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3.3. Tratamento anaeróbio de resíduos

3.3.2. Digestão anaeróbia de resíduos da avicultura e suinocultura

O tratamento de resíduos de origem animal por meio da digestão anaeróbia apresenta-se como uma atividade economicamente interessante para os produtores, tendo em vista a produção de biogás, que é uma fonte de energia renovável e pode ser aproveitado na própria atividade agrícola em substituição a outras fontes energéticas, diminuindo os custos de produção. Considerando o aumento dos custos das fontes convencionais de energia, essa pode ser uma excelente técnica alternativa objetivando a produção energética (SANTOS, 2001).

O biogás é uma mistura de metano e dióxido de carbono com pequenas quantidades de outros constituintes como nitrogênio, hidrogênio, sulfeto de hidrogênio e vapor de água (VARTAK et al., 1997), e pode ser utilizado em diversas aplicações na propriedade rural, tais como em chocadeiras, incubadoras, campânulas para aquecimento de aves, refrigeradores, geradores de energia elétrica, além do consumo doméstico.

Além do biogás, o processo de biodigestão anaeróbia produz o biofertilizante, que segundo a CAEEB (1981) apresenta as seguintes vantagens de aplicação no solo:

a) o conteúdo de matéria orgânica do resíduo resulta em uma capacidade de retenção de

umidade pelo solo, evitando demora no crescimento das plantas durante o período de estiagem;

b) melhoria na estrutura do solo, especialmente em argilas, permitindo maior penetração de

ar com consequente estímulo à oxidação da matéria orgânica pelos organismos do solo;

c) introdução de grande número de microrganismos e protozoários, resultando em aumento

da velocidade de decomposição, o que torna os nutrientes mais assimiláveis pelas plantas;

Embora a aplicação do lodo do biodigestor após o término do processo no solo possibilite benefícios ao mesmo, é importante considerar a qualidade sanitária desse lodo. A redução de patógenos presentes em materiais orgânicos tem sido relatada como efeito da sequência bioquímica do processo de digestão anaeróbia e de variações nos fatores que interferem neste processo (SANTOS, 1997).

VARNERO et al. (1983) não detectaram a presença de patógenos (coliformes, Salmonella e Shigella) no efluente de biodigestores modelo batelada alimentados com resíduos de aves. MATEU et al. (1992) estudando a eliminação de coliformes fecais de resíduos de suínos por meio da digestão anaeróbia mesofílica em biodigestores contínuos com tempo de retenção hidráulica (TRH) de 18 dias, obtiveram uma redução de 99 % no número destes microrganismos, e associaram este fato à presença de ácidos graxos voláteis que são produzidos durante o processo.

Em estudos realizados por SHIH (1993) os coliformes fecais presentes em resíduos de aves foram completamente destruídos após passarem pelo processo de digestão anaeróbia termofílica. KEARNEY et al. (1993) trabalhando com resíduos de bovinos de corte não detectaram a presença de Echerichia coli nos efluentes de biodigestores contínuos operados na faixa mesofílica, com TRH de 25 dias. No trabalho de SCHOKEN- ITURRINO et al. (1995) os patógenos Staphylococcus, Streptococcus, Corynebacterium e Escherichia coli não foram detectados no efluente de biodigestores contínuos operados em temperatura ambiente com TRH de 35 dias. Entretanto um TRH de 20 dias não foi suficiente para destruir bactérias como Escherichia coli e Staphylococcus aureus.

Por outro lado, SEIXAS (1994) estudando a qualidade sanitária de afluentes e efluentes de biodigestores operados à temperatura ambiente, com TRH de 50 dias e alimentados com dejetos de suínos, verificou a permanência de diversos agentes patogênicos nos efluentes. Os organismos isolados pelo autor incluíram Escherichia coli e Salmonella sp da família Enterobacteriacea, Staphylococcus aureus e Staphylococcus saprophyticus, além desses, foram encontrados protozoários (Entamoeba coli, Endolimax nana e Balantidium coli) e helmintos (ovos de Ascaris e ovos e larvas de Ancylostomideos). Com base nesses resultados, o autor salientou a possibilidade de disseminação de diversos organismos quando os efluentes de biodigestores forem utilizados como biofertilizantes e sugeriu que estes sejam submetidos a tratamento prévio que permita a sua desinfecção, para posterior utilização.

De forma geral, os resíduos gerados na avicultura e suinocultura são bons substratos para a digestão anaeróbia e não apresentam restrição de nutrientes para o processo. Além disso, segundo LUCAS JR. (1994), o estrume de animais usualmente tem

capacidade de tamponamento suficiente para manter o pH da digestão anaeróbia na faixa de 7 a 8,5. Evitando, desta forma, uma queda brusca de pH e, consequentemente, uma diminuição da atividade metanogênica.

Os resíduos de aves e suínos geralmente apresentam baixa relação C/N, indicando que o nitrogênio não será limitante ao crescimento dos microrganismos. Entretanto, podem ocorrer problemas de toxicidade devido à amônia, quando os biodigestores são operados com altas cargas orgânicas (LUCAS JR., 1994). Os níveis de amônia inibitórios aos microrganismos anaeróbios que são encontrados na literatura apresentam grandes variações.

WEBB & HAWKES (1985) estudando a digestão anaeróbia de resíduos de aves, conseguiram bom desempenho de biodigestores com altas cargas orgânicas e concentração de amônia de 4,275 g-N L-1. A produção de biogás foi inibida em 50 % apenas com a adição de NH4Cl para se alcançar a concentração de 10 g-N L-1.

