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CAPÍTULO II – O CIBERCRIME: UMA CRESCENTE REALIDADE

3. Diferentes conceções metodológicas do fenómeno do Cibercrime

O certo é que o território virgem e inexplorado é extremamente apreciado por aqueles que desejam deixar a sua “marca”, acolhendo sempre novas sistematizações e, como não poderia deixar de ser, o conceito de cibercrime é um exemplo claro desta afirmação.

Assim, no lapidar dizer de PEDRO DIAS VENÂNCIO106, o cibercrime pode ter duas

naturezas completamente distintas, havendo a necessidade de fazer uma distinção entre os casos em que a informática não passa de um meio para praticar um crime e, por outro lado, os casos em que a informática é uma componente do tipo legal de crime.

Deste modo, por um lado, podemos ter a cibercriminalidade em sentido amplo que se vai traduzir naquelas atividades criminosas que podem, ou não, ser executadas através de meios informáticos. Nestes casos, a prática do ilícito pode ser levada a cabo por meios informáticos, contudo estes meios não são estritamente necessários para a sua consumação. Posto isto, conclui-se que os meios informáticos simplesmente não integram os tipos legais de crime tendo em conta que os mesmos crimes podem ser praticados através de outros instrumentos. Como exemplo de cibercrimes em sentido amplo podemos identificar os crimes de difamação, injúrias ou ofensas que, na maioria dos casos, são proferidos verbalmente, contudo também podem ser cometidos por meios informáticos, através de redes sociais, agravando-se assim a moldura abstrata do tipo legal de crime107.

106 VENÂNCIO, Pedro Dias, Lei do Cibercrime…, op. cit., p. 17.

107 A título de exemplo, denote-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-10-2013 que condenou o arguido que através de um post na

rede social Facebook conseguiu propalar factos inverídicos, capazes de ofender o prestígio da pessoa coletiva em causa. O Acórdão em causa tem o seguinte sumário: Integra o tipo de crime de Ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, do artigo 187º, do Código Penal, apenas a afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não (ao contrário do que se verifica com os crimes de Difamação do artigo 180º, do Código Penal, e de Injúria do artigo 181º do mesmo Código) a formulação de juízos ofensivos. Este é um crime de perigo: basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos. Constitui “meio de comunicação social”, para o feito do nº 2 do artigo 183º do Código Penal uma página do “Facebook” acessível a qualquer pessoa e não apenas ao grupo de “amigos”. Em caso de provimento de um recurso que tem como consequência a condenação do arguido, cabe ao tribunal de segunda instância fixar a pena respetiva, sem que tal implique violação do

duplo grau de jurisdição. Disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0fab00c6a2ab290380257c2200521381?OpenDocument [Consultado em 22.10.2017].

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Por outro lado, entende-se por cibercriminalidade em sentido estrito aquele tipo de criminalidade informática cujo elemento digital ou informático surge como componente integrador do tipo legal criminalmente punido, ou seja, a execução do crime vai necessariamente recorrer aos meios informáticos. Nestas situações o bem jurídico a proteger será a segurança nos bens informáticos e, a título de exemplo, podemos destacar o crime de acesso ilegítimo, burla informática e falsidade informática, que podem encontrar-se tipificados no CP, na LCiber, ou até mesmo no RGIT.

Sem embargo da distinção supra mencionada, comummente aceite, em 2003, PEDRO VERDELHO108 distinguiu o cibercrime em três realidades distintas, nomeadamente: os crimes que

recorrem a meios informáticos; os crimes referentes à proteção de dados pessoais; e os crimes informáticos propriamente ditos. Os primeiros seriam aqueles crimes que só podiam ser praticados através de meios informáticos, encontrando-se essencialmente previstos no CP, como por exemplo, o crime de burla informática, ou devassa por meio informático. A segunda distinção, como o próprio nome indica, referia-se aos crimes relacionados com a proteção de dados pessoais e à proteção de privacidade no setor das telecomunicações, como por exemplo, o crime de acesso indevido a dados, que, à data, era regulado pela já revogada Lei de Proteção de Dados Pessoais, Lei n.º 67/98, de 26 de outubro. Já os crimes informáticos propriamente ditos englobavam, àquela data, os crimes previstos na revogada Lei da Criminalidade Informática, Lei n.º 109/91, de 17 de agosto, como por exemplo, o crime de falsidade informática, ou acesso ilegítimo.

