cultivou livremente o elíptico, o incompleto, o fragmentário, intervindo na narrativa com bisbilhotice saborosa, lembrando ao leitor que atrás dele estava a sua voz convencional (...) Curiosamente, este arcaísmo parece bruscamente moderno...”249

Se Machado explora os temas com mais genialidade, Eça supera suas deficiências, sejam temáticas ou de criação, através do estilo, do manuseio da língua, da ironia fina que o caracterizava.

De acordo com Antonio Cândido, a técnica de Machado “consiste em sugerir as coisas mais tremendas da maneira mais cândida (como os ironistas do século XVIII), ou em estabelecer um contraste entre a normalidade social dos fatos e a sua anormalidade essencial; ou em sugerir, sob aparência do contrário, que o ato excepcional é normal, e anormal seria o ato corriqueiro. Aí está o motivo da sua modernidade, apesar do seu arcaísmo de superfície.”250

Em relação a Eça, Massaud Moisés afirma que “é nos contos que se verifica de modo mais eloqüente a sua ingênita dificuldade para descobrir temas novos, como, aliás, ele próprio reconhecia. Em mais de um caso, o assunto lhe vem da Bíblia, da Grécia ou da Idade Média. Falto de temas, Eça arrimava-se a outros escritores e, com a sua prosa límpida, desenvolta, rica de sugestões poéticas, recriava as histórias alheias.(...) Por tudo isso, a necessidade do narrador omnisciente, da crítica satírica, do sorriso e acima de tudo da gargalhada, da infracção ao código semântico vigente, pela utilização das palavras exactas em vez da linguagem eufemística, das cenas que expõem vícios, das personagens que não mais se apresentam como heróis porém com limitações, vilezas, covardias. Enfim, a revolução literária eciana.”251

António José Saraiva salienta que “não há uma filosofia implícita na sua obra; há pelo contrário afirmações bem explícitas de uma doutrina claramente formulada. Os personagens não se afirmam a si, mas são fiéis intérpretes do autor. Eça de Queiroz em resumo é um

249 Antonio Cândido, Vários Escritos. 3ª ed.. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1995, p. 26 250 Id., ibid., p. 27

estilista; vale pela fórmula nova que encontrou para idéias correntes. As suas fórmulas não são versos lapidares como as de Camões. São antes personagens simbólicos que hoje resumem para nós aspectos da vida nacional.”252

Sobre as principais diferenças estilísticas e de concepção entre os dois autores, assim se manifesta Massaud Moisés: “Um confronto entre o conto de Machado de Assis e Eça de Queirós seria, nesse particular, elucidativo: o primeiro não gasta palavras em vão, semelha não fazer estilo, enquanto que o outro se esmera no ludo verbal; aquele põe suas personagens, via de regra inspiradas na sociedade do tempo, em situações novas ou inesperadas; este volta-se para personagens estratificadas em equações conhecidas ou simbólicas, etc. Por isso é que Machado de Assis pode ser considerado, enquanto contista, superior a Eça; para evidenciá-lo restaria, contudo investigar os demais componentes da estrutura do conto nos dois escritores. E, ainda, verificar, a partir do cotejo (ou mesmo antes), se se trata de um contista autêntico ou ocasional: tudo leva a crer que Eça corresponda ao segundo tipo e Machado ao primeiro, mas o estudo comparativo de ambos extrapola.”253

Eça de Queirós foi acima de tudo um representante da escola realista a qual deu um brilho particular. É o grande estilista da língua portuguesa do século XIX. Utilizou-se do código lingüístico com maestria, esmerou-se nos detalhes, nas descrições, nas caracterizações, na ironia. Foi um criador de personagens que tinham como objetivo representar suas convicções pessoais e literárias.

Falando sobre a obra contística do escritor português, António José Saraiva afirma que ela “documenta a falta de autonomia dos personagens de Eça. Aí em vez de homens de carne e osso há meros bonecos, o enredo é uma hipótese fantasista – e personagens e enredo pretexto para a ostentação de um estilo fantasioso e rico. É como se o autor imaginasse uma armação fina – o enredo – e sobre essa armação lançasse o rico estofo do seu estilo.”254 E conclui: “Eça de Queiroz aceita certo número de idéias bem definidas e nitidamente formuladas; com essas

252 António José Saraiva, As idéias de Eça de Queiroz – Ensaio, p. 18 253 Massaud Moisés, op.cit., p. 178

idéias constroe os seus contos e os seus romances, dominando inteiramente os personagens.”255

São verdadeiramente dois escritores com características estilísticas diferentes: Machado, mais próximo das exigências do conto moderno, escreve seus contos de forma concisa, objetiva, optando por descrições psicológicas, tanto das personagens quanto dos ambientes; enquanto Eça abusa das descrições e dos detalhes, utiliza-se de uma riqueza vocabular (especialmente de adjetivos e advérbios), com objetivo de impressionar o leitor, e consegue.