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PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

2.3. Dilemas Éticos

Quanto a esta questão, verificou-se existirem cinco opiniões distintas, sendo contudo, maioritariamente dada a resposta de não haver dilemas éticos nem fazerem juízos de valor sobre o utente com comportamentos suicidários.

A maioria dos enfermeiros entrevistados refere não saber até que ponto, como enfermeiros devem intervir no poder de decisão que a própria pessoa tem em querer terminar com a sua vida. Porém, são de opinião que dever-se-á continuar a prestar cuidados de forma adequada no sentido de ajudar na recuperação do utente parassuicida, devendo atender-se à beneficência.

“Talvez o direito que ele tem na escolha das suas acções, mas acho que trabalhando com o utente podemos fazer com que ele modifique a forma de pensar. Ele tem direito de fazer aquilo que quer, se não quer viver se calhar ele até poderia ter esse direito mas, o meu papel aqui é lutar pela vida e fazer com que ele lute pela vida dele.”,“… acho que o utente pode ter direito a não querer viver. Eu tento modificar essa ideia mas, por exemplo, temos aqui doentes que se calhar a vida é insuportável, que estão constantemente a ouvir vozes a dizer que têm de se matar, … não deve ser fácil, acredito que não seja fácil, por isso, tudo faço para que ele modifique esse comportamento.”

(Entrevista 6)

Uma segunda resposta obtida manifesta a dificuldade que o enfermeiro tem em perceber até que ponto o comportamento tido pelo utente parassuicida, tem um cariz sério ou se não passa meramente de um comportamento apelativo, de uma chamada de atenção. Caso se trate de um comportamento apelativo, referem ter dificuldade em aceitar e prestar cuidados, pois acham ser uma perda de tempo prestar cuidados a doentes que apenas querem obter benefícios secundários com os seus actos ou para prejudicar terceiros, quando há doentes que realmente precisam da sua ajuda.

“O que eu verifico é que grande parte dos actos ou comportamentos parassuicidários, parecem-me mais ser de carácter apelativo pois muitas das vezes têm benefícios secundários com o internamento. Esses benefícios podem ser para connosco profissionais pois sabemos estar, sabemos gerir o ambiente bem como as tarefas do serviço, outras vezes é para com os familiares, muitas vezes o doente ao estar internado num hospital psiquiátrico é uma boa desculpa para obter mais atenção por parte dos familiares, para às vezes até terem benefícios em termos económicos, por vezes temos doentes internados para evitar uma ida a tribunal, evitar o pagamento de contas, às vezes como uma forma de evitar um divórcio, …. Uma das principais dificuldades, é muitas vezes descortinar qual o objectivo pelo qual o doente cometeu aquele acto, se é uma tentativa real de querer consumar o acto ou se é apenas uma chamada de atenção.”

(Entrevista 8)

Uma outra opinião obtida pelos enfermeiros inquiridos refere que o próprio enfermeiro não deverá impor valores nem crenças religiosas aos utentes a quem presta cuidados, de forma a não criar conflitos com o próprio utente. Além disso, referem que actualmente se verificam mais comportamentos suicidários devido a motivos menores, tornando-se desta forma difícil perceber-se o porquê da pessoa praticar tal acto. Contudo, deve-se valorizar o acto cometido pelo utente, não devendo fazer-se juízos de valor sobre o mesmo, o qual deve ser respeitado como pessoa que é. Aquando do internamento dos utentes com comportamentos parassuicidas e, devido ao sigilo profissional, muitas vezes os enfermeiros sentem- se ―desconfortáveis‖ quando são solicitados pelos familiares dos utentes no sentido de obterem respostas sobre a situação.

“… nós não estamos aqui para julgar ninguém mas para ajudar, é isso que eu penso. Eu não tenho que julgar as pessoas por elas terem cometido uma tentativa de suicídio ou não, …”, “… se eu gosto ou não gosto da pessoa, se isto me ofende mais ou não, não é para isso que eu sou paga eu sou paga para tratar o doente independentemente se ou gosto ou não daquilo que ele fez, se vai contra a minha maneira de pensar ou não, isso depois compete se ele essas coisas todas. A mim compete-me respeitar o doente e tratá- lo.” (Entrevista 2)

“… às vezes, os familiares fazem questões que nós não podemos responder e que tem a ver com o sigilo profissional.” (Entrevista 7)

Quando questionados sobre a relação dos utentes parassuicidas com os seus familiares, pode-se constatar a existência de duas opiniões que se complementam.

A maioria dos enfermeiros entrevistados é de opinião que os utentes parassuicidas têm este comportamento apenas para conseguirem obter benefícios secundários pelo acto praticado, devido a preocuparem os seus familiares ou pessoas que lhes são mais próximas. Assim, conseguem obter maior atenção e carinho de sua parte e, muitas vezes, acabam por ter lembranças, prendas, entre outros benefícios, aquando da visita ao hospital. Além disso, muitos utentes parassuicidas praticam tal acto no sentido de obterem mudanças de comportamento/atitude dos que lhes são mais próximos.

“Provocam grandes transtornos para as famílias, muitas vezes os familiares deixam os empregos para os virem visitar ao hospital, alguns já têm os pais velhinhos e fazem com que os venham carregados com isto ou aquilo para comer, fazem com que lhes traga tabaco e, depois eles cá dentro têm uma relação muito diferente daquela quando vão à visita.” (Entrevista 8)

“Eu acho que ser situações apelativas, ela está a pedir a outros mudanças na vida deles, está a solicitar do outro algo que não é correcto, está a exigir do outro situações que não devia, por exemplo, quando põe em causa crianças, quando põe em causa velhinhos, os pais velhinhos que vêm às visitas, eu acho que isso mexe muito comigo. Nessas pessoas, às vezes é difícil aceitar, porque pura e simplesmente estão a manobrar comportamentos.” (Entrevista 11)

É extremamente importante que os enfermeiros façam uma análise multidimensional para que possam identificar e avaliar de forma consistente quais os factores de risco que poderão estar na génese da ideação e consequentemente da tentativa de suicídio. Parece ser consensual que todos os sinais de alerta para o suicídio não são, na sua maioria, suficientes para desencadear o comportamento suicidário, se forem considerados de forma isolada. É o seu conjunto que estabelece a eventual ruptura em relação ao estado habitual do indivíduo (Walter & Tokpanou, 2003, cit. in Peixoto et al., 2006).

Uma segunda opinião refere que, muitas vezes, torna-se difícil envolver a família do utente parassuicidário no processo de recuperação, apontando o desgaste psicológico e a saturação como principais factores, devido a muitas vezes o utente praticar o acto parassuicidário de forma repetida, provocando sentimentos de descrédito perante tal atitude. É pois essencial trabalhar-se também com a família dos próprios utentes parassuicidários no sentido de as ajudar a lidar e a superar tal situação.

“… também porque não estão sós, a lesar-se só a eles mas também quem está à volta deles, e tanto fazem que algum dia o familiar ou amigo deixa de lhes ligar. As pessoas que estão à volta deles também se cansam e, eles não têm esta noção.”, “São pessoas que não querem atentar contra a vida pois sabem que se fizerem este tipo de atitudes alguém se vai culpabilizar, não eles mas algum familiar, ou então vai ter mais atenção.” (Entrevista 2)

“… o envolvimento da família é extremamente difícil por vezes. Estamos a falar em situações em que família já esta tão desgastada desde tipo de comportamentos, portanto é sempre essencial trabalharmos a família, não se pode pensar de outra maneira.”

3. A REALIDADE DO UTENTE COM PROBLEMÁTICA SUICIDÁRIA