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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.9 Princípios e tecnologias de tratamentos de águas residuárias

2.9.1 Digestão Anaeróbia: UASB

A indústria suína é caracterizada pela produção intensiva de suínos, o que gera quantidades substanciais de efluentes em pequenas áreas. Este resíduo possui altas concentrações de matéria orgânica, nutrientes e metais com maior potencial poluidor (STEINMETZ et al., 2009). Portanto, novas estratégias de manejo são necessárias quando comparadas com as adotadas atualmente, que são o armazenamento de efluentes e o uso agrícola, especialmente em áreas de alta densidade populacional (KUNZ et al., 2009).

Nas últimas décadas, o interesse pelo conhecimento a respeito do processo de digestão anaeróbia tem crescido de forma considerável no Brasil. Esse tipo de processo biológico de estabilização da matéria orgânica se mostra adequado às condições de clima tropical e demonstra um balanço energético otimizado em relação às tecnologias aeróbias, considerando, ainda, a produção de insumos, como biogás e biofertilizante, e a baixa demanda energética (CHERNICHARO, 2016).

Segundo Campos et al. (2006), a anaerobiose ocorre na ausência de oxigênio e envolve uma série de grupos microbianos que interagem entre si, convertendo a matéria orgânica complexa em metano, dióxido de carbono e outros compostos. A eficiência do processo anaeróbio é, portanto, função de uma série de interações entre diversos grupos de microrganismos, os quais possuem diferentes capacidades digestivas e em que os intermediários metabólicos de um grupo servem como substrato para o desenvolvimento de outros (VAZZOLER, 2006). Depreende-se, portanto, que o processo de digestão anaeróbia é, na verdade, composto por uma série de reações sequenciais e que a velocidade de cada reação influi na velocidade global do processo. As reações mais lentas, principalmente, denominadas limitantes, influirão no retardo ou na aceleração dessa velocidade.

Uma das alternativas tecnológicas anaeróbias é o reator anaeróbio de manta de lodo de fluxo ascendente (UASB), o qual é composto por uma manta de lodo e entrada afluente na parte inferior do reator em movimento ascendente, atravessando uma camada de lodo biológico (Figura 3). O efluente é então encaminhado para um separador de fases (gás-sólido-líquido) enquanto escoa em direção à superfície. A utilização desses reatores apresenta vantagens como baixo custo de implantação, simplicidade operacional, menor geração de lodo, menor consumo

de energia elétrica, dentre outras (CHERNICHARO et al., 2015). Além disso, verifica-se que a maior parte do material orgânico biodegradável presente no despejo é convertida em biogás (cerca de 70 a 90%) e rico em nutrientes disponíveis, que pode ser aproveitado em diversas aplicações (ALVES et al., 2018; APPELS et al., 2008; CHERNICHARO, 2016).

Figura 3 - Desenho esquemático de um reator UASB.

Fonte: Pal (2017).

Apesar da grande aceitação e de todas as vantagens inerentes aos reatores anaeróbios tipo UASB, permanece nesses sistemas uma grande dificuldade de produzir, isoladamente, um efluente dentro dos padrões estabelecidos pela legislação ambiental do país. De forma similar à maioria dos processos compactos de tratamento, os reatores UASB, ainda que bem manejados quanto à remoção da matéria carbonácea dos esgotos, não são eficientes na remoção de nutrientes (N e P), eliminação de organismos patogênicos (vírus, bactérias, protozoários e helmintos) e efluentes muito recalcitrantes, necessitando, portanto, de uma etapa de pós-tratamento de seus efluentes, como, por exemplo, tratamentos físico-químicos (SILVA; PETTER; SCHNEIDER, 2007).

2.9.1.1 Etapas do processo de digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia da matéria orgânica ocorre em quatro etapas microbianas, denominadas como: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese (Figura 4). Há um consórcio de microrganismos (bactérias acidogênicas, bactérias acetogênicas e arqueias metanogênicas, etc.) que são responsáveis por cada fase do processo e que devem estar em

Defletor 3 Fases separadas Efluente Biogás Coletor de biogás Bolhas de biogás Leito de lodo Afluente Coleta de efluente Compartimento de sedimentação Manta de lodo

equilíbrio dentro do sistema para a produção de biogás a partir de materiais orgânicos (KOTHARI et al., 2014).

Figura 4 - Fluxograma do processo de digestão anaeróbia.

Fonte: Adaptado de Lettinga et al. (1996).

