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5 DISCUSSÕES

5.4 O Apoio da gestão e a gestão no Apoio das equipes de atenção

5.5.2 Dimensão política

A categoria dimensão política encontra-se alicerçada no potencial do Apoio em instaurar processos de mudança em coletivos e em instituições, através da adoção de práticas institucionais democráticas, que alterariam as relações de poder.

Sendo assim, nessa categoria, agrupamos as diretrizes institucionais na perspectiva de conseguir apreender, mesmo que de forma restrita a um registro escrito, os movimentos de concentração ou desconcentração de poder.

A partir do material empírico, analisado, surgiram quatro subcategorias: Apoio a

construção de relações democráticas, cooperativas e dialógicas; Apoio aos processos participativos de gestão e estímulo ao controle social; Apoio às ações vinculadas ao PMAQ; Descrição do Apoio Institucional, utilizando a mesma redação dos documentos oficiais do MS.

Além das questões já levantadas anteriormente, nos questionamos, por quem, de que forma e com qual concepção de Apoio Institucional foi preenchido o formulário virtual Módulo IV (gestor)?

Isso porque, desde a análise da categoria anterior, já identificamos que seis gestores de atenção básica, de forma exclusiva ou não, ao preencher o formulário on line, descreveram sobre a estrutura de funcionamento do Apoio, ao invés de tornarem explícitas as diretrizes para o Apoio em seus municípios.

Do mesmo modo, observamos que G20 e G17 preencheram o mesmo formulário virtual, não apontando diretrizes, mas sim, definindo o Apoio Institucional, utilizando, para tanto, a mesma redação contida nos documentos oficiais do MS, como descritos nos fragmentos abaixo:

Realizar apoio junto aos serviços "como um modo específico de fazer gestão junto a coletivos/equipes, reconhecendo a complexidade do trabalho coletivo e tomando os problemas concretos, desafios e tensões do cotidiano como matéria prima para seu trabalho, a fim de facilitar a conversão de situações paralisantes em situações produtivas" (G20).

“Função gerencial que busca a reformulação do modo tradicional de e fazer

coordenação, planejamento, supervisão e avaliação em saúde”; O Apoio Institucional transforma as relações de supervisão e os modelos de gestão verticalizados em relações horizontais que ampliem o grau de democratização, publicização, autonomia, emancipação e compromisso dos trabalhadores e gestão (G17).

Outro conjunto de diretrizes, que merece destaque, diz respeito a subcategoria Apoio

às ações vinculadas ao PMAQ

O Apoio Institucional às equipes é identificado pela Política Nacional de Atenção Básica, como uma das competências das Secretarias Municipais de Saúde no processo de implantação, acompanhamento e qualificação da atenção básica, como, também, da ampliação e consolidação da Estratégia de Saúde da Família (BRASIL, 2012b). Desse modo, o Apoio é incorporado tanto na AMAQ como no PMAQ-AB, tendo como foco a qualificação daquilo que é ofertado à população (BRASIL, 2012a).

Compreendemos, portanto, que a centralidade do Apoio Institucional deva ser a mudança nas organizações (gestão e atenção). Desse modo, opera disparando processos de mudança e oferecendo suporte a coletivos e não, especificamente, a qualquer programa governamental, como é o caso do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade

da Atenção Básica, como parece ser a compreensão de alguns gestores. Tal observação decorre do fato de que a redação de algumas diretrizes para o Apoio Institucional foi parcialmente ou totalmente atrelada ao PMAQ-AB.

[...] a SMS não está realizando o apoio institucional formalizado. As equipes, que aderiram ao PMAQ, foram visitadas, no mínimo, duas vezes, para discutir o PMAQ nas suas várias facetas (G4)

Estimular as equipes PMAQ através de acréscimo salarial, com os recursos a serem repassados pelo PMAQ; Investir o recurso do PMAQ na infraestrutura das USFs; priorizar ações de educação permanente para as equipes PMAQ; reformar as salas de vacina com o primeiro repasse fundo a fundo do PMAQ; apoiar as equipes junto ao PMAQ (G11).

Atuar na implantação e condução do PMAQ no município; Orientar e acompanhar junto ao gestor a implantação do PMAQ (G14).

Esse entendimento limitado da estratégia do Apoio, pode fazê-lo perder sua potência de ferramenta instituinte, no momento em que ele se institui numa dada realidade de forma acrítica, contribuindo, assim, não para mudança, mas para a estagnação institucional.

Como sinaliza Feuerwerker (2014), não restam dúvidas da importância de incorporar no discurso institucional a intencionalidade de mudanças de práticas e de reorientação do modelo de atenção, embora há de que se admitir que, ainda, é de pouca monta os volumes de recursos envolvidos para esse fim, o que faz a autora afirmar que o investimento para a produção da mudança é marginal. E acrescenta:

[…] E como não se reconhece a dinâmica micropolítica de sua fabricação, as

estratégias, adotadas, são, em grande parte, normativas, baseadas na transmissão de conhecimentos ou de estímulos materiais e financeiros. Ou seja, mesmo quando se pretende mudar as práticas políticas e de gestão, adotadas majoritariamente no SUS, fabricam a reprodução do instituído (FEUERWERKER, 2014, p. 87).

Podemos observar ainda, que algumas gestões construíram algumas de suas diretrizes, respaldando-se em objetivos mais democráticos, quando reconhecem a necessidade do Apoio Institucional ser voltado para o apoio aos processos participativos de gestão e

estímulo ao controle social (G1, G2, G3, G16 e G12).

Deliberar situações provenientes dos conselhos locais; manejar demandas percebidas pelo apoiador, advindo do controle social e ouvidorias (G1);

Desenvolver a gestão participativa no SUS, no município, com o objetivo de fortalecer a gestão e o controle social do SUS (G2).