Por outro lado, BENJAMIM SILVA RODRIGUES optou por fazer uma distinção entre crimes informáticos digitais próprios (ou “puros”), dos impróprios (ou “impuros”), sendo que os primeiros serão aquele tipo de crimes em que estamos perante condutas penalmente relevantes, tendo em conta que são lesivas dos fluxos informacionais, comunicacionais e informático- digitais, contidos ou veiculados a partir dos computadores ou outro sistema informático-digital, tendo como objeto a “(…) integridade, fiabilidade, operacionalidade, originalidade ou genuinidade, secretismo e segurança dos fluxos informacionais e comunicacionais e

108 Neste sentido, VERDELHO, Pedro, “Cibercrime”, Direito da Sociedade da Informação – Volume IV, APDI – Associação Portuguesa de Direito

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informático-digitais (…)”109; enquanto os segundos se caracterizam não deter o mesmo objeto,

mas antes outros bens jurídicos de natureza pessoal ou coletiva110.

Todavia, se seguirmos os ensinamentos de RITA COELHO DOS SANTOS111 a

criminalidade informática vai deter uma classificação tripartida, nomeadamente:

- crimes tipicamente informáticos, que são aqueles cujo objeto ou instrumento da ação vital é um computador ou instrumento informático semelhante (em sentido amplo), conditio sine qua non112 o tipo legal de crime não se preencherá, como por exemplo, o crime de sabotagem

informática;

- crimes essencialmente informáticos, resumem-se ao tipo de crime cujo bem jurídico ofendido traduz-se numa realidade informática, como por exemplo, um programa de computador, um telemóvel. É o caso do crime de reprodução ilegítima de programa protegido no qual o bem jurídico a proteger é o software113, ou seja, um verdadeiro bem jurídico informático;

- crimes acidentalmente informáticos, são aqueles cuja utilização de um instrumento informático não passa de um novo modus operandi114 para a consumação da prática de um

ilícito. Exemplos dessa classificação são os crimes de injúrias ou difamação.

Não obstante as classificações tri ou bipartidas do conceito de cibercrime/criminalidade informática supra referidas, uma coisa é certa, todas elas servem para demonstrar que o cibercrime é uma realidade crescente, em permanente evolução, sendo que aquilo que hoje é certo e irrefutável, amanhã pode ser simplesmente ultrapassado e tornar-se obsoleto, não conseguindo acolher, por isto mesmo, o total assentimento doutrinal. Por este motivo existe um receio que o Direito não consiga acompanhar os desenvolvimentos do mundo informático e das comunicações colocando em causa a própria estabilidade jurídica e, por outro lado, assiste-se ainda ao problema de se não regularmos tal realidade então não podem existir respostas

109 Cfr. RODRIGUES, Benjamim Silva, Direito Penal – Parte Especial, Tomo I – Direito Penal Informático-Digital, Coimbra, Coimbra Editora, maio

2009, p. 279.

110 Nesta senda, Benjamim Silva, Direito Penal – Parte Especial, Tomo I ..., op. cit., p. 351.

111 Neste mesmo sentido, SANTOS, Rita Coelho, O Tratamento Jurídico-Penal Da Transferência De Fundos Monetários Através Da Manipulação

Ilícita Dos Sistemas Informáticos, Studia Iuridica 82, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 32 e ss.

112 Do latim, “condição sem a qual”, ou seja, é um requisito fundamental. 113 Em sentido idêntico ao mencionado supra na nota de rodapé n.º 6. 114 Do latim, “modo de operação”, ou seja, é uma forma de agir, de executar.

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eficazes por parte dos aplicadores do Direito, face às questões cada vez mais pertinentes, atuais e complexas do mundo e da sociedade atual.