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2.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.5.2 A dignidade humana na DUBDH

O Código de Nuremberg, primeiro documento de cunho bioético do qual se tem notícia, tinha como prioridade após a Segunda Guerra Mundial que a dignidade da pessoa humana fosse assegurada em todas as etapas da pesquisa científica; a diretriz de número 7 era taxativa ao afirmar que: “deveriam ser tomados cuidados

especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota” (19, p.530).

Os documentos centrais da bioética seguiram-se nesse sentido: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos e Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos. Para fins deste estudo, realizar-se-á apenas a análise da DUBDH e sobre ela algumas considerações iniciais precisam ser feitas.

Os direitos humanos são aqueles inerentes ao ser humano, baseiam-se no respeito pela liberdade e dignidade, são ainda indisponíveis, indivisíveis, inter- relacionados, inalienáveis, de igual importância, universais e independem de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, credo ou outra condição. Assim, são inegociáveis, intransponíveis e devem ser assegurados, sem qualquer discriminação, como é o caso do direito à vida (52).

Porto (53) reforça esse entendimento aduzindo ainda que:

Os direitos humanos decorrem de uma noção nova e inédita na história humana. Pela primeira vez todas as pessoas devem ser consideradas em sua dignidade intrínseca, titulares de direitos, independente de seus atributos: sexo, cor, idade, nacionalidade, religião etc. Os direitos humanos, que vêm rompendo as estreitas noções de identidade desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda não se consolidaram para todos os seres humanos, mas já consubstanciam as moralidades de forma a que se considerem abusivos os atos de pessoas e governos que os contrariam. Pode-se dizer, portanto, que se ainda estamos aprendendo a atuar em igualdade com respeito à diferença, nas últimas seis décadas e meia em que os direitos humanos passaram a ser o horizonte da representação identitária dos seres humanos, especialmente nas sociedades ocidentais (p. 69).

Como visto anteriormente, a origem desses direitos deu-se exatamente sob um cenário de massacre, em um contexto de pós-guerra, onde os crimes ali praticados e os experimentos médicos trazidos à tona revelaram inúmeros abusos contra a humanidade, como também excessos em prol da ciência, fazendo surgir a necessidade de organizações e declarações que dessem uma proteção mais efetiva ao homem e às futuras gerações, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), ambas da década de 1940.

Décadas depois, ainda nesse afã de garantir a “sobrevivência humana, numa forma decente e sustentável” (54, p. 338), surgiu a Bioética como ponte entre a

ciência biológica e a ética, na tentativa de dar respostas aos conflitos morais decorrentes do desenvolvimento acelerado. A vocação primeira desse novo território do conhecimento relacionava-se à solução de conflitos nas áreas biomédicas e biotecnológicas, preocupando-se com a relação pesquisador e sujeito de pesquisa, bem como profissionais da área da saúde e seus pacientes.

Anos se passaram e a Bioética permanecia cristalizada no mundo da saúde, atenta somente às “contundências dos avanços científicos e tecnológicos no campo da biomedicina” (55, p. 17). Até que no dia 19 de outubro de 2005, em um momento “único de clarividência da Unesco” (56), em sessão histórica realizada em Paris, com a adesão de 191 países-membros, essa inclinação natural da bioética sofreu alterações e sua agenda foi ampliada, reconhecendo-se que a ética da vida humana alcança várias dimensões e não somente aquela meramente médico-científica, foi promulgada a Declaração de Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), contendo não só temas biomédicos e biotecnológicos, mas também questões sociais, sanitárias e ambientais.

A DUBDH, hodiernamente, além de refletir sobre as questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços da ciência e suas aplicações tecnológicas, preocupa-se com a qualidade de vida e o bem-estar de indivíduos, grupos ou comunidades, na persecução da dignidade da pessoa humana e do respeito às liberdades fundamentais, reconhecendo que a saúde não depende unicamente da questão científica, mas sobretudo de fatores psicossociais e culturais (48).

É possível dizer que a partir da DUBDH um novo leque de possibilidades abriu-se para a bioética, antes muito atenta somente a questões biomédicas e biotecnológicas. A inclusão em seus artigos de princípios que tratavam sobre questões sociais foi sem dúvida uma grande vitória, não só para os países periféricos, mas também para os países ricos do mundo, que já sentem nas suas realidades o impacto degradante e arrasador da pobreza.

A DUBDH também teve fundamental importância porque reforçou na bioética a missão de ser uma ética de atitude, que sai das divagações e dos corredores da academia para enfrentar concretamente os problemas e os conflitos que afligem as sociedades. Inclusive, durante este processo, teve o Brasil um papel de protagonismo quando se manteve firme na inclusão de alguns princípios importantes

para agenda dos países periféricos, como por exemplo, responsabilidade social e saúde, constante no art.14 (56).

Pode-se dizer ainda que a partir deste documento falar em bioética é “ir além”, é entender que o conceito de saúde compreende questões como educação, saneamento básico, acesso a medicamentos, ar puro, água potável. Não há como se pensar em uma sociedade mais saudável, mais ética e mais humana sem que as condições sociais, ambientais e sanitárias não estejam igualmente valoradas e amparadas.

Inclusive, a DUBDH realizou um feito quando ampliou a sua agenda e permitiu a inclusão de princípios como solidariedade e cooperação (art. 13); responsabilidade social e saúde (art. 14); compartilhamento dos benefícios (art. 15); proteção do meio ambiente, biosfera e biodiversidade (art. 17), que são sem dúvida uma retomada do ideal potteriano até então esquecido. Observa-se que esse resgate, já sinalizado e ratificado pela DUBDH como imprescindível ao guarnecimento da espécie humana, é, na realidade, a demonstração de um amadurecimento da jovem área que se iniciou “ponte”, mas percebeu ao longo de sua trajetória que para alcançar o bem- estar da humanidade é preciso ser global e estar atenta aos muitos conflitos surgidos da relação entre a ética médica e a ética ambiental.

Santos e Garrafa (57), dando voz aos grupos sociais mais vulneráveis, alertam ainda que a partir da Declaração foi possível também aos estudiosos da bioética traçarem novas orientações teóricas e metodológicas no sentido de aprofundamento da análise das contradições existentes entre um desenvolvimento científico e tecnológico acelerado por um lado e, pelo outro, a manutenção de bolsões de exclusão social conformados por indivíduos/cidadãos desempoderados, excluídos, escravizados.

Assim, falar em bioética é pensar nos 15 princípios da DUBDH, além da perspectiva da saúde e da tecnociência, como também no conjunto de dispositivos de caráter ético que possibilitam a associação de normas nacionais e internacionais no âmbito dos direitos humanos, a fim de direcionar as legislações dos países membros na efetivação de políticas públicas que possam enfrentar as injustiças e desigualdades sociais (58).

3 JUSTIFICATIVA, OBJETIVOS E MÉTODO

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