Participar de reuniões do conselho municipal de saúde e conselhos locais de saúde, fóruns distritais, comitês de vigilância e outros (G3).

Promover a cogestão entre os trabalhadores, gestão e usuários (G16).

Apoio institucional é realizado através de ações que estimulam a cogestão, como: oficinas, visitas e reuniões técnicas nas unidades de saúde da família, assessoria ao planejamento das equipes tanto para a melhoria do acesso quanto da qualidade das ações desenvolvidas (G12).

É na dimensão de construção da democracia institucional que reside o caráter político da metodologia do Apoio. Para Campos (2014), a potência do Apoio se sustenta fundamentalmente na possibilidade de alterar as relações de poder, no sentido de possibilitar a aproximação e a compreensão das formas como os indivíduos cotidianamente exercem, sublevam e resistem ao poder na micropolítica do cotidiano da gestão e da atenção.

O poder, como nos adverte Foucault (2009, p. 175), concebido não como uma coisa, mas como prática social, construída historicamente e que, como tal nas instituições, se "corporifica em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material”, produzindo discursos e práticas sociais, repressivos, resistentes ou dialógicos.

Portanto, há possibilidades, por meio do exercício da cogestão e da gestão participativa, de se caminhar na direção de construção de relações mais horizontalizadas, nas instituições, uma vez que esse elemento da metodologia do Apoio possibilita a construção coletiva de contratos e compromissos entre os sujeitos envolvidos.

O modelo de gestão participativa centra-se no trabalho em equipe, na integração planejamento/ação e na organização de espaço coletivo de gestão, que possibilite a negociação entre desejos e interesses distintos (usuários, trabalhadores e gestores). Dessa forma, se garante, de fato, uma gestão inclusiva, com compartilhamento de poderes e análise institucional, em que as decisões e avaliações possam ser construídas coletivamente (BRASIL, 2009a).

Cabe a ressalva de que a forma, como G12 propõe o estímulo à cogestão, é através de: “oficinas, visitas e reuniões técnicas nas unidades de saúde da família, assessoria ao planejamento das equipes”, o que, ao nosso ver, por si, não garantem a criação de espaços de cogestão. Como ressalta Paulon, Pasche e Righi (2014, p. 813), "o apoio se diferencia de uma visita, de um contato, ou, mesmo, de ação, que é típica de assessorias e consultorias […], isso porque o apoio se inscreve num processo de grupalização, do estabelecimento de contratos e vínculos, que só podem ocorrer, a partir de certo número de encontros regulares, que se

traduzem em rodas de conversa, discussões permanentes e horizontalizadas, que possibilitem em escuta qualificada das demandas, advindas do cotidiano de práticas das equipes.

Outro direcionamento dado às diretrizes de algumas gestões, que apontam do mesmo modo para um esforço na direção da desconcentração de poder, foi o Apoio à construção de

relações democráticas, cooperativas e dialógicas, apontadas por G1, G12, G10, G3, G15 e

G21.

Nessa situação específica, podemos pensar que os gestores citados, se aproximam da compreensão de que o Apoio tem como diretrizes a democratização institucional e a autonomia dos sujeitos. Essa autonomia é conquistada, a partir do momento em que apoiador/apoiado se dilatam e permitem por em análise os saberes, os poderes e o fazeres presentes nas práticas e nas relações, que se estabelecem na cotidianidade da atenção básica.

Percebemos também que há compreensão, por parte desses gestores, de que as instituições, além de produzirem serviços, produzem sujeitos e, portanto, subjetividades.

Mediar conflitos com implantação da psicologia organizacional (G1); Apoio aos profissionais no enfrentamento de conflitos (G12).

Desenvolver processos de reflexão e mudança das práticas, a partir do fazer cotidiano das equipes de atenção básica; potencializar os esforços e experiências vivenciadas pelas equipes, fortalecendo a responsabilidade sanitária e evitando a culpabilização; estabelecer uma relação horizontal, contínua e solidária com as equipes de atenção básica, visando à troca de saberes e práticas entre equipes e apoiadores (G10).

Promover encontros entre profissionais das UBSF para integração e troca de experiências (G3).

Articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos profissionais e usuários; criar espaços em que a avaliação tome por base a reflexão dos próprios resultados alcançados pelas equipes, onde a análise da situação facilite a tomada de decisão (G15).

Contribuição com os processos de inovação nas relações de trabalho; favorecimento da construção de espaços coletivos de reflexão (G21).

No entanto, é preciso estar atento, pois a construção de sujeitos autônomos é uma conquista processual, dinâmica, que pode ser disparada pelo Apoio, a partir do momento em que são criados espaços para se questionar todo o conjunto de leis, normas, padrões e valores que compõem as instituições. Esse movimento, apesar de indispensável para a construção de instituições democráticas e mudanças das pessoas, que nela trabalham, é permeado por

conflitos, uma vez que se põem em evidência interesses, desejos e problemas bastante diversos.

Ao mesmo tempo em que identificam e analisam seus problemas, os coletivos necessitam de Apoio para aumentar a capacidade de análise, de forma a aumentar o seu potencial, para elaborar críticas reflexivas sobre suas práticas, sobre suas relações com e na instituição que, muitas vezes, produzem práticas que distanciam a concepção e a execução do trabalho, favorecendo, que desse modo, se potencializem as mudanças necessárias para a produção de mais e melhor saúde.

Nesse sentido, é fundamental que o profissional, que exerça a função Apoio as equipes em qualquer configuração de Apoio existente no município, seja qualificado e, também, seja apoiado para operar com as tecnologias e ferramentas do Apoio proposto por Campos (2000), apreendendo da realidade apoiada os saberes, os poderes e os afetos envolvidos necessários aos processos de mudança.