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5. RESULTADOS

5.3. O cuidado às PVHAs – perspectivas dos profissionais e gestores

5.3.3. Dimensão emocional e conflitos morais no cuidado às PVHAs

A aids, enquanto doença crônica, aproximou o usuário do serviço, tornando a sua presença mais constante e demandando outros cuidados para além do controle do vírus e da dispensação de ARV. De tal aproximação, é possível destacar um aspecto que se refere à dimensão relacional entre quem cuida (profissional de saúde) e que é cuidado (usuário) que esta diretamente relacionada à dimensão emocional. Neste sentido, destacam-se os aspectos emocionais presentes na relação de cuidado às PVHAs e os conflitos morais.

A dimensão emocional que emergiram durante as entrevistas refere-se ao impacto que o cuidado às PVHAs tem nos profissionais de saúde. Alguns relatos apresentam casos de frustração e dificuldades de lidar com a morte de pacientes. Outros, relatam a necessidade de controle emocional do profissional.

Sobre o controle emocional do profissional, foi destacado: “Aqui dentro da unidade nós estamos predispostos a ajudar o outro e não a si. [...] Eu não posso ficar chorando na recepção porque senão o paciente vai se compadecer. [...] Aqui dentro eu vou cuidar do seu problema. Os meus ficam da porta pra fora” (E10). Neste sentido, para os profissionais, trabalhar no contexto da saúde exige deste o referido tipo de controle. Todavia, mesmo diante

do controle emocional, alguns sentimentos tornam-se inevitáveis, conforme pode ser exemplificado no relato a seguir.

Não é fácil você dar um diagnóstico que a pessoa tem aids. [...] tem uns que sofrem mais para dar esse resultado do que a pessoa que está recebendo o resultado. E a gente tem que cuidar desse sofrimento, coisa que a rede não faz. Essa é uma grande deficiência da rede de saúde pública, privada, toda né. A gente não cuida do cuidador. Aqui o cuidador precisa de cuidado (E9).

Igualmente, os profissionais relatam a dificuldade de lidar com o luto diante da morte de algum usuário do serviço. “[...] a equipe ela ainda é sensível o suficiente para sofrer a cada perda” (E7). Os relatos a seguir evidenciam como os profissionais são afetados pela perda do paciente.

Tem pacientes que assim, faleceram e eu tinha muita amizade. Eu prefiro não pensar... tem paciente que você acaba se apegando mais. Não vou dizer amigo, mas a conversa varia sobre “N” assuntos. Tem pacientes que estão comigo desde quando eu entrei. Quando falam assim: ‘olha, tal paciente faleceu’. Você sente, mas tem que tocar a bola pra frente. [...]Tem a relação profissional-paciente, mas sempre tem aquele que você conversa, dá risada, se apega mais (E15).

“Teve uma paciente que morreu a umas duas três semanas atrás, que eu estava indo na casa dela fazer curativo. [...]É difícil, é muito difícil, eu me coloco no lugar do familiar, sabe? É difícil. Tanto que depois disso eu não consegui voltar lá ainda pra conversar com a família. A gente tenta aprender [...] que não é nossa culpa, que a gente não pode levar essa carga conosco. Então a gente precisa trabalhar isso. Mas eu sempre tive isso comigo, sabe? Eu tenho essa dificuldade como profissional. Eu me apego muito as pessoas, principalmente paciente que chega aqui, que vem sempre, e ai já está doente e parece que já tem um apego maior dessa situação. Então eu procuro me desapegar disso, mas é difícil (E12).

Para muitos profissionais, trabalhar no contexto HIV/aids é laborar com muitas frustrações e impotência, conforme os relatos expostos a seguir.

A gente sente assim que parece que o seu trabalho não tá atingindo o objetivo necessário. Na realidade é o próprio paciente que não quer se cuidar. Então isso ai é tentar em casa não ficar lembrando. [...] É que dá aquela sensação de impotência que parece que você não tá fazendo o serviço (E3).

Teve uma ocasião que um paciente falou pra mim: ‘olha, eu não estou tomando, é muito medicamento, não sei o que...’ [...]. Aí pensei em uma estratégia e falei: ‘vamos fazer o seguinte, eu vou colocar tudo em saquinhos pra você. Dentro daquele saquinho vai ter o que você tem que tomar de manhã e o que você tem que tomar a noite, pode ser?’. ‘Pode’. [...] Então ele vinha buscar o medicamento, eu ia numa mesa com ele, [...] colocava todos os

comprimidos ali, ia separando, sessenta saquinhos com todas as dose, de manhã e de noite, de tudo que ele tomava. Ele usava vários medicamentos, por isso que ele tava com dificuldade, porque se fosse um só era mais fácil. Então eu pensei nisso né pra facilitar pra ele. No segundo mês já parou de vir. Quer dizer, por mais que eu tenha um esforço, tenha oferecido o serviço, tenha feito alguma coisa a mais pra ele, ele não voltou mais, ele está em abandono, entendeu? (E14).

Além das situações de frustração, tem-se o cansaço da equipe. Para muitos, o atendimento é também desgastante e, às vezes, se faz necessário mudar de atividade por um tempo.

Eu fiquei muito tempo na recepção, e eu fiquei muito esgotada lá, muito, mas muito mesmo. Ai, quando ela voltou, [...] eu falei: ‘eu preciso sair daqui um pouco, [...] eu preciso respirar’, porque eu não estava aguentando mais. Acho que na verdade, também, você acaba pegando os problemas do paciente [...]. Eu me cansei muito (E2).

Os conflitos morais no atendimento às PVHAs também aparecem nos relatos dos profissionais, com destaque para as dificuldades vivenciadas ao entrar em contato com situações que geraram conflito com suas convicções. O suporte da equipe também surge como meio para a superação de tais conflitos. Sem dúvida, as crenças religiosas interferem, mas, acima delas existe um ser humano em sofrimento e, segundo eles, é esse o olhar que os profissionais devem atribuir aos usuários, respeitando-o sempre.

[...] sou cristã, sou evangélica e eu tenho as minhas convicções. Só que eu preciso olhar para o ser humano de forma, não indiferente, mas olhar sem julgar. Isso foi difícil, sabe? Aceitar a pessoa do jeito que ela quer ser aceita, do jeito que ela é, então isso foi uma coisa que eu conversei várias vezes [...]. Então assim, hoje eu tiro de letra, porque eu aprendi a respeitar (E2).

Ah! mas eu tenho uma crença religiosa que não permite aceitar’. Você pode até não aceitar, mas dentro do seu trabalho, você vai tratá-lo como pessoa. [...] Você vai tratá-lo como uma pessoa que precisa de um tratamento maior (E10). É um pouco diferente da área da saúde, [...] já que teria que estar trabalhando com infectologia, com pacientes com doenças transmissíveis. Então, a maioria tem família, filho pequeno. Eu também pensei muito nisso no início (E4).

Os profissionais de saúde, assim como os usuários, são sujeitos que trazem suas histórias, dificuldades e frustrações para o trabalho do cuidado em saúde. Neste sentido, como demostrado nos depoimentos, o cuidado às PVHAs é carregado de uma carga emocional que os afetam no cotidiano de suas atividades de trabalho.