Em estudos realizados por HANSEN et al. (1998), a concentração de amônia livre de 1,1 g-N L-1 foi suficiente para inibir o processo de digestão anaeróbia de resíduos de suínos em experimentos por batelada em pH 8,0. Entretanto, uma degradação estável desses resíduos, embora com pequena produção de metano, foi alcançada em reatores de agitação contínua operados em diferentes temperaturas (37, 45, 55 e 60ºC) com tempo de retenção hidráulica de 15 dias e concentração de amônia da ordem de 6 g-N L-1.

Fisher9 et al. (1979) apud LUCAS JR. (1994) não verificaram inibição na produção de biogás em concentrações de amônia de 3 g-N L-1. A operação estável em altas concentrações de amônia foi atribuída à adaptação dos microrganismos.

Quanto ao potencial de produção de biogás são observadas na literatura grandes variações nas produções de biogás provenientes de resíduos de aves e suínos, pois muitos trabalhos carecem de melhor caracterização dos substratos utilizados para determinar o potencial energético (dejeto ou cama, no caso de frangos, tipo de material utilizado como cama, uso e quantidade de inóculo, teor de sólidos totais e voláteis no substrato e composição do biogás gerado).

AUBART & FAUCHILLE (1983) investigaram a digestão anaeróbia de resíduos de aves de postura em biodigestores contínuos, alimentados uma vez ao dia e operados a temperatura de 37ºC. Os autores estudaram a influência de diferentes teores de sólidos totais (3,8; 6,0 e 8,1 %) sobre o potencial de produção do resíduo com diferentes tempos de retenção hidráulica (30, 24, 20, 15, 10, 7,5, 5 e 4 dias). Observaram que os

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FISHER, J. R. et al. Producing methane gas from swine manure in a pilot-size digester. Transactions of the

rendimentos de produção de biogás aumentaram com o aumento do TRH e diminuição do teor de ST nas cargas diárias. Obtiveram produções entre 0,215 e 0,422 m3 de biogás por kg de ST adicionados com teor médio de metano de 69 %.

Caetano10 (1991) apud LUCAS JR. & SANTOS (2000) verificou potencial de produção de biogás de 0,12 e 0,11 m3 de biogás por kg de dejeto para resíduos de aves de postura submetidos à digestão anaeróbia em biodigestores batelada com quatro ciclos de fermentação, e contínuos com quatro períodos de fermentação equivalentes aos quatro ciclos dos biodigestores batelada, respectivamente.

LUCAS JR et al. (1993) observaram melhores rendimentos na digestão anaeróbia de resíduos de frangos de corte com cama de maravalha (raspa de madeira) quando utilizaram inóculo adicional e substratos com 8 % de ST em biodigestores modelo batelada operados à temperatura ambiente. O potencial médio obtido por estes autores foi de 0,29 m3 de biogás por kg de ST adicionados. Valores próximos foram obtidos por LUCAS JR. et al. (1996) com resíduos de frangos de corte e cama de maravalha nas mesmas condições do experimento anterior, sendo que os potenciais de produção foram de 0,25 e 0,28 m3 de biogás por kg de ST adicionados, com e sem o uso de inóculo, respectivamente.

SANTOS (2001) estudando a digestão anaeróbia de resíduos de frangos com cama de serragem de madeira (pó-de-serra de pinus) em biodigestores modelo batelada operados à temperatura ambiente, com substrato com 9,5 % de ST, obteve valores que variaram de 0,1388 a 0,2908 m3 de biogás por kg de cama adicionada quando utilizou 15 % de inóculo e de 0,1184 a 0,2700 m3 de biogás por kg de cama adicionada quando utilizou 5 % de inóculo.

Com relação aos potenciais de produção de biogás de resíduos de suínos, MATEU et al. (1992) operaram biodigestores mantidos à temperatura de 37ºC, alimentados diariamente, com TRH variando de 10 a 14 dias, e encontraram potencial médio de produção de 0,4 m3 de biogás por kg de sólidos voláteis adicionados.

LUCAS JR. (1994) submeteu resíduos de suínos à digestão anaeróbia em biodigestores batelada operados à temperatura ambiente e encontrou potencial médio que variou de 0,2975 a 0,4590 m3 de biogás por kg de ST adicionados quando não utilizou inóculo, ao passo que, com a adição de diferentes concentrações de inóculo (11,23; 20,37 e

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CAETANO, L. Metodologia para estimativa da produção contínua de biogás em biodigestores modelo

indiano. 1991. 112 f. Tese (Doutorado em Energia na Agricultura) – Faculdade de Ciências Agronômicas,

22,14 % da matéria seca), a variação no potencial foi de 0,3521 a 0,5297 m3 de biogás por kg de ST adicionados.

Considerando o tipo de resíduo e o objetivo do tratamento, seja ele para saneamento, atendimento de demanda energética e produção de biofertilizante, pode-se optar por diferentes tipos de biodigestores. Diversos modelos são propostos, diferindo, principalmente, nas tecnologias associadas para obtenção de melhores rendimentos e nas características que os tornam mais adequados ao tipo de resíduo e à frequência com que são obtidos Neste sentido, e considerando também a forma de operação dos biodigestores, os modelos mais estudados para o tratamento de resíduos da avicultura e suinocultura incluem: batelada para resíduos menos diluídos, contínuos para semi-sólidos (indiano e chinês) ou contínuos para águas residuárias (UASB – fluxo ascendente com manta de lodo), (LUCAS JR. & SANTOS, 2000).