• Nenhum resultado encontrado

3 LEGISLAÇÃO E SISTEMA PUNITIVO NO BRASIL

3.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E GARANTIAS DO PRESO

A convivência harmônica entre os membros da sociedade necessita da interferência do Estado, detentor do jus puniendi, além de ser o responsável pela proteção dos bens jurídicos por ele mesmo tutelados.

Surge então o Direito Penal, ramo do Direito Público, regulador das condutas humanas, contendo penas como meio de reprimenda para aqueles que descumprirem as proibições estatuídas no seu diploma repressivo. Regula também a observância das garantias fundamentais, nos moldes previstos na Constituição Federal de 1988, pois cabe ao próprio Estado promover a proteção dessas garantias.

O respeito à pessoa humana, por exemplo, é uma das garantias fundamentais cuja proteção o Estado deve promover, pois o respeito à pessoa é algo que lhe é intrínseco. Nessa senda, já foram proclamadas normas nacionais e internacionais para delimitar o papel do poder estatal, no intuito de proteger o indivíduo apenado contra sofrimentos que possam ferir as garantias estabelecidas. Esclarece Assis (2007):

As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais. Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso.

Em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinadas à proteção das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica – a Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução penal.

Os ordenamentos jurídicos já preveem as garantias, razão pela qual é desnecessário qualquer procedimento cruel ou degradante a pessoa do preso. Não obstante, a realidade carcerária demonstra que o recluso enfrenta agressões físicas e morais, castigos, etc., o que culmina na perda de personalidade, de direitos e até mesmo da dignidade.

Cabe frisar, por oportuno, que muitos dos abusos e agressões sofridos pelos presos são cometidos por agentes penitenciários e por policiais, sobretudo após rebeliões ou tentativas de fuga. Os próprios presos também praticam entre si atos violentos: abusos sexuais, homicídios, espancamentos, etc. Nesses casos, a impunidade transparece ainda mais. Outrossim, a ausência de critério de organização da cadeia pública contribui sobremaneira para a formação desse cenário, visto que inexiste separação dos condenados primários daqueles marginais contumazes e sentenciados a longas penas.

Frise-se que as inumeráveis ofensas à dignidade da pessoa ocorrem diuturnamente dentro dos estabelecimentos prisionais, e os órgãos responsáveis não têm controle ou são coniventes com o problema.

É imperiosa a necessidade de se tratar as ofensas à dignidade da pessoa humana como ofensas aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, pois não se pode mais tolerar esse tipo de comportamento de seres humanos contra seres humanos.

Saliente-se ainda acerca da urgência do cumprimento do quanto disposto na Constituição Federal, no Código Penal e na Lei de Execução Penal no concernente ao

tratamento diferenciado que deve ser conferido às mulheres e aos maiores de sessenta anos, em face da condição de vulnerabilidade destes, com celas separadas dos demais presos. A finalidade é evitar que sofram algum tipo de violência. No entanto, por óbvio, deve-se conferir dignidade, respeito a todos os presos, independente do sexo e da idade.

Uma pesquisa de opinião pública nacional veiculada no site do Senado sobre a violência no Brasil (2007) e outra acerca da reforma do Código Penal (BRASIL, 2012b) revelaram que os entrevistados são conservadores, detentores de uma visão antiga, de cunho punitivo. O traço do conservadorismo é evidente, haja vista a resposta dos pesquisados às perguntas que lhes foram formuladas. Indagados sobre qual a principal causa da violência, em primeiro lugar apareceu a impunidade, em segundo o tráfico e o consumo de drogas, enquanto que o desemprego e a educação aparecem respectivamente em terceiro e quarto lugar. Embora o brasileiro não demonstre descrença com a educação como uma forma de combate à violência, o percentual é pouco significativo, ou seja, apenas 14% dos entrevistados têm esse entendimento. A maioria dos brasileiros apostam em medidas mais tradicionais, ou seja, no aumento do rigor penal como o instrumento mais acertado de combate ao crime. Sendo assim, veem no aumento da pena máxima de 30 anos (69%), na exclusão de benefícios para os agentes de crimes hediondos (93%) e na prisão perpétua (75%) medidas eficazes para refrear a criminalidade.

No entanto, é preciso reavaliar essa perspectiva. Desse modo, é imprescindível intensificar a imagem do preso como sendo alguém capaz de se recuperar, porquanto a maioria é vítima de um sistema que criminaliza aquelas condutas interpretadas como desviantes. A solução dos problemas já mencionados aumentará as chances do encarcerado alcançar a reabilitação e, quiçá, vir a ser útil à sociedade. Todavia, enquanto isso não ocorre, tem aumentado as opiniões favoráveis à adoção da pena de morte e da prisão perpétua, em face do crescimento da violência e da impunidade.

De acordo com a pesquisa acima referida a sociedade brasileira também enxerga a cadeia como um local destinado aos mais pobres. Essa visão decorre do fato de grande parcela da população, desprovida de recursos financeiros, encontrar dificuldades no acesso à Justiça ou a defensores, assim como a uma melhor qualidade de vida com educação de qualidade. Essas circunstâncias desfavoráveis, por certo, só serão debeladas quando todos puderem dispor dos bens da nação.

É claro que a problemática da violência não é uma equação de fácil resolução. O debate não pode cessar; as alternativas visando mudar o quadro assustador da criminalidade também devem ser oferecidas de modo abundante até se chegar a resolução mais próxima do

esperado. Melhorias nas cadeias, nos presídios de modo a oferecer um encarceramento mais humano são indispensáveis, assim como a assistência judiciária, a saúde; uma prisão que ofereça trabalho aos reclusos também é de suma importância. Todavia, qualquer medida dessas será inócua se não vier acompanhada de políticas sociais capazes de ofertar mais trabalho, educação e saúde, enfim uma vida digna ao cidadão, de tal modo que não cogitará a prática delituosa como uma forma de “ganhar a vida”. No próximo capitulo discutiremos o teor das proposições apresentadas pelos parlamentares nos últimos anos.