A primeira etapa da digestão anaeróbia é a Hidrólise, em que ocorre a decomposição de compostos particulados orgânicos complexos como proteínas, gorduras e carboidratos em substâncias mais simples, tais como aminoácidos, ácidos graxos e açúcares (ROHSTOFFE, 2010), conforme demonstrado na Figura 4. Esta conversão ocorre devido a exoenzimas excretadas pelas bactérias fermentativas hidrolíticas por reações bioquímicas (ANGELIDAKI et al., 2011). Segundo Karlsson (2014), a rapidez do processo depende do tipo do material utilizado e como este é estruturado.

Na anaerobiose, a hidrólise dos polímeros usualmente ocorre de forma mais lenta, sendo vários os fatores que podem afetar o grau e a taxa em que o substrato é hidrolisado, alterando assim a dinâmica de produção de biogás (VIDAL et al., 2011): temperatura operacional do reator; tempo de residência do substrato no reator; composição do substrato (ex.: teores de lignina, carboidrato, proteína e gordura; tamanho das partículas; pH do meio e concentração de N - NH4+; e concentração de produtos da hidrólise (ex.: ácidos orgânicos voláteis).

Chernicharo (2016) relata que os produtos solúveis oriundos da hidrólise são metabolizados no interior das células por metabolismo fermentativo. A maioria dos microrganismos acidogênicos fermenta açúcares, aminoácidos e ácidos graxos, resultando da hidrólise de matéria orgânica complexa, e produzem diversos compostos simples, a exemplo de ácidos orgânicos (principalmente acético, propiônico e butírico), álcoois (etanol), cetonas (acetonas), dióxido de carbono e hidrogênio, além de novas células bacterianas. O mesmo autor ainda afirma que a acidogênese é efetuada por diversos grupo de bactérias fermentativas. Dentre os gêneros mais comuns em retores anaeróbios estão: Clostridium, Bacteroides, Ruminococcus,

Butyribacterium, Propionibacterium, Eubacterium, Lactobacillus, Streptococcus,

Pseudomonas e Escherichia.

Na terceira etapa, as bactérias sintróficas acetogênicas são responsáveis pela oxidação da parte orgânica intermediária. Como propionato e butirato, em substrato apropriado para os microrganismos metanogênicos (acetato, hidrogênio e dióxido de carbono), sendo assim denominadas porque a existências delas depende das atividades de microrganismos consumidores de hidrogênio (CHERNICHARO, 2016). Além disso, segundo Salomon (2007) o crescimento bacteriano deste grupo é considerado relativamente lento, tendo uma duplicação mínima de 1,5 a 4 dias e as reações produzidas nesta etapa são mais complexas energicamente, pois são facilmente interrompidas devido ao acúmulo de gás hidrogênio dissolvido.

A metanogênese, etapa final do processo de degradação anaeróbia de compostos orgânicos, é a responsável direta pela produção de metano e dióxido de carbono. Chernicharo (2016) afirma que em função de sua fisiologia, as arqueias metanogênicas são divididas em dois grupos principais: metanogênicas acetoclásticas, onde o acetato é utilizado como fonte de energia e carbono, promovendo a redução do ácido acético e produzem gás carbônico e metano, podendo ser responsáveis por 60 a 70% de toda produção de metano; e as metanogênicas hidrogenotróficas que utilizam o gás carbônico como fonte de carbono e aceptor de elétrons, e o hidrogênio como fonte de energia (o hidrogênio funciona como um agente redutor).

Diante do exposto, o entendimento sobre a compreensão e efeitos da anaerobiose podem ser observadas na Tabela 8.

Tabela 8 - Parâmetros envolvidos no processo de digestão anaeróbia.

Parâmetro Valor ideal Observações

Temperatura (°C)

O limite superior da mesófila é a temperatura ideal para uma ótima produção de biogás.

Mesofílico 30 - 40 Termofílico 40 - 70

pH 6,3 - 7,9 Fora desses níveis os microrganismos metanogênicos não se desenvolvem. Alcalinidade

(mg L-1 CaCO3) 1000 a 5000 Neutraliza as variações de acidez do resíduo. Acidez Volátil (mg L-1

CH3COOH) 500 a 2000

Concentrações mais altas inibirão o acetato e a produção de biogás.

Acidez/Alcalinidade

(AV/AT) 0,1 a 0,5

Representa estabilidade para processos anaeróbios, valores superiores representam acúmulo de ácidos

nos reatores.

C/N 20 a 30

Relação mais elevadas levam ao consumo de N pelas metanogênicas, reduzindo a produção de

metano. Carga orgânica (kgSV m³ d-1) Mesofílico Termofílico 0,4 a 6,4 1,0 a 7,5

Os microrganismos se inibem se a carga orgânica for muito elevada

TRH (dias) 9 a 95 Varia em função do substrato, temperatura e o tipo do sistema de digestão

Fonte: Adaptado de Pecora (2006), Amani et al. (2010), Perovano; Formigoni (2011) e Cabbai et al. (